Homens feministas


por Roberta Gregoli

Ano passado participei de um simpósio na London School of Economics sobre masculinidade e guerra. Depois de uma das apresentações, alguém da plateia questionou por que era normal vermos cidadãos reivindicando direitos de imigrantes ou ocidentais defendendo a Palestina, por exemplo, mas muito difícil vermos homens feministas. Isso me fez pensar.

Primeiro, vamos deixar claro, ainda que não tão visíveis, existem sim, homens feministas. Acho também que não é assim tão comum ver um apoio forte a causas alheias. Quanto maior a tensão e as diferenças sociais, mais difícil a identificação com uma causa. Num país racista, por exemplo, é menos comum que brancos defendam o direito dos não-brancos.

O abismo que nos separa

Isso leva imediatamente ao cerne da questão. A divisão entre os sexos é uma das mais profundas que experienciamos. Desde antes do nascimento (com os pais correndo para saber o sexo do bebê aos 3 meses de gestação), já somos divididos entre mulheres e homens. A partir daí essa divisão só é reforçada: roupas, cores, brinquedos, comportamentos e sentimentos ensinados como apropriados, profissões, salários, papéis na família.
A diferença social construída entre mulheres e homens é abismal e, mais importante, tida como natural. Para o feminismo, a natureza tem um papel bastante limitado nessa equação. Há discussões interessantíssimas sobre como o gênero - e mesmo o sexo - são constructos sociais e históricos.

À ideia de que mulheres e homens são naturalmente diametralmente diferentes, somamos que o feminismo é muitas vezes reduzido à ideia de competição. Na velha novela da guerra entre os sexos, as feministas querem "ser homens" ou "dominar os homens". Dentro dessa lógica babaca, homens feministas estariam aceitando e defendendo a dominação feminina. Ignorância brutal. O que nós, feministas, queremos é outra coisa.

Uma versão extrema dessa lógica são os grupos "masculinistas" (que nada mais são que grupos de ódio). O primeiro problema é que esses grupos pressupõem que a igualdade já existe, o que não é verdade. Não é preciso defender os direitos daqueles que já têm seus direitos assegurados e isso vale também para o dia do orgulho hétero, da consciência branca, etc. O mundo é feito por e para homens brancos heterossexuais. Qualquer afirmação dessas identidades privilegiadas é um desrespeito às minorias que lutam por um mínimo de justiça e equidade.

Como os homens se beneficiam com o feminismo

O "masculinismo" ignora que o feminismo, ao subverter as categorias de gênero, liberta também os homens para ocuparem outros papéis sociais, e demanda que instituições criem políticas e ações mais igualitárias para os dois sexos.

Para os homens, isso significaria licença paternidade decente (5 dias serve para quê?), se libertar do fardo do papel de provedor, poder gostar e fazer coisas tipicamente tidas como femininas (roupas, comédias românticas, ter vaidade, etc), poder escolher trabalhar em casa, e assim por diante.

Nenhum homem vive isolado. Direitos iguais significam mais respeito e oportunidades para as mulheres que os homens amam: esposas, companheiras, mães, filhas, amigas, familiares. Como é criar uma filha sabendo que, por mais oportunidades de estudos que possamos oferecer, ela ganhará 30% menos que um homem? E que estará muito mais propensa a sofrer violência física de seu companheiro?

Ou criar um filho sabendo que ele pode ser agredido e expulso da escola por dançar balé e que terá 4 vezes mais chances de morrer durante a juventude?

Não é verdade que os homens não querem mudar.
É verdade que muitos homens têm medo de mudar.
É verdade que uma infinidade de homens sequer
começaram a entender como o patriarcado os impede
de conhecerem a si mesmos, de estarem em contato
com os seus sentimentos, de amarem.
bell hooks, The Will to Change: Men, Masculinity and Love, p. xvii (minha tradução) 

É claro que o poder da cultura é tão forte e profundo que, mesmo sem querer, todxs estão sujeitxs a reproduzir ideias opressoras. É por isso que não basta não querer ser machista - é preciso estar continuamente pensando gênero de maneira crítica.

Por isso, proponho: Subverta-se!

É assim que um feminista se parece


8 comentários:

  1. Da mesma forma que existem homens feministas, existem muitas mulheres machistas e sexistas também. Tem que ser uma luta e uma observação constante né? Com qualquer piadinha ou comentário, corremos o risco de propagar essa ou aquela discriminação mascarada de gracinha ou verdade natural. Gostei demais deste post, Rubeata. Gatinha!

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  2. Você tem toda a razão. Como uma colega disse uma vez: você sabe que a luta é difícil quando metade do seu time está contra você. Beijos, querida.

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  3. Eu não acredito neste otimismo de "homem querer mudar",Ninguém muda do nada,sem ter insist~encia e até mesmo assertividade dos grupos discriminados.Além do mais,o machismo deve começar a ser encarado como o que realmente é: volência cruel contra todas nós muolheres.É o machismo que criou as brutais formas de exploração sxeual,como a prostituição e a pornografia( temas sempre "esquecidos" pelo feminismo brasileiro),e são estes "homens bonzinhos" de hoje que continuam criando demanda para tais comércios.Em muitos casos presenciei empatia zero por parte dos homens quando o assunto atinge muito seus privilégios,principalmente o sexual(tratar mulher como mercadoria).A Lei Maria da Penha tem se demostrado insuficiente.Então,sem atitudes mais enérgicas e sem essa de apenas "educar" os homens,é que vamos ter progresso.Imagina se os negros se preocupassem com o "bem estar dos brancos" em sua luta!

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  4. Isso foi uma coisa que pensei muito ao escrever o post: como a Audre Lorde diz, não é papel das mulheres educar os homens. Por outro lado, acho que faz parte da desmistificação do feminismo mostrá-lo não como o contrário de machismo, mas como luta pela conquista pela igualdade - que idealmente seria um interesse de tod@s.

    O final do post é até otimista, mas no geral não dá descrédito ao machismo e é mais um exercício de convencimento do que de celebração. Eu sou a primeira a dizer que ainda há muita luta pela frente (violência contra as mulheres que só cresce, lacuna salarial de 30%, representatividade política baixíssima) e o texto não desqualifica isso.

    Obrigada pelos comentários! É ótimo ouvir um retorno sobre os textos.

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  5. Se, por um lado, educar os homens não é tarefa das mulheres, por outro, quem o fará se não o fizermos? A posição privilegiada dos homens é, enfim, privilegiada. Quem quer deixar espontaneamente o poder e as regalias? Uma de nossas lutas é 'libertar homens e mulheres' porque, enfim, o machismo é um mal para nós, evidentemente, mas ninguém percebe como ele é mau para a sociedade como um todo. Portanto, ainda que criticável, querer elucidar as questões feministas aos homens é um movimento político muito importante. E, sinceramente, acho que não poderia haver maior poder político que ensinarem as mães às suas crianças a igualdade de gêneros. Nada é tão forte quanto o que se aprende na infância.

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    1. Se só houver educação sem leis punitivas,nada anda.Os negros tem conseguido resepito porque eles não ficam com "pena"(ou seja lá o que é isso)de exigir punição para o criminoso racista.
      E a coisa só tem piorado,realmente...eu nunca vi gente ri de estupro como se ri hoje e agora tem essa de masculinismo.Nenhum homem pensa 2 vezes antes de manifestar machismo e violência,por que ficamos cheia de dedos para agirmos contra eles?
      Então,mais uma vez,está na hora de repensarmos nossa conduta em termos de luta;do jeito que está,só estamos afundando e com um sorriso na cara.

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  6. Não é minha pretensão, de forma alguma, tentar direcionar pensamentos de feministas! Mas, acreditem, existem homens amigos, que amam as mulheres e gostariam sinceramente que as coisas fossem diferentes! As vezes leio coisas e opiniões de feministas que parecem que elas pensam que o machismo é um sistema criado por nós, homens, em uma assembleia, onde todos reunidos, e, provavelmente com a presidência do capeta, decidimos: “vamos criar o machismo e acabar com a vida das mulheres”! Não, pessoas, o feminismo é antiguíssimo, vem da época das cavernas e veio vindo devagar até desaguar nessa realidade atual! Então, para destruí-lo, somente com o tempo, educação e uma pressão continua mostrando a desigualdade e exigindo as correções. Mas não, muitas pensam diferente e, talvez queiram até mesmo chegar a extremos para acabar com os “privilégios masculinos”. Privilégios esses que nós não queremos de forma alguma abrir mão! Ao ouvir isso, percebe-se logo que vocês não sabem nada da vida de homem! Pensão que somos nababos, marajás, que temos uma vida só de prazeres e diversão! São os famosos “privilégios masculinos” e somos um bando de inescrupulosos malfeitores! Comecem a desconfiar que isso não é verdade, tanto quanto pensar que somos todos iguais. O que pode mudar o mundo é a educação dos meninos e ensiná-los desde cedo a respeitar as mulheres.

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  7. Sou o autor do post de 2.4.2015 das 20,15 hs e gostaria de pedir uma correção: eu não quis dizer que o Feminismo é antiguissimo, eu quis diz é que o Machismo é que é antiquissimo! Desculpem-me!

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