Loucura, medicina e o vibrador


O útero errante na versão almofadinha
A patologização da mulher e do corpo feminino tem uma história longa. A medicina, historicamente uma prática masculina, sempre interpretou o corpo feminino como símbolo da loucura. A palavra histeria vem do grego hyster, que significa - tcha-ram - útero. A ideia era de que esse mal afetava uma mulher cujo útero se desprendia por falta de lubrificação e ficava viajando pelo corpo. A teoria do "útero errante" (wandering womb) persistiu na Europa por muitos séculos e Freud no final do século XIX reforçou a associação entre o feminino e a loucura.

Como já discutido num post anterior, a partir do século XVIII, o modelo do sexo único passou a dar lugar a um modelo de maior diferenciação biológica entre mulheres e homens. É só então que corpos masculinos e femininos passam a ser vistos como fundamentalmente biologicamente diferentes. Essa diferença justificava posições sociais diferenciadas e implicava diferentes comportamentos sexuais e necessidades (ex. a sexualidade masculina passa a ser vista como naturalmente agressiva e a feminina como uma resposta ao desejo masculino, motivada pelos instintos reprodutivo e maternal). Mulheres "normais" eram as castas e passivas e desejos sexuais "excessivos" eram considerados anormais. Isso resultou no aumento do números dos ditos casos de histeria durante o século XIX. A histeria era então considerada uma doença que atacava mulheres excessivamente passionais que não tinham satisfação sexual.

O tratamento - pasmem - era massagem manual das genitais por um médico, até que se chegasse ao "paroxismo histérico" - o que hoje chamaríamos de orgasmo. Massagens com água se disseminaram em spas pela Europa e nos Estados Unidos, e o vibrador elétrico se tornou um utensílio popular com a disseminação de eletricidade nas casas. O filme Hysteria (Tanya Wexler, 2011), ainda inédito no Brasil, conta a história da invenção do vibrador. Ainda não assisti ao filme para saber se os fatos batem, mas pelo menos parece divertido.

O lado menos divertido da história é que, caso as massagens não funcionassem, clitorectomia era o próximo tratamento proposto. Instituições nos Estados Unidos e Reino Unido ofereciam a clitorectomia como tratamento para uma série de 'doenças', desde histeria, mania, retardo mental, insanidade, incontinência urinária e... divórcio, um claro sintoma de doença mental. Há casos documentados em que a esposa aceitou voltar ao marido após a cirurgia, atestando, obviamente, o sucesso do tratamento.

A moral da história é que a patologização do corpo e da psique femininas tem uma função normatizadora. Em outras palavras, ela serve para delinear o comportamento considerado aceitável e reprimir quem não está em conformidade. Não é à toa que mulheres já foram queimadas como bruxas, que mulheres ativistas foram e são consideradas loucas e anormais.

Isso pode parecer história do passado, mas se pensamos nas dezenas de males ainda associados à tensão pré-menstrual (e qual seria o equivalente para os homens? será que o corpo deles não sofre nenhuma alteração hormonal?), sem contar a frequência com que nos referimos a mulheres como loucas, vemos que a história se repete, só mudam as nomenclaturas.

Chamar uma mulher de "louca" é um hábito que homens jovens devem aprender a quebrar. Como o termo, "loucura" é uma peça na longa e terrível tradição de patologização das emoções femininas (especialmente com relação à sexualidade).
Jenna Sauers, Jezebel

Referência: Mottier, Véronique. Sexuality, A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2008.

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