Doando poder


por Roberta Gregoli
As mulheres representam metade da população mundial,
trabalham 2/3 das horas trabalhadas no mundo,
recebem 10% da renda mundial e são donas de
menos de 1% das propriedades do mundo
Bora lá discutir mais um tópico polêmico!

Estou montando uma rede de mulheres como parte da associação de ex-alunxs do meu mestrado e esta semana, ao organizar as eleições para os cargos da diretiva, esbarramos numa questão crucial: se sexo seria um critério de candidatura. Para mim, é claro que sim: homens são bem-vindos para se associarem à rede, mas os cargos de chefia ficam reservados às mulheres. Ao contrário do que algumas disseram, não se trata de discriminação nem exclusão.

Um dos argumentos contra foi que o importante é ter uma pessoa qualificada, independente de ser homem ou mulher... Ora, mesmo no caso hipotético de recebermos uma candidatura de um homem mais qualificado, como ele poderá representar as mulheres em nossas necessidades e desafios específicos? E se uma associação voluntária sem fins lucrativos não é o espaço para as mulheres desenvolverem suas habilidades e enriquecerem seu currículo, então onde será? Se um dos principais propósitos da rede é dar apoio às mulheres para ocuparem mais cargos liderança, que irônico seria se a diretiva fosse composta majoritariamente por homens?

É improvável que isso aconteça -- mas porque os homens não terão interesse em se candidatar, não porque as mulheres estão agarrando com unhas e dentes as oportunidades de se colocarem no poder e garantindo o direito de suas companheiras de ocuparem esse espaço.

O fato curioso é que, mesmo antes deste incidente, nas duas reuniões que tivemos, pessoas diferentes levantaram a questão de como envolver os homens na discussão. Logo ficou claro para mim que estávamos gastando um tempo desproporcional discutindo o papel dos homens numa rede de mulheres. Fiquei pensando se o contrário seria verdadeiro num mundo em que influência e poder estão concentrados nas mãos de uma parcela tão restrita da população. Há alguns anos, eu era presidente de uma organização voluntária coordenando, por coincidência, uma equipe só de mulheres. Mais de uma vez ouvi das colaboradoras que devíamos tentar atrair mais homens para a diretiva. O principal argumento era que precisávamos de diversidade, afinal, o mundo é muito diversificado. O mundo sim, as esferas de poder não, basta ver a figura no começo do post.

Mas voltando ao caso da rede de mulheres, por que tanta preocupação em se certificar de que os homens terão espaço? Na associação, a diretiva é 86% masculina (apenas 1 cargo em 7 é ocupado por uma mulher) e nenhum homem mostrou interesse em participar da rede. Não parece sensato esperarmos que algum homem queira participar para daí considerarmos a possibilidade? Pelo menos o contrário sempre foi verdadeiro: se não fossem as mulheres reivindicarem o direito ao voto, o direito ao divórcio, a lei Maria da Penha, nada teria caído de mãos beijadas pela benevolência alheia.

Eu não as culpo, pois acho que há dois fatores difíceis de se livrar: o primeiro é a introjeção da opressão. Qualquer coisa que se pareça minimamente com o feminismo ameaça e incomoda e costuma ser ridicularizado e rechaçado, por isso muitas mulheres não querem ser vistas como "muito feministas", para usar a expressão de uma delas. Houve até papos de que uma rede de mulheres "não seria levada a sério". Acho que só essas duas colocações já deixam claro a necessidade da iniciativa. O segundo fator é o patriarcado em si, que nos condiciona social e culturalmente a nos pensarmos em relação aos homens, sempre -- mas deixemos este assunto para um texto futuro. 

Cotas e iniciativas como a rede de mulheres não tem a ver com exclusão, ressentimento ou ódio aos homens. O propósito não é colocar as mulheres contra os homens, mas sim oferecer espaços positivos de interação e oportunidades de liderança, que infelizmente ainda faltam às mulheres no "mundão", como diz a querida Sandra Seabra Moreira.

Mas enquanto nós, mulheres, negarmos a nós mesmas esse direito, o direito ao poder, e não nos posicionarmos claramente em defesa de mais oportunidades para nós mesmas e nossas companheiras, enquanto continuarmos a abrir mão do poder, introjetando a opressão a que somos sujeitas, nós, feministas, teremos que continuar incomodando.

7 comentários:

  1. pra mim deveria existir cotas de genero que garantam a equidade representativa para todo e qualquer cargo/posto de coordenacao/ chefia/ presidencia /etc.
    pra gente nao ter mais que se esforçar, se matar, ser 10 x melhor que um homem pra ter o mesmo valor que ele.
    quando chegar o dia que tenhamos as mesmas oportunidades que eles, nao vai precisar mais disso... mas so quando mérito for de fato equivalente entre os generos.

    ResponderExcluir
  2. Samdra Seabra Moreira14/07/2012, 00:09

    Querida Roberta!

    É isso. Se nesse mundão houvesse mais mulheres com poder decisório, eu tenho certeza, ele seria melhor. E também nunca vi uma associação de homens com mulheres decidindo. O que conheço são associações como o Rotary, por exemplo, que os homens decidem tudo, porque as mulheres são PROIBIDAS de participar oficialmente - pelo menos era assim um tempo atrás. Uma vez questionei rotaryanos a respeito. Ouvi que elas sempre ajudam nas reuniões, levando lanches, por exemplo. E que os homens ouviam os conselhos de suas mulheres antes de tomar decisões!...!...! Ai, ai, ai.

    ResponderExcluir
  3. Eu fui lendo o texto e suspirando. Poxa vida, dá um desânimo. Pra mim não deveria ter homem decidindo de jeito nenhum numa associação de mulheres. Seria um absurdo! Seja mais dura com suas colegas, elas estão cegas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É preciso muita paciência mesmo, Priscila. O que mais me impressiona é que, apesar de não serem necessariamente feministas, essas são pessoas interessadas em fazer parte de uma associação de mulheres. Imagine o resto...

      Excluir
  4. Querida Sandra, quando é o contrário ninguém reclama, né?

    Priscila, que ótimo encontrar mentes que pensam parecido. Só assim o desânimo passa!

    ResponderExcluir
  5. Oi Roberta, sei que meu comentário vem tarde, mas apenas para conferir apoio jurídico à sua tese, completamente apropriada, em minha opinião: no Brasil, residem muitos estrangeiros, que até votam (exercem direitos políticos), mas veja, quem pode exercer os mais altos cargos de "comando", apenas os brasileiros natos, (art. 12 § 3º, CF), porque é a única garantia de que jamais alguém se valerá destes altos cargos para usá-los em detrimento de nossa "soberania", dos interesses do povo brasileiro (vamos ser honestas, uma garantia formal né, quisera as coisas fossem assim), de todo modo seu argumento é perfeito, somente nós mulheres somos legítimas a exercermos a liderança de um órgão criado no interesse feminino, é um paralelo do Estado de Direito Constitucional Democrático: é claro que é muito válido que os homens participem, mas essencial que não mandem, assim como não podemos permitir que o Obama seja nosso Presidente...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Maria C.! Quanto mais argumentos, melhor. Este é um assunto super explosivo. Valeu!

      Excluir