Veja que lixo

por Roberta Gregoli

Pura estupidez ou algo mais?
Eu tinha planejado continuar falando de humor, mas é claro que o texto homofóbico da Veja não poderia passar batido neste botequim.

O texto teve imensa repercussão nas redes sociais, gerando memes como a figura acima, a trend #vejaquelixo no Twitter, um protesto virtual no Facebook que já conta com mais de 4 mil participantes e até uma paródia envolvendo Hitler. Não vou falar sobre o texto em si porque acho que os principais problemas, inclusive os de ordem lógica, já foram muito bem abordados aquiaqui.

Faço minhas as palavras do deputado Jean Wyllis quando diz que "[o]s argumentos de Guzzo contra o casamento igualitário seriam uma confissão pública de estupidez se não fosse uma peça de má fé e desonestidade intelectual a serviço do reacionarismo da revista Veja". É esta desonestidade intelectual que me interessa, da qual o texto da Veja é sintoma e reforço. 

Primeiro porque o colunista que escreveu o texto não é um repórter pouco experiente e ingênuo, como pode a princípio parecer pelo tom retrógrado e desinformado de seu texto. Segundo a própria revista:
A história de José Roberto Guzzo, que assina suas colunas com as iniciais J.R., confunde-se com a de VEJA. De 1976 a 1991, por quinze anos, portanto, Guzzo foi diretor de redação da revista. Há seis meses ele voltou como colunista e agora, com sua análise rigorosa e fundamentalmente bem escrita, passa a revezar com Pompeu na última página [...].
Veja
, 05/08/2008 na edição 497

Para os que dizem que não devemos comentar para não dar mais visibilidade ao caso (isso quando não lançam mão de uma ideia distorcida de liberdade de expressão, que, em outro momento, eu chamei de liberdade de opressão), é bom explicitar a abrangência do artigo. A revista Veja é a mais lida do Brasil com uma tiragem de 1.203.766 exemplares, sendo 923.219 assinaturas. Não comentar, neste caso, é deixar que a posição da revista, que chega na casa de quase 1 milhão de pessoas semanalmente, passe como perspectiva única e inquestionável. Precisamos fazer muito, muito barulho.

E barulho virtual é barulho que se ouve. Para provar o papel das mídias alternativas definindo os rumos do Brasil, nada melhor do que o exemplo de José Serra. A compra do apoio, desvelado e sem apologias, da grande mídia não foi o suficiente para convencer os eleitores, e Serra terminou a eleição para a prefeitura de São Paulo tendo a si mesmo como pior adversário. Com um índice de rejeição de 30% em junho, o número chegou a 52% em final de outubro, tornando sua eleição matematicamente inviável, independente do adversário.

Serra da Veja
O papel das mídias alternativas foi fundamental neste processo, seja divulgando a publicação do livro A Privataria Tucana, totalmente boicotado pela grande mídia, seja mostrando, através do uso do humor, Serra sob uma luz menos amistosa:

Serra das redes sociais
#Serraloko
É normal e mesmo positivo que existam canais de tendência conservadora, afinal, vozes plurais são necessárias numa democracia. O problema é que na mídia tradicional brasileira o espaço é desproporcionalmente ocupado para uma única voz. Veja, por exemplo, este 'debate'. Os 'debatedores' incluem o próprio J. R. Guzzo e Reinaldo Azevedo, o mesmo que defende, em seu blog ("um dos mais acessados do Brasil"), o pastor Silas Malafaia com títulos tragicômicos como "O combate à homofobia não pode ser 'catolicofóbico', 'evangelicofóbico', 'diferentofóbico'. Ou: Movimento gay quer passar de beneficiário da liberdade de expressão à condição de censor?".

Coloco a palavra debate entre aspas porque, como não há pessoas com opiniões divergentes, ela não se aplica. Mesmo fisicamente, os 3 'debatedores' e o moderador se assemelham: são todos homens, brancos, de meia-idade para cima. Em vez de 'debate' deveriam usar 'bate papo' ou 'troca de figurinhas'.

Veja redefinindo a palavra 'debate', que passa a
significar 'tapinhas nas costas entre compadres'
Eu já defendi em outra ocasião que esse discurso perversamente distorcido, imposto com uma linguagem agressiva, e, em última instância, ignorante, como o exemplificado pela Veja são legados da ditadura militar brasileira, pois se trata de um discurso de legitimação de uma tradição que tem na sua base a quebra dos direitos humanos.
Se o paralelo parece tênue, basta acessar o acervo da revista para achar a capa de 13/08/1969 (ao lado). A revista rotula de terroristas os grupos de oposição à ditadura militar. Os ataques ferozes e por vezes infundados a figuras como Lula da Silva e Dilma Rousseff são, então, muito mais que incidentes isolados, efeitos de uma tendência política histórica.

Como o texto de Guzzo muito bem ilustra, essa tendência é violentamente reacionária e se sustenta mantendo os leitores da revista ignorantes (já que muitas vezes as reportagens se baseiam no senso comum e não trazem nenhum indício de opiniões diversas) e preconceituosos (já que legitimam discursos de ódio). Trata-se de uma mídia sustentada, enfim, pela desinformação.

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