Machismo disfarçado de humor


por Roberta Gregoli

Dizem as más línguas que feministas não têm senso de humor, que são raivosas. Primeiro pergunto, quem não ficaria pelo menos chatead@ ao constatar a realidade: salário 30% menor, violência contra as mulheres que só aumenta, menos de 9% de representação no congresso e menos de 14% no senado, 34% dos cargos de chefia apesar de sermos a maioria (57%) nas universidades e assim por diante. É de rir à toa.

Mas normalmente quando dizem que não temos senso de humor é pelo fato de não ficarmos caladas quando ouvimos piadas desrespeitosas. Aí sempre tem sempre um@ que responde dizendo que é só uma piada, que não tem nada demais. Tenho estudado humor e me sinto à vontade para afirmar categoricamente: não existe humor inofensivo. Ou se está transgredindo, ou reforçando o status quo.

Pensando nisso, decidi fazer um breve catálogo das categorias de piadas sexistas que tenho visto na rede para um exame mais de perto:

1) Piadas que afirmam o comportamento "natural" das mulheres

Que as mulheres gastam o dinheiro dos maridos, falam demais, são vaidosas, superficiais e fúteis, etc.


O intuito dessas piadas é, pura e simplesmente, ridicularizar comportamentos tidos como femininos, ou seja, ridicularizar as mulheres. Essa categoria, apesar de parecer light, justifica atitudes paternalistas de menosprezo e desqualificação ao reforçar estereótipos que estão longe de ser verdade para muitas, senão a maioria de nós.

Quem divulga estas piadas não são só homens, é claro. Como diria uma colega, você sabe que está numa luta difícil quando metade do seu time está contra você. Mulheres muitas vezes promovem esse tipo de humor sem muita reflexão. A piada ao lado, por exemplo, foi compartilhada por uma mulher que sei que sustenta a casa, inclusive o marido, há décadas. Qual a graça em se autodenegrir, sendo que o que é afirmado nem é verdade?

2) Piadas que reforçam o comportamento "adequado" das mulheres

As piadas desta categoria normalmente ridicularizam mulheres que desviam do comportamento considerado adequado (leia-se conservador), normalmente com relação à sexualidade.

Exemplo clássico de reforço de padrão duplo
Comportamentos "adequados" são, claro, comportamentos opressores: tentativas de controlar o que as mulheres vestem, falam, quantos parceiros têm e assim por diante.

Ao sobrepor a categoria 1 à categoria 2, notamos algo curioso. Se nos conformamos aos estereótipos de gênero, somos ridicularizadas, se quebramos com eles... somos ridicularizadas. Em outras palavras, não há lugar de respeito possível para as mulheres dentro da nossa sociedade atual.

3) Piadas que banalizam a violência contra as mulheres

A crônica do Veríssimo comentada num post anterior entra nesta categoria e é aqui que as coisas podem ficar bem feias. Um dos piores exemplos que vi nos últimos tempos foi este

O que todas essas categorias fazem, e a categoria 3 faz mais nitidamente, é naturalizar o desrespeito através da ridicularização. E o desrespeito simbólico é o primeiro passo para a violência real

Recentemente, com a Marcha das Vadias, muito se têm falado sobre a prática cruel e onipresente de se culpar as vítimas: a sociedade ensina "não seja estuprada" e não "não estupre". Todas essas piadas, e em especial a desta categoria, são exemplos de como o estupro e a violência contra as mulheres, ao serem banalizados são, por consequência, ensinados, pois naturalizam a violência de gênero. Por "naturalizar" entenda-se tornar algo normal e aceitável, afinal é essa a premissa para se achar algo engraçado.


Não se cale

A acusação de não ter senso de humor é um mecanismo de silenciamento, por isso não se deixe intimidar. E digo mais, esse tipo de piada deveria, sim, ser tabu e isso nada tem a ver com liberdade de expressão ou censura (já discuti isso aqui e aqui). Fazer uma piada sobre o Holocausto para um alemão é inaceitável. Isso porque os alemães encararam de frente os crimes cometidos no passado e os levam a sério. Da mesma forma, piadas sobre a violência contra as mulheres deveriam ser tabu -- afinal, foram mais de 90 mil vítimas nas últimas três décadas, colocando o Brasil como o sétimo país que mais mata mulheres no mundo.

Ridicularizar as mulheres por se conformarem ou não ao senso comum, banalizar o estupro e a violência não têm graça nenhuma e devemos denunciar. Existe um mecanismo governamental para registrar cybercrimes: basta acessar http://denuncia.pf.gov.br/ (discriminação entra como Crimes de Ódio). Leva menos de um minuto para fazer uma denúncia anônima, por isso não deixem de reguistrar qualquer site que passe dos limites.

Por fim, para esclarecer, feministas não só têm senso de humor como são engraçadas: veja o ativismo inteligente e lúdico das Guerrilla Girls, o já citado Feminist Ryan Rosling e comediantes de primeiro escalão como Margaret Cho (este vídeo é demais) e Kristen Wiig, só para citar alguns exemplos.

A dica, então, é compartilhar humor do bem, humor que é, de verdade, transgressor por desestabilizar os papeis de gênero -- diferente dos que reforçam comportamentos opressores sob o pretexto perverso do politicamente incorreto.

    2 comentários:

    1. Adorei. Vou dizer mais o quê, adorei! Se não rompermos com esse discurso, quem será por nós? Que discurso será o nosso? Eu sou muito medrosa (vc bem sabe) e odeio, odeio confronto. Mas seu post me deu muita vontade de largar a mão disso. A legislação e as autoridades já estão preparadas para nos atender (pelo menos em tese), não existem motivos para tolerar mais preconceito. Nenhum!

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    2. Com o caso da Xuxa, olha só mais um exemplo de vítimas sendo culpadas. Um blogueiro diz que é sua necessidade de atenção e - acreditem - a menopausa que a levaram a proferir tamanha "bizarrice" (http://noticias.r7.com/blogs/andre-forastieri/2012/05/21/xou-de-horrores/). Sensível o moço. Para uma opinião bem mais ponderada e justa, veja http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2012/05/xuxa-minha-solidariedade.html

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