A sobriedade subversiva da jovem Chanel

por Barbara Falleiros

Hoje o blog está um luxo! Seguindo os conselhos das nossas leitoras superdotadas e os passos da Tággidi e da Mazu, que ressaltaram a importância de se reconhecer às mulheres seu papel na História e nas artes, hoje vamos falar de... moda! É isso mesmo. O universo hostil da feminista caminhoneira peluda ficou para trás. Subvertidas, vistam seus Louboutins na nossa marcha contra as discriminações! E de quem mais poderíamos falar senão da embaixadora da elegância parisiense, Coco Chanel?

A besta
Bem, na verdade, há quase 30 anos o nome por trás da marca é o de Karl Lagerfeld que, agora falando sério, é uma besta. Suas declarações são sempre "polêmicas", isto é, preconceituosas, machistas, gordofóbicas. Primeiro disse que a Adele era gorda demais, depois encheu-a de presentes para se desculpar; afirmou ser contra o casamento gay e a adoção, porque lésbicas com crianças até vai, mas não tem muita fé na relação entre homens e filhos; disse que a "anorexia não tem nada a ver com a moda e sim com pessoas com problemas familiares"; que na França o problema mesmo é a obesidade, já que só há "1% de meninas anoréxicas contra 30% de mulheres acima do peso"; por fim, disse que Coco Chanel não era feminista porque nunca fora feia o suficiente para isso. Quanto senso de humor! [Not]. E você tinha a ilusão de que não existiam homossexuais machistas?

Se Coco Chanel se achava feia ou não, eu não sei. Sei que jamais se considerou feminista, e que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Chanel preferia a feminilidade, como se estes também fossem termos excludentes, ideia errônea que persiste ainda hoje. No entanto, Chanel é um belo exemplo de como as mudanças sociais acontecem aos tropeços, entre avanços e retrocessos, muitas vezes sem que seus atores tenham plena consciência de seu papel. Pois aquela que até o fim da vida foi chamada de Mademoiselle Chanel (senhorita), aquela que, como mulher, não obteve a legitimidade social por meio do casamento, sempre aspirou à liberdade e à independência. Suas criações refletiram estes anseios, com a aparição de silhuetas andróginas, magras, de uma estética esportiva, masculino-feminina.

O preto, cor do luto, atingiu com ela o ápice do chique. Chanel buscou a sobriedade dos hábitos das freiras, as linhas harmoniosas da abadia cisterciense onde passou sua infância, no orfanato.

A moda antes de Chanel: as "anquinhas"de 1880
"Mangas bufantes, rendas, bordados, frufrus, chapéus carregados como cestas de frutas: antes de Chanel, a moda arreia, deforma, comprime, ignora o movimento e a meteorologia.  Além de seus chapéus de linhas sóbrias, Chanel impôs à moda uma sobriedade inspirada nas vestimentas masculinas, de um rigor quase militar. O século XIX e seus exageros vestimentários herdados do Segundo Império foram mortos e enterrados por uma certa Chanel. Esta já desenhava a moda que seria necessária ao mundo e à classe dominante, então prestes a renunciar à ostentação, num país em plena guerra [Primeira Guerra Mundial]. Gabrielle Chanel inventou um conforto que anunciava a mulher moderna, em movimento, esportiva, livre. " (fonte)

Chanel encurtou as saias até o joelho, eliminou o espartilho, a cintura marcada. Nos anos vinte, foi uma das primeiras a usar cabelo curto.  Ela buscou no vestuário masculino as calças, que a lei francesa - desde 1799 e até hoje!! - proíbe as mulheres de vestirem. Ao longo de sua carreira, em um período que conheceu duas Grandes Guerras e duas reconstruções, ela introduziu o jersey, o tweed, os botões de uniforme, os cardigãs, as bijuterias.

"Devolvi ao corpo das mulheres sua liberdade; este corpo suava debaixo de 'roupas de parada' (desfile), de rendas, espartilhos, roupas de baixo, forros"

Contudo, no final da sua vida, Chanel reagiu de forma conservadora face à uma sociedade na qual já não se encaixava. Na sua famosa entrevista de 1969, começa contando uma cena que presenciara há alguns dias, na rua, entre um homem e uma mulher. O contexto não é claro, mas ela diz: "Pensei comigo: 'Se ela não se calar vai receber um bom tapa'. E ela o levou!"; "Mas ela mereceu".

Chanel jovem: de calças e blusa marinheiro
Pouco mais adiante, faz duras críticas às calças, que ela mesma introduzira na moda! 

Posso conceber perfeitamente que se use calças no campo, é o que há de mais útil, não passamos frio (...). Para começar, fui eu quem as inventei há quase vinte anos. Eu as inventei por pudor, porque na minha opinião andar por aí de roupa de banho é o equivalente a estar nua. Então, quando nós tomamos banho de mar e queremos continuar na praia, não é difícil vestir uma calça; uma saia não fica bonito, um roupão é horrendo, em conclusão, uma calça é ótimo. Mas entre isso e fazer disso uma moda... O fato de haver 70% das senhoras de calças em um jantar é muito triste. Calças ficam bem em pessoas muito jovens, mas em mulheres de uma certa idade, é como se tentassem rejuvenescer. E eu não conheço nada mais envelhecedor do que tentar rejuvenescer. Acho a coisa mais besta que pode acontecer com uma mulher. Dizer 'Se eu colocar uma calça parecerei mais jovem do que com uma saia' é de uma idiotice tremenda! Enfim, esta é uma época estranha... As mulheres parecem que estão se transformando, não sei, em outro sexo. Mas não sei como isso pode acontecer, porque colocar uma calça não muda seu rosto... (...) Eles [outros estilistas] fazem calças, eu tive que fazer calças, ninguém gosta mais de saias, gostam de calças...
Tive de brigar durante dois anos com todos os estilistas por causa desses vestidos curtos. Eu os acho indecentes! Eu não sou desta época, sabe? Para mostrar seus joelhos é preciso que eles sejam muito bonitos. É uma articulação. É como se ficássemos mostrando assim o cotovelo pra frente. É horrível! (...) E eu acho que quando a gente mostra tudo, depois não se tem mais vontade de nada...
Surpreendentemente moderna nos anos vinte, de um feminismo prático, ativo, a velha Chanel, embora lúcida na sua crítica à "eterna juventude" feminina, perde-se em declarações machistas, conservadoras. A dualidade de sua personalidade parece refletir sua marca: dois Cs entrelaçados, um virado para o futuro, outro olhando para o passado. Preto e branco. Já com mais de 80 anos e um tanto amargurada, Chanel se vê presa a um tempo intermediário e parece preferir aquelas mulheres contidas da década de cinquenta... Mas o caminho que antes ajudara a trilhar conduzira muito além. Para Chanel, era demais. O tempo agora era o do amor livre, das flores nos cabelos, das minissaias e dos jeans boca-de-sino. Da deselegância livre, fluida e colorida.


Um comentário:

  1. Adorei, Bá. Mas vou continuar com minhas botinhas feministas ;)

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