A Islândia e a crise: a hora das mulheres?


por Barbara Falleiros
 
Quando li, aos 10 anos, a Viagem ao centro da Terra de Júlio Verne, a Islândia tornou-se para mim a terra misteriosa por excelência. Eu a imaginava toda envolta em brumas e fumaça de vulcão. E quando, anos mais tarde, conheci uma garota islandesa de nome impronunciável, grande, forte e loira, com o cabelo dividido em duas tranças - como se tivesse desembarcado momentos antes de um barco viking - esta imagem só foi reforçada.

Minha Islândia imaginária

Senhoras protestam contra a crise econômica

Mais recentemente descobri uma outra Islândia, ancorada na realidade, cuja população soube reagir aos efeitos da crise de 2008, recusando o pagamento da dívida, provocando a prisão de banqueiros, a queda do governo e a redação de uma nova constituição. Os mais entusiastas lembraram que o país teve a primeira democracia do mundo, com o Estado Livre da Islândia (de 930 à 1262) - mas tenho uma leve desconfiança em relação ao anacronismo do conceito... Seja como for, o país é atualmente o segundo no índice de democracia, pouco atrás da Noruega.

Curiosamente, foi numa dessas revistas femininas de cabelereiro - que, na França, vez ou outra se esforçam para discutir problemáticas feministas (e então colocam lado a lado as seções "Emagrecimento" e "A palavra às mulheres") - que li sobre Thóra Arnórsdóttir, candidata às eleições presidenciais na Islândia. Atenção spoiler! As eleições já passaram (30 de junho) e o presidente em exercício foi reeleito para seu quinto mandato.

Mas na imprensa francesa só dava ela!

Carla grávida, Sarkozy e Berlusconi 
Fiquei pensando no contraste. De um lado, na França, tivemos Carla Bruni, já famosa antes de se tornar primeira-dama. Famosa pela sua música, mas também pelo seu corpo e pela lista dos homens com quem se relacionou. Ela passou da esquerda para a direita, deixou a carreira de cantora em ponto morto durante o mandato do marido e, grávida, refugiou-se numa discrição altamente calculada. Do outro lado, Thóra, candidata também famosa em seu país (jornalista televisiva), carismática, inteligente. Lançou sua campanha à presidência já quase prestes a dar a luz, e logo voltou, com um bebê de 15 dias no carrinho ou no colo do marido. Marido este que, diga-se de passagem, cuida dos seis filhos do casal... Em uma matéria sobre a candidata, a revista feminina do jornal francês conservador Le Figaro apostou - o que não nos surpreende - no estereótipo maternal, com o título Thóra, mãe da Islândia, insistindo portanto nesta que se acredita ser a função primordial e inalienável da mulher (parece-me que este estereótipo também foi usado no período da campanha da Dilma, não é?).

 
Thóra durante a campanha, em sua casa, com o marido e o bebê recém-nascido
Mas se a imagem de Thóra encantou sobretudo os meios menos conservadores, é porque esta, ao conciliar um número importante de papéis, parecia encarnar com perfeição um ideal de mulher moderna: mãe, mas com uma carreira sólida, bonita, ativa e inteligente, simples, forte, com opiniões próprias...

Assim como a Islândia enevoada da minha infância, a figura de Thóra revestiu-se de uma fina camada de idealização. Mas para além de Thóra, devemos lembrar que a Islândia foi o primeiro país do mundo a eleger uma mulher presidente da República: Vigdís Finnbogadóttir ocupou este cargo de 1980 à 1996, quando cedeu seu lugar ao atual presidente. Além disso, a Islândia possui atualmente a primeira chefe de governo declaradamente homossexual, a primeira-ministra Johanna Sigurdardóttir. Esta casou-se com sua companheira no primeiro dia de vigência da lei a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo - e, detalhe - lei que teve aprovação unânime no Parlamento. Desde março deste ano, Svana Helen Björnsdóttir preside a Federação das Empresas Islandesas e, last but not least, Agnes Sigurdardóttir tornou-se em abril a primeira bispa mulher da Igreja protestante do país.

A bispa Agnes Sigurdardóttir
A crise parece ter tido como consequência positiva a abertura de portas para mulheres em cargos importantes de comando. "É chegada a hora das mulheres!", teria dito a bispa. Esperamos que sim. E eu continuo a sonhar com esta pequena ilha longínqua.

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