Guest Post: Do sexo viemos e é para lá que voltaremos


por Júlia Neves

Sexo é certamente uma das palavras mais temidas e constrangedoras da sociedade moderna. Embora seja natural, ainda que todo mundo faça, todo mundo pense, todo mundo precise, falar de sexo continua a ser um dos maiores tabus para a maior parte das pessoas. No nosso mundinho, sexo bom (e moralmente correto) é aquele contido na caixinha da tríade casamento-reprodução-heterossexual. É pensando na limitação e opressão desta norma que ativistas políticos de São Francisco, Berlim, Barcelona e São Paulo criaram o projeto [SSEX BBOX] sexuality out of the box (sexualidade fora da caixinha), uma série de documentários na internet sobre diversas formas de sexualidade, da perspectiva de diferentes lugares do mundo.

O projeto tem como principal objetivo discutir sexualidade fora das normas culturais conservadoras, desvencilhando-se de preconceitos comuns que persistem na maioria das abordagens sobre o assunto, como a vergonha e o moralismo. O primeiro episódio, por exemplo, apresenta depoimentos de artistas, pesquisadores e ativistas sobre o que eles entendem como sexo, mostrando que sexo se manifesta de diversas formas na sociedade: entre héteros, gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros; na masturbação, na política, na religião e por aí vai.

O meu preferido até agora é o segundo episódio, que discute sexualidade na infância. Um dos pontos mais enfatizados pelos entrevistados é exatamente a ilusão de que crianças estão alheias ao sexo porque são inocentes. A opinião dos especialistas é unânime: melhor ensinar uma criança que é normal sentir desejo sexual do que ensiná-las a ter vergonha. Em vez de ensiná-las que masturbação é pecado, faz mais sentido explicar que faz parte do conhecimento do corpo.

Outras questões abordadas pelos mini-documentários são as relações entre política, religião e sexualidade, mostrando como todos nós somos culturalmente moldados pelos discursos que legitimam sexo somente para a reprodução e após o casamento, é claro. Obviamente temos mais opções e liberdades que outras gerações, mas a questão de sexualidade ainda é tabu em diversos aspectos, pois os discursos que prevaleciam no século XIX, já dizia Foucault, ainda pairam o nosso dia-a-dia. 

Não vou nem entrar no mérito daquele famoso clichê: homens que transam com muitas mulheres são garanhões, mulheres que transam com muitos homens são vagabundas. Mas a questão da homossexualidade, por exemplo. O olhar sobre o homossexual como um doente, anormal e sexualmente pervertido é um preconceito consolidado no século XIX por sexólogos e psiquiatras que tentavam desvendar e explicar o que era o homossexual.

Por mais absurdo que isso nos pareça nos dias de hoje, esta forma de ver a homossexualidade – como uma aberração – tornou-se tão naturalizada que é frequentemente reproduzida através de comentários que, teoricamente, seriam pró-homossexualidade. Quem nunca escutou a frase: “Não tenho nada contra gays, mas que não se beijem na minha frente”? Este é um comentário homofóbico sim, pois o motivo de estas pessoas não quererem ver homossexuais se beijando é o preconceito de que a homossexualidade é anormal e, de certa forma, errada.

O [SSEX BBOX] é um projeto extremamente politizado que busca, de fato, quebrar preconceitos e tabus que circulam entre nós. Os documentários mostram que é possível viabilizar diferentes formas de pensar a sexualidade através da educação sexual, ressaltando que há inúmeras maneiras de entender, expressar, praticar e desejar sexo. Os depoimentos dos vídeos são inteligentes, acessíveis e levantam debates importantes sobre o assunto. Até agora, a equipe já produziu quatro episódios, que podem ser encontrados no vimeo, e produzirão mais dez entre janeiro e novembro de 2012. O quinto estreia dia 4 de junho em São Francisco. Esperemos ansiosamente.   

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Júlia Neves nasceu em Brasília e, desde 2008, vive na Alemanha. Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, atualmente é doutoranda em Literatura e Cultura Inglesas na Humboldt-Universität zu Berlin. Desde o mestrado, também cursado em Berlim, ela se dedica a pesquisas sobre representações de homossexualidade e de Londres nas obras dos escritores britânicos Sarah Waters e Alan Hollinghurst. Suas principais áreas de interesse são literatura, línguas, séries de televisão, cinema, teorias pós-colonial, queer, de gênero e feminista.

5 comentários:

  1. Gostei demais do texto, Júlia. Uma das grandes figuras da história religiosa do nosso país, Chico Xavier, disse uma vez que em matéria de sexualidade humana, estamos bem longe de entender ainda alguma coisa: "se todas as potencialidades humanas, dadas por Deus, devem ser exploradas para o bem, seria o sexo das trevas?". Infelizmente, nunca freqüentei uma casa espírita que levasse em conta e aplicasse tais considerações. As pessoas costumam usar sua religião para justificar seus preconceitos e isso não é diferente com o espiritismo (apesar do Chico). Uma vez, uma das lideranças espírita me disse que o homossexual era um doente da alma e eu disse: e o resto das pessoas, são almas saudáveis?? Eu sou uma pessoa que acredita em Deus e vivo solta sem me encontrar em uma religião porque ainda não encontrei uma que não justifique nenhuma espécie de desigualdade. Enfim, sem divagar, o texto e o projeto out of the box são muito legais, acho mesmo que se a gente considerar a sexualidade humana como potencialidade e pensando fora da padrão limitador atual, daríamos conta de acabar com vários problemas: violência e preconceito, para começar.

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  2. Discursos liberais sobre sexualidade provaram ser muito eficientes para promover a exploração sxeual da mulher."sexo é lindo,nada deve ser proibido",e niso oque presenciamos hoje em dia: aumento da pedofilia contra meninas,aumento de estupros,da prostituição,do tráfico de mulheres,nossa redução total a um corpo sxeado pronto para servir o homem.

    Está na hora do feminismo mudar este discurso para algo que não dê margens para perpetuação destas violências contra nós!

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  3. A Júlia pode responder melhor, mas o intuito do post me pareceu ser a defesa da liberalização do sexo na medida em que desestabiliza a matriz heterossexual normativa. Em outras palavras, afirmar outras possibilidades de sexualidade (homo, bi, trans) e que amplia a discussão para além da - também necessária - discussão sobre a mulher como objeto sexual do homem. A violência sexual contra as mulheres não pode ser negada, mas acho que uma coisa não desconsidera a outra necessariamente.

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  4. O que as mulheres precisam fazer para deixar de serem objetos sexuais masculinos é apropriar-se de sua sexualidade. Deixar de medir seu corpo e seu desejo pela língua da sociedade. E não são os discursos de liberalização sexual que promovem a pedofilia e a exploração sexual - é a cultura patriarcal do tratamento do mais frágil (mulher, criança) como propriedade.

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  5. A questão de liberdade sexual não implica violência. Ela implica que, como a Roberta disse, outras formas de sexualidade (além das masculina e heterossexual) devem ser aceitas e respeitadas.

    Aliás, isso é algo que está muito claro em qualquer discurso pró-liberação sexual: todos os desejos sexuais são permitidos, desde que TODAS as partes envolvidas CONCORDEM E CONSINTAM o sexo, o que certamente não acontece no caso do estupro e da pedofilia. No primeiro caso, porque o sexo se dá de forma forçada, sem que uma das partes (na maioria das vezes, mulheres) concorde. No segundo, porque a criança não tem a opção de escolha, pois ela ainda não entende a sua própria sexualidade e não tem condições de consentir ou não, nem se quer de entender o que está acontecendo.

    Portanto, a liberação sexual tem o objetivo de esclarecer que TODOS têm o direito de manifestar, experimentar e fazer sexo da maneira que quiserem, mas SEMPRE quando isso é consentido. Ou seja, o respeito ao corpo do outro é essencial neste processo.

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