Dividir para conquistar mulheres


por Tággidi Ribeiro





Sempre penso sobre a questão da 'conhecida' rivalidade feminina, que pode talvez ser descrita como a tendência das mulheres a brigar entre si, enquanto defendem os homens, nas mais variadas situações. Dizem que mulheres não podem ser amigas umas das outras, ou até podem, mas não da forma profunda e ao mesmo tempo tranquila com que homens são amigos uns dos outros. Se levarmos em consideração que tampouco mulheres e homens podem ser amigos - é o que reza o discurso comum -, chegamos à conclusão de que não há criatura mais desgraçadamente solitária que uma mulher. 

É triste perceber que, muitas vezes, mulheres são mesmo rivais e suas amizades se desfazem muito facilmente. E também que, por outro lado, homens mantenham suas amizades sob circunstâncias eticamente discutíveis. Digo isso só de observar, de ver como desde que era menina as intrigas se davam muito mais entre as meninas, ao passo que meninos brigavam e logo depois viravam melhores amigos de novo.

Nada de achar, contudo, que mulheres são naturalmente rivais. Se desde crianças criamos intrigas é porque imitamos o comportamento adulto (em casa e na tv) - é realmente muito difícil deixar o cerco da cultura. Se crescemos vendo nossas mães e tias falarem mal umas das outras, vamos falar mal umas das outras. Se aprendemos que devemos brigar para ter um homem, vamos fazê-lo. E se aprendemos que os grandes sofrimentos do mundo (fora perder um filho) são masculinos, não reconheceremos todas as nossas outras dores.

Mas o fato é que precisamos desaprender isso. E aprender a criar empatia pelas nossas iguais. Quer dizer, precisamos reconhecer o sofrimento feminino e nos solidarizar com ele. Por que será que é tão fácil, e aqui me refiro sobretudo às intelectuais, criar empatia pelos pobres, negros e homossexuais - cada grupo com sua história e lutas específicas - mas não pelas mulheres? Não teríamos nós também nossas lutas específicas? Entendendo o problema da opressão do pobre, não entendemos também o nosso? Entendendo o preconceito contra o negro, não entendemos também aquele que recai sobre nós? Deplorando a violência gratuita contra homossexuais, por que não choramos também as tantas violências que sofremos?

Em O Mercador de Veneza, de Shakespeare, o judeu Shylock, em sua fala mais conhecida e comentada, diz: "[Antonio] cobriu-me de desprezo (...), indispôs-me com meus amigos, excitou meus inimigos, e por que razão faria tudo isso? Por eu ser judeu. Então um judeu não tem olhos? Um judeu não tem mãos? Nem órgãos, nem proporções, nem sentidos, nem afeições, nem sentimentos? Não se nutre com os mesmos alimentos? Não é ferido com as mesmas armas? Não está sujeito às mesmas doenças? Não se cura com os mesmos remédios?" Essa fala não resgata Shylock na peça de Shakespeare - ele se mantém vilão - mas aponta a humanidade que lhe é negada. Penso que ela sirva para nós, mulheres, também nos dando dimensão da nossa humanidade. Temos órgãos, afeições e sentimentos. Nos ferimos com as mesmas armas e nos curamos com os mesmos remédios. E, sim, sofremos violências somente por sermos mulheres.

O que nos falta talvez seja não deixar que nos indisponham 'com nossos amigos' - com nós mesmas. Não deixar que a tática de 'dividir para conquistar' continue fazendo entre nós o estrago que tão comumente fez e faz entre os povos mundo afora. Nossa rivalidade não é inata, mas fomentada por quem ganha com ela. Quanto mais conversamos e compartilhamos informações sobre o que vivemos, mais nos identificamos, deixando de pôr na conta do indivíduo aquilo que é problema geral e específico que afeta nosso gênero. 

Se você é mulher e acha que vive muito bem, que não há pelo que lutar, que já 'conquistamos nosso espaço', que é só se 'portar' bem que nada acontece, tente se colocar no lugar de tantas outras mulheres que não vivem tão bem assim (mesmo que se comportem bem). Se você nunca (nunquinha) sofreu violência de gênero - estupro, abuso, assédio, constrangimento físico ou verbal, violência doméstica, preconceito na forma de dúvidas em relação a sua capacidade intelectual, emocional ou física etc. - saiba que é uma raríssima exceção que valida este e todos os blogs e coletivos feministas (todo o feminismo). Então, tente se colocar no lugar de todas essas outras mulheres - as que não são exceção. Ouça-as e as entenda. Reconheça-as.




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