Marilyn Monroe obscenamente humana

por Tággidi Ribeiro
 
     

Assisti a muitos filmes de Marilyn Monroe e percebi sua fragilidade como atriz. Em All about Eve, no início de sua carreira, Marilyn interpreta o papel de uma jovem atriz em busca da fama, muito insegura e bonita, sensual, ingênua e algo burra. Ironicamente, a loira, durante quase toda sua carreira, fez esse tipo de personagem sexy e bobinha. Mesmo em The Misfits, em que aparece num papel dramático.

Com mais tempo, percebi que talvez não fosse o talento de Marilyn o problema, mas o mercado que  criou o estereótipo da mulher loura, sensual e burra. Hollywood fez de Marilyn Monroe a mulher mais sexy do século XX neglicenciando sua humanidade, inteligência, sensibilidade. Marilyn gostava de ler, de escrever. Há quem diga que poderia ter sido uma grande escritora. Dizia coisas de poeta, como poucas vezes vemos não poetas dizerem.

Dogs never bite me. Just humans. Cães nunca me morderam. Só pessoas.
Eu sei muito bem que a humanização de Marilyn é também um produto da mesma indústria que a objetificou. Em geral, depois que grandes astros morrem, resulta numa forma eficiente de vendê-los. Contudo, esses seres tão distantes e próximos que se movem diante de nós na tela gigante do cinema são obscenamente humanos. Por isso, penso na menina Norma Jean antes de se tornar Marilyn Monroe. E no ser humano que ela não pôde ser depois.

Penso em Norma Jean como a multidão de meninas seduzidas pelo dinheiro 'fácil' das fotos eróticas, pelas promessas de se tornar modelo ou atriz. As moças bonitas são instadas a se despir (não se diz tão cotidianamente: "O que é bonito é pra se mostrar"?). E elas se mostram no dia a dia, nos bordéis da esquina, nas capas da Playboy, como panicats, BBBs; elas 'estrelam' quadros do Zorra Total, viram figurantes no programa do Sílvio Santos. Comumente, tornam-se garotas de programa, atrizes de filme pornô e/ou são compradas por homens endinheirados. Comumente, também, garotas que se despem (instadas por toda a sociedade) são automaticamente tachadas de putas e segregadas - deixam de ser mulheres 'dignas', tornam-se 'aquilo', o objeto, e não podem voltar atrás, pois jamais serão 'redimidas'. É como se uma sociedade inteira fizesse o papel do conquistador barato que faz a virgem 'ceder' para depois desmoralizá-la publicamente. É perverso.

Essas mulheres todas não são Scarlett Johasson, que se ressente de ser mais vista como sexy que como atriz de talento (notem, no artigo linkado, que a foto escolhida tem por objetivo depreciar a fala de Scarlett). Essas mulheres não são Scarlett ou Marilyn - nem voz elas têm. E elas morrem assim, e os jornais e a opinião pública absolvem seus assassinos. Marilyn fala um pouco por todas elas, mas ainda não é/foi o suficiente. O maior símbolo sexual do cinema morreu sem o reconhecimento daquilo que tentava, obscenamente, lembrar a todo mundo.
I have feelings too. I am still human. Eu também tenho sentimentos. Eu ainda sou humana.

2 comentários:

  1. Marilyn era sim uma atriz extraordinária. Acho que ainda paira uma desconfiança sobre seu verdadeiro talento, mas isso tem mais a ver com uma sociedade machista que reduz a mulher a uma imagem sexual (como bem expõe seu texto).

    Enfim, mesmo sendo narrado sob a perspectiva de um homem, o filme Sete Dias com Marilyn talvez tente desvendar quem foi Monroe sob uma ótica mais humana e cuidadosa.

    Eu gostei do filme
    http://www.youtube.com/watch?v=gSmz-r9MFm8

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  2. Eu não vi o filme sobre a Marilyn, mas pretendo vê-lo logo. Eu, para usar uma fala masculina, a acho absolutamente encantadora nos filmes (quase todos comédias) e uma atriz com potencial dramático muito grande não explorado. E eu me compadeço dela, da busca dela de poder ser além do símbolo sexual. O machismo nega a inteireza, e isso é muito triste.
    Obrigada por seu comentário, Bill.
    Abraço, Tággidi.

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