A obrigação de amar e o dia dos Namorados


por Mazu

12/06/2012


Véi, na boa. Odeio dia dos namorados. Antes que alguém me julgue pela falta ou presença de sexo e amor na minha vida, já adianto: considero-me uma pessoa amada pelos amigos, maridão, irmãos e tals. Então o fato de eu odiar o dia dos namorados não tem a ver com meus relacionamentos. Não gosto por vários motivos: para começar, existe uma pressão para não ser sozinho que eu não entendo (aprecio solidão e acho necessária até quando se está em um relacionamento); para terminar, a pressão é bem maior para as mulheres (só pra variar). Além disso, tem a questão comercial, odeio que o capitalismo consumista me diga que eu tenho dia certo para trepar, que bosta!

Esta fatídica terça-feira dos namorados, li de tudo por aí sobre isso. No Twitter, uma amiga querida disse que é melhor ser solteira do que ser como as namoradas chifrudas. Um colega disse que ia ter uma porção de mulher pensando "me coma, por favor, me coma". Enfim, tuítes machistas aqui e acolá e a gente bem sabe.

No mundo de hoje que sei lá por que as pessoas temem a solidão, parece que as mulheres são as que mais temem, ainda. Eu sei, eu sei, isso é tão século XIX que dá tristeza. Fora que se a gente for levar em conta os padrões da sociedade patriarcal, ser sozinha é uma puta bom negócio, casar para quê? Para ser a empregada doméstica de alguém? Casar, nessa sociedade, é um bom negócio para o homem que vai ter alguém para cuidar dele, já que ninguém o ensina a se cuidar sozinho (nas questões domésticas). Obviamente, estou me referindo a casais heterossexuais, deve rolar mais paridade nos casais homossexuais (eu imagino). Dessa diferença de funções no matrimônio, a gente volta para aquela questão de como são educados os meninos e as meninas. De qualquer maneira, ainda que tenhamos nos afastado um pouco disso hoje, a sociedade ainda vende relacionamento, casamento como um fim, um objetivo de vida, faz o mesmo com a maternidade também. Sem querer ofender, nem casamento, nem relacionamento, nem maternidade significam felicidade ou satisfação de maneira direta, como fins em si mesmos. E isso é bem pior quando se é mulher, porque, aparentemente, a responsabilidade é bem mais nossa. Enfim, nenhuma mulher é menos mulher ou vale mais ou menos porque não namora ou porque namora demais, porque é mãe ou porque não quer ser. Eu fico achando que isso está ficando claro, aí chegam essas malditas datas comemorativas e mostram que estamos na idade média ainda.

Não, obrigada.
Na boa, gente, namore ou não, dê muito, pouco ou não dê, não deixe que ninguém te julgue por isso, respeito é bom, todo mundo gosta e é lei na República Federativa desse nosso Brazilzão, que tem uma mulé como chefe de Estado, diga-se de passagem. Transcrevi um texto massa da Tiburi aqui para a gente, fica minha homenagem às namoradas e não namoradas:
A autoenunciação do desejo das mulheres e a desconstrução do mito da maternidade
(Publicada na coluna da Marcia Tiburi na Revista Cult)
A maternidade é um mito que necessita de urgente desmontagem crítica. Eis a tarefa que a filosofia feminista deve colocar para si mesma hoje em contextos culturais que não promovem a liberdade de escolha das mulheres, pela qual, a propósito, apenas elas podem lutar.
Em tais contextos administrados pela ideologia masculinista, mulheres que abortam ou afirmam não querer ter filhos são vistas como anormais. Do mesmo modo, mães que não ajam segundo certo padrão de maternidade em que a dedicação total à criança é a lei, seja por cansaço ou falta de afinidade com o mundo dos cuidados, são vistas facilmente como perturbadas.
Pelo simples fato de desejarem carreira, diversão ou uma simples vida mais livre, muitas mulheres se sentem culpadas, ou desistem de um projeto profissional ou pessoal. Praticam a maternidade como a condenação heteroimposta.
Certo é que colocar pessoas em um mundo como o nosso não é uma tarefa para quem não esteja muito bem preparado, mas raramente se pergunta a uma mulher se ela está, pois que não se espera dela que não esteja. Há um dever imposto às mulheres, mas ele é mascarado pelo argumento do “desejo que toda mulher tem de ser mãe”. O termo “mulher” acaba por designar o ser do qual se pressupõe um desejo que será sempre o de ser mãe. O dever reza que seja hábil para a maternidade pelo simples fato de poder parir fisicamente crianças.
Na cultura masculinista, “mulher” não é um conceito, mas uma ideia formada de preconceitos. Isso quer dizer que se pressupõe um saber sobre o desejo (o que sente, pensa e quer) o ser heterodeterminado “mulher” antes que ele mesmo se pronuncie sobre algo como “seu próprio desejo”. Nesse sentido, a pergunta “o que quer uma mulher?” não ajuda a sair do mistificatório circuito masculinista que, ao tornar misterioso o desejo feminino, faz parecer que exista um desejo universal da “mulher” (ela mesma um universal), e não desejos individuais e singulares de cada pessoa humana.
No processo de mistificação, o sistema masculinista usa um padrão discursivo sempre fundado na ultrapassada ideia de natureza que aos poucos se torna clichê cansativo. Contra a pré-suposta “natureza da mulher” ou a suposta maior proximidade da “mulher” com a “natureza” coloca-se o homem como um ser de cultura e de racionalidade. A mulher fica com a “sensibilidade”, o instinto, a irracionalidade etc.
Não quero ser mãe
Uma mulher enunciar “não quero ser mãe” soa como algo absurdo à moralidade patriarcal desde que a maternidade é vista como função natural, não determinada culturalmente. Segundo o preconceito da “natureza”, uma mulher deve querer ter filhos e não deve pensar nem dizer que não quer. Por trás dessa ideia, vai o subtexto: “mulher” não deve ter opinião, muito menos desconstruir opiniões vigentes. Pois uma mulher que fale negando a natureza, sobretudo da sacrossanta “maternidade”, nega duplamente o estigma dado pelo masculinismo: além de expressar-se, o faz dizendo que não quer ser mãe quando se esperaria dela o contrário, que não se expressasse e se tornasse mãe.
A simples negação na segunda potência põe o discurso masculinista em xeque. A frase tem o poder de negar a marcação como mãe (lembremos que a mulher é sempre marcada: como bela, boa, gostosa; ou feia, frígida, mal-amada etc.) por meio da qual uma mulher se tornou escrava da cultura da qual ela não pode participar senão na condição que esta mesma cultura a prioridetermina para ela, manipulando sua consciência, seu corpo, sua ação.
Só que o masculinismo é uma retórica prepotente que manipula agilmente suas armas: a “mulher” que se pronuncie contra ele (e basta pronunciar-se) será marcada com heterodeterminações desabonatórias. A “mãe desnaturada” é como o escravo que ousa desobedecer ao patrão e não é interpretado senão como um fujão mal-agradecido.
A maternidade como imposição cultural é uma manipulação dos corpos femininos e, como tal, não é ética. É isso que está em jogo quando mulheres são tratadas como “meios” do projeto de vida de outros e não como um fim em si. Somente o autoenunciado do desejo feminino é capaz de libertar as mulheres. Ele é o ato feminista por excelência, a ação discursiva e performativa que faz do feminismo uma ética em que está em jogo a soberania do desejo feminino.
A soberania que apavora os moralistas quando se fala em aborto é a mesma que enerva o cafetão. A mãe desnaturada é o nome que o moralismo encontra para sustentar autoritariamente a suposta verdade sobre o desejo das mulheres. Na contramão, a pergunta “o que quer o homem com o desejo das mulheres?” talvez nos ajude a entender melhor os subterrâneos de nossa cultura.

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