Quem dá mais?

por Barbara Falleiros

Catarina Migliorini não é a primeira a tentar vender sua virgindade pela internet. Casos como o dela têm se tornado corriqueiros nos últimos anos (já se trocou a virgindade por um iPhone 4 e até por ingresso pro show do Justin Bieber)... Mas a história desta jovem catarinense tem uma particularidade: para promover seu leilão, ela teve de passar por uma seleção e todo o processo está sendo organizado e filmado por um documentarista australiano. Para evitar problemas legais, o ato será consumado (ou consumido) durante um voo da Austrália para os Estados Unidos. Beijos não estão no contrato. O produtor também escolheu um outro jovem virgem do sexo masculino (oh, belo exemplo de paridade!) e os lances podem ser dados pelo site Virgin's wanted.


Os argumentos de Catarina para participar do "projeto" são triviais: conhecer novos lugares, ganhar dinheiro para uso pessoal - e se sobrar, para alguma causa social -, continuar os estudos. Em 2008, uma estudante americana conhecida como Natalie Dylan, recém-graduada em Women's studies, associou-se a um famoso bordel de Nevada e colocou sua virgindade à venda com o objetivo de financiar sua pós-graduação. Diz-se que os lances ultrapassaram os 3 milhões de dólares. Diz-se também que tudo não passou de um embuste publicitário. Vai saber se não é também o caso de Catarina e deste "documentário"... Mas, na verdade, isso pouco importa aqui, o que me interessa são os discursos que se constróem a respeito da "transação". Na época em que se tornou famosa,  Natalie Dylan reivindicou-se feminista e afirmou, ao explicar suas escolhas:

"Quando aprendi isso, tornou-se evidente para mim que a virgindade idealizada é apenas uma ferramenta para manter as mulheres em seu lugar. Mas então percebi outra coisa: se a virgindade é considerada tão valiosa, o que me impede de beneficiar do que é meu? E o valor da minha castidade está num nível em que os homens não podem competir comigo. Decidi virar o jogo e transformar minha virgindade em algo que me permitisse ganhar, dos homens, poder e oportunidade. Tomei a antiga noção de que a virgindade de uma mulher não tem preço e usei-a como veículo do capitalismo. (...) Para mim, valorizar a virgindade como algo sagrado é simplesmente inconcebível. Mas valorizar a virgindade monetariamente,  eis uma concepção que eu poderia adotar. Eu não vejo a venda de sexo como algo errado ou imoral (...)" [desculpem-me pela tradução precária, aqui está o depoimento completo]

Mas fazer do corpo uma mercadoria e do ato sexual uma "prestação de serviços" pode conferir efetivamente algum poder às mulheres? Ao ser tomada como produto, objetificada, negociada, a mulher não continua ocupando uma posição de subjugação ao domínio sexual do homem? Reclamar o controle do próprio corpo e da própria sexualidade num contexto que reforça a ideologia patriarcal e suas relações de poder, não é continuar a gritar a liberdade de dentro de uma gaiola?

De acordo com Carole Pateman, em seu livro O Contrato sexual (1988),

"Quando os corpos das mulheres são vendidos como mercadorias no mercado capitalista, (...) a lei do direito sexual masculino é afirmada publicamente, e os homens ganham reconhecimento público como proprietários sexuais das mulheres, isto é o que há de errado com a prostituição."

Minhas perguntas acima não eram retóricas. Não sei mesmo o que pensar sobre isso... O problema da prostituição é de uma complexidade ímpar e suscita debates com uma infinidade de argumentos contrários, mesmo se falarmos apenas da chamada "prostituição de livre escolha" (que se opõe à "prostituição forçada"). Talvez possamos retomar essa questão em uma próxima ocasião. Por hoje, gostaria apenas de abrir o debate e comentar as regras do leilão que me chamaram a atenção, no tal site Virgin's wanted... Nas regras para os compradores, o vocabulário utilizado faz do ato em questão uma transação mercantil como qualquer outra: vende-se "a virgindade de um homem e de uma mulher" e objetiva-se "proporcionar uma experiência de compra agradável". Mas certas nuances mostram bem como funciona a objetificação de que falei acima. Rapidamente, percebe-se que não se trata de modo algum da contratação de um serviço sexual, mas da dominação e posse de uma pessoa: do direito à virgindade do vendedor ("to buy the right to the seller's virginity"), passa-se à compra da pessoa, d@ virgem ("purchasing the virgin"; "buy the virgin").

Uma última observação: alguém poderia contra-argumentar dizendo que não há aí qualquer problema de gênero, que homem e mulher estão em pé de igualdade, visto que os participantes são um garoto e uma garota. Mas a virgindade de um homem não se prova. E a de uma mulher, se tira. Vale notar, então, a enorme diferença na demanda. Quem são os compradores e que produto preferem? Até a noite de sábado, o jovem Alexander tinha recebido sete lances chegando a USD$ 1,300, sendo que quatro tinham sido feitos por homens (embora estes nem sejam elegíveis, visto que as regras definem claramente o ato sexual, neste caso, como a penetração do pênis na vagina). Os treze lances que recebeu Catarina, por outro lado, já alcançaram USD$ 160,000... Como negar, então, que o que motiva estes consumidores é a dominação machista?

De um produto a outro: a camiseta sai por 20 dólares


2 comentários:

  1. A pergunta que não me sai da cabeça é: que tipo de homem é esse que paga tanto pela virgindade de uma mulher? Em que tempo ele vive? O que ele pensa? A religião valora a virgindade mas condena a prostituição - esse homem não pode ser religioso, portanto (se for, é um hipócrita); derivada da religião, a ideia de que hoje as mulheres são muito fáceis também faz alguns homens se importarem com a virgindade. Mas se a questão é só dinheiro, essa mulher não pode(ria) ser a desejada por tais homens, que enxergam na liberdade sexual feminina algum tipo de degradação. Pode ser que homens que queiram afirmar o poder sobre o corpo feminino, ou que sustentam a tese de que mulheres gostam mais de sexo que de dinheiro, ou que todas são virtualmente prostitutas, sejam aqueles que procurem desvirginar 'a qualquer preço uma mulher' - não preciso dizer que são tipos doentes. Quanto à moça, o que me passa pela cabeça é que essa experiência pode traumatizá-la pro resto da vida (temo por ela, me compadeço dela, portanto) e que, para submeter-se a isso, deve haver nela já uma cisão, uma marca.

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  2. Tagg, esse homem vive, por exemplo, no Brasil contemporâneo, que mostra em horário nobre o (fictício) leilão da virgindade de uma moça num tom leve e alegre:

    http://tvg.globo.com/novelas/gabriela/Bastidores/noticia/2012/07/nova-beldade-do-batacla-raquel-villar-encara-nudez-em-cena-eu-acho-otimo.html

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