Religiosidade e feminismo


por Mazu
 
Bom, não tenho mais vergonha de dizer: eu acredito em Deus. Já apanhei muito na academia e na militância por isso, mas é bem mais forte que eu. Tentar me declarar atéia sempre me fez sentir como se estivesse mentindo. Ainda assim, acreditar em Deus e ser feminista pode ser um pouco conflitante, também assumo isso. Isso porque os grandes livros (bíblia, alcorão) que embasam algumas das religiões dominantes são bem machistas (de verdade, não quero ofender ninguém com isso). Os grandes profetas, líderes religiosos, na maioria: homens. As mulheres que, em determinada época, manifestaram sua espiritualidade ou cultuaram o feminino são conhecidas historicamente como bruxas. Obviamente, muita coisa vem mudando, existem grupos religiosos que discutem essas questões da religiosidade e dos direitos da mulher, como o Católicas pelo direito de decidir, e o CFêmea também já abordou a questão. Ainda assim, a maioria das religiões tem uma visão muito esquisita da mulher e da sexualidade feminina e da sexualidade no geral. Por exemplo, acredito que Jesus existiu e que foi um cara massa, mas que Maria, sua mãe, não era virgem não e que isso não tem a menor importância. Acredito que Maria Magdalena, a amiga de Jesus, foi uma personagem muito mais importante do que se conta e que podia ter sido sim, namorada de Jesus, sua companheira na vida sexual e de militância, sem problemas. Na boa, isso faz muito mais sentido do que a história "oficial" que nos é contada.

O espiritismo me deu muito conforto por um tempo porque em sua literatura o que consta é que o espírito não tem sexo e que reencarnamos ora homem, ora mulher, de acordo com o nosso aprendizado/prova/missão na terra. Isso é bem libertador e revolucionário, especialmente, se a gente pensar que se um dia Jesus voltar, seu espírito pode vir num corpo de mulher (talvez isso já tenha acontecido e ninguém tenha lhe dado voz). E as falas e os livros do Chico Xavier também sempre me trouxeram essa visão igualitária e certa paz de espírito. Antes que alguém diga que estou advogando pelo espiritismo vou logo soltar: na prática, nas casas espíritas (as que frequentei pelo menos) não é assim não. As pessoas, no nosso mundinho e na nossa época, ainda usam da sua religião para justificar seus preconceitos. Nunca frequentei nenhuma casa religiosa que recebesse bem os homossexuais ou que não me pedisse resignação com determinadas injustiças relacionadas a preconceitos sociais de gênero ou sexualidade. E sabe aquele desconforto que eu sinto quando minto que não acredito em Deus? Pois é, o desconforto em dizer que Deus compactua com qualquer tipo de preconceito é o mesmo.

Uma pergunta ainda me persegue: preciso abrir mão de Deus pra ser feminista? Preciso abrir mão da minha sexualidade para acreditar em Deus? Por que cargas d'água essas coisas teriam de ser opostas? Por que a mulher, em algumas religiões, é associada ao diabo? Por que a homossexualidade ou a sexualidade feminina muitas vezes são vistas como coisas das trevas? Da mesma forma, por que as religiões de origem africana ou indígena recebem esse mesmo tipo de rótulo? Sério mesmo, se considerarmos bem a nossa história até agora, eu diria que o mal tem se servido muito bem do homem heterossexual branco, que vem liderando um mundo cheio de desigualdade e atrocidades.

Ainda tenho muito para dizer e escrever sobre religiosidade e sexualidade, religiosidade e resignação, religiosidade e militância política. A Júlia já escreveu sobre sexualidade e foi muito legal. No geral, preciso deixar claro que nada justifica intolerância em nenhum âmbito da existência humana. E se Deus existe como eu sinto que existe, preconceitos e injustiças não são criações dele não.

Vou terminar esse post com um vídeo do Chico Xavier sobre sexualidade, gravado nos anos 70 (pasmem!!). E vou dizer mais, o Chico era um cara massa também, massa tipo Jesus, e se ele era homossexual, não tem problema. Nem ele, nem Jesus, nem as Marias e nem ninguém precisa ser assexuado para ser um bom espírito. Sexo e sexualidade, sim, são criações de Deus. 

5 comentários:

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  2. Mazu, muito legal vc ter entrado nesse assunto! Essa questão de sexualidade, gênero e religião é uma que sempre aparece, principalmente na parte de história feminista, nas referências à bíblia.

    Mas me chamou a atenção você mencionar que você não conhecia nenhuma casa religiosa que fosse tolerante à homossexualidade. Mas tem sim. A Umbanda e o Candomblé. Fiz uma reportagem nas épocas de faculdade sobre isso e me deparei com alguns textos que falam sobre este tema. É exatamente porque estas religiões não promovem muito a questão do "pecado" que muitas pessoas as procuram para sentirem-se acolhidas por alguma instituição religiosa.

    Gostei bastante do texto! Parabéns!

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  3. Oi, Júlia. Valeu. Olha só eu não conheço muito bem essas casas que você citou, mas é bom saber, quem sabe eu não encontro nelas! ;)

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  4. Eu vi esse vídeo do Chico Xavier, Mazu! É incrível como ele consegue ser lúcido em relação à questão da sexualidade! Sou ateia até o último fio de cabelo. Mas tirei o chapéu na hora! Parabéns pelo texto! Bjos. Tággidi.

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