A vingança de Quentin Tarantino

por Tággidi Ribeiro




Assisti a Django Livre (Django Unchained, EUA, 2012), de Quentin Tarantino. Pensei um monte de coisas - durante e depois do filme -, então esse texto é uma tentativa de organizar tudo o que me passou pela cabeça. Como não sou crítica de cinema - apenas amo cinema - peço que me perdoem de antemão o vocabulário não especializado que vou usar. (Ah, se você não viu o filme, não leia esse texto.)

Eu adorei o filme por muitas razões. Em primeiro lugar, sempre gostei da violência dos filmes do Tarantino, muitas vezes trágica, mas quase sempre cômica e por isso palatável. Em Django, essas duas facetas se concertam muito bem, e podemos deplorar a cena em que um escravo é devorado por cães, ou a cena em que uma escrava fugida (Brunhilde, papel de Kerry Washington) é tirada do 'forno' usado para seu castigo e ainda a luta de mandingos. Por outro lado, nos diverte - sim, diverte - a cena em que o próprio Tarantino explode(!), a morte do xerife, a cena da emboscada em que morrem dezenas de homens brancos que querem matar Django (Jamie Foxx) e seu amigo Schultz (Christoph Waltz) e na qual Tarantino tira um sarro homérico da KKK (que ainda estava em formação, diga-se).

O filme opera com a dicotomia opressor/oprimido e não tem muitos escrúpulos ao simplesmente eliminar quem oprime - os escravocratas do sul dos Estados Unidos, caricatos em sua maldade. Obviamente, quem se identifica com o negro oprimido comemora e se sente vingado. Então, só me resta dizer que Django é pura catarse.

...E o Vento Levou
Acho que Tarantino se tornou um especialista nesse movimento catártico: em Bastardos Inglórios (2009), comemoramos um cinema inteiro explodindo e matando nazistas, inclusive Hitler; em À Prova de Morte (2007), comemoramos a caça a um psicopata misógino que mata mulheres por diversão - atenção, são mulheres, só mulheres, que o caçam. E tem Kill Bill, também, né? As escolhas de Tarantino são conscientes e vemos a tela do cinema transformar-se no lugar desses grupos historicamente... f*didos: mulheres, judeus e negros, enquanto a arte se coloca classicamente à disposição, talvez não da ideologia, mas da ideia, da moral (de uma moral). Tarantino trabalha com uma ética da vingança muito clara: é lícito matar quem seja, a qualquer momento e de qualquer maneira, desde que seja o inimigo. Não há misericórdia. E nós, em frente à tela, pensamos: "Mas também pudera! Olha o que o inimigo (branco escravista, nazista, misógino) fez!" Assim, lavamos a alma...

A um Passo da Eternidade
Casablanca
Claro que incomoda o fato de que Schultz, o branco parceiro, tenha mais consciência e sentimento de revolta que Django, o negro protagonista (pra haver mudança é preciso dissidência?). E incomoda também o fato de que o grande vilão, o mais detestável do filme, seja negro: Stephen (Samuel L. Jackson), um escravo doméstico (pra haver manutenção é preciso haver anuência?). Incomoda ainda o fato de que as mulheres sejam praticamente anuladas no filme. Mas, quer saber, dou um mega desconto! Tarantino está há quase duas décadas fazendo filmes com personagens femininas que fogem de estereótipos e dando destaque a atores negros - temos uma mulher negra protagonista em Jackie Brown (1997). Em Bastardos Inglórios vemos um negro e uma branca fazendo par amoroso - é quase impossível assistir a isso na grande tela...

Pergunto: quantas vezes assistimos a um herói negro montado em um cavalo branco resgatando sua donzela? Quantas vezes vimos a clássica cena do beijo ter dois protagonistas negros?

Django Livre




E não foi só a questão ideológica que me pegou em Django Livre (aliás, se houvesse ideologia sem qualidade, eu falaria mal). Gosto das atuações do principal quarteto masculino do filme: Jamie Foxx como Django - ele tem força e melancolia no olhar, o que eu acho fascinante e necessário pra quem tem as costas marcadas pelo chicote e busca a amada; de Christoph Waltz, como o caçador de recompensas libertário e cínico, o alemão Schultz - Christoph já havia 'quebrado tudo' como o coronel Hans Landa, em Bastardos; a atuação de Leonardo DiCaprio é excelente, como o malvado Calvin Candie; e Samuel L. Jackson deveria estar concorrendo ao Oscar, pelamor.

A trilha sonora é ótima. Tarantino sempre cuida muito bem disso. E faz TODO SENTIDO usar rap em algumas cenas de tensão. É como se a existência desse gênero musical se justificasse, sabe? Sem querer ser determinista, mas já sendo: como se somente os negros, tendo vivido a escravidão por tantos séculos, soubessem o que é o peso do mundo.

E pra quem acha que o filme está mal editado ou mal cortado, nas cenas grotescas eu me lembrei direitinho dos filmes de faroeste e dei muita risada. Não é isso o que o Tarantino faz: homenagear o cinema? Mesmo na cena em que Lara Candie, morre, não há erro ou gratuidade: conta-se (não achei a referência, ainda!) que, ao saber que as pessoas ao serem alvejadas não morriam dramaticamente, caindo devagarziiiinho, como em geral acontecia nos westerns, Sérgio Leone (se não me engano) chegou a usar cordas para puxar seus atores no momento em que levassem o tiro, o que criou o mesmo efeito exagerado e obviamente cômico da morte da irmã de Calvin Candie.

Enfim, eu chorei, sorri e saí feliz do cinema, pensando todas essas e mais um monte de coisas. E vocês?




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