Você não está sendo oprimido...


por Roberta Gregoli


No meu texto anterior, defendi a reserva de cargos de chefia para mulheres numa organização sem fins lucrativos. Como sou feminista e não me calo nunca, tenho várias anedotas no mesmo estilo para contar.

Quando assumi a presidência do corpo de pós-graduandos do meu colégio em Oxford, organizei um jantar para promover integração e networking entre mulheres. Foi um escarcéu. Me confrontaram dizendo que aquilo era ilegal, que era discriminação contra os homens. Eu fiquei com dó, porque claro, quem aguenta tamanha opressão? Não poder participar de um jantar! É muito traumático mesmo. O mais irônico é que mulheres só foram aceitas em todos os colégios de Oxford no final da década de 1970, ou seja, jantares exclusivos para homens foram a regra por mais de 700 anos.

Orgulho branco, orgulho hetero e orgulho mimimi
Ao montar a rede de mulheres na associação de ex-alunos que faço parte, recebi um email de um homem, num tom meio de brincadeira, meio irônico, dizendo que ele sempre se perguntou por que, já que existia a rede de mulheres, não havia na associação uma rede de homens. Eu respondi que, provavelmente, porque a sociedade já era a rede das homens.

Proibida a entrada de meninas
No mundo todo, em todas as esferas de poder, a igualdade de gênero ainda é um ideal longe da realidade - e aqui falo sem exagero, já que mesmo os países mais evoluídos nesse quesito estão longe dos 50% de mulheres na política, educação (nos cargos mais altos das universidade, ainda que as mulheres tendam a ser mais escolarizadas), cargos gerenciais e de direção. Por que, então, ter uma equipe só de mulheres significa ser excludente e reacionári@ enquanto, no mundo todo, o clube do Bolinha está longe de ter terminado?

Na Inglaterra isso é tão óbvio que dá gosto citar. O ministério inglês tem mais ex-alunos de um único colégio de Oxford - e olha que existem mais de 30 colégios em Oxford - do que mulheres. Sem brincadeira. Basta olhar para o David Cameron, Nick Clegg, Gordon Brown & Co. para ver que, liberal ou conservador, política na Inglaterra é um jogo exclusivo, não somente de pessoas do mesmo sexo, como também com atributos tão específicos (branco, heterossexual, de elite) que acabam se tornando fisicamente parecidas.

Separados no nascimento: Nick Clegg e David Cameron
Na Inglaterra, esquerda e direita têm literalmente a mesma cara
Eu sou a favor de ações positivas como forma de reparação. Você não está excluindo o grupo dominante porque, por definição, o grupo dominante não é excluído. Dominante e oprimido é paradoxo, sacou?


A dificuldade com qualquer tipo de cota ou reserva de vaga é que você está abertamente negando privilégios e dizendo "não" para o grupo pessoas que se acostumaram a ter esse privilégio como dado, como natural e normal. Negar os direitos das minorias é fácil porque há uma série de discursos médicos, legais, culturais e sociais, já incorporados no senso comum, para apoiar essa exclusão.

Falar "não" para a maioria é difícil (e, num nível pessoal, desgastante) porque vai contra uma corrente poderosa e devastadora de preconceitos, medos e perversidades e, mesmo com muita estatística e boa vontade, é difícil desfazer esses discursos pois a dominação, principalmente a de gênero, está profundamente arraigada -- afinal gênero é o marco zero de todas as sociedades ocidentais.*

* Foster, William David. Gender and Society in Contemporary Brazilian Cinema. Austin: University of Texas Press, 1999, p. 8.

5 comentários:

  1. Muito bom a postagem, Roberta.

    Acho que existem vários tipos de pessoas que perpetuam preconceitos e estereótipos raciais, de gênero e por aí vai.

    Tem gente boa nesse meio, que infelizmente não parou pra analisar a situação direito, mas que, com alguma leitura, e alguma discussão, consegue transpor os muros de seus próprios interesses e idéias e entender e respeitar o outro, de forma completa.

    Por isso que blogues como esse são importantes, por tratar questões que - mesmo bem conhecidas em meios militantes - parecem ser tabus no nosso mundo real.

    E, claro, tem a galera que tem convicção absoluta de seu preconceito e não quer abrir mão dele. Pra essas pessoas só funciona o conflito, a discussão e a briga. Eu mesmo deleto um tanto de gente conservadora do facebook, pq as vezes discutir com gente fechada dá uma preguiça danada.

    Mais uma vez, parabéns pelo blog.

    ResponderExcluir
  2. Ha, eu também deleto gente que fica postando mensagens preconceituosas, afinal, pra que passar nervoso à toa, né?

    Obrigada pelo apoio, Bill, e continue passando aqui! Vire e mexe eu acesso o Mulheres que Honram o Rolê, que é uma delícia. Parabéns!

    ResponderExcluir
  3. Não pode participar de um jantar, não pode fazer xixi sentado, ai ai, que dó, que dó, que dó! - Adorei o post, Rubeata! ;)

    ResponderExcluir
  4. Aliás, de pé, não pode fazer xixi de pé. ;)

    ResponderExcluir
  5. Valeu, Mazu! Aguardo o seu na próxima semana! Beijos

    ResponderExcluir