Diga-me, como é ser homem?

por Thaís Bueno 


Você também acredita que o "normal" existe?


Eu gostaria de começar este post com uma pergunta: você se lembra de qual foi a última notícia que leu sobre casos de sexismo, racismo ou homofobia? Lembra-se de quando isso ocorreu e de qual foi o desfecho da história? 

Todxs nós sabemos que episódios vergonhosos de desrespeito à dignidade de grupos sociais minoritários acontecem frequentemente, tanto no Brasil quanto em outros países, e pipocam na mídia a todo o momento. Quase todos os dias ficamos sabendo de algum crime relacionado a homofobia, racismo, desrespeito aos direitos das mulheres... E também não é raro emergir, em certos momentos, ondas de discursos de ódio contra homossexuais, negros, mulheres e outras categorias sociais minoritárias, principalmente nas redes sociais, ambiente onde muita gente acha que tem liberdade total para escrever o que pensa.


Redes sociais: revelando preconceitos since 1997


Pois bem. Nesse cenário todo, o que me surpreende é que, mesmo em uma época na qual essas questões sociais são frequentemente debatidas, tais crimes ainda ocorram. Fala-se muito sobre o feminismo, sobre questões de gênero, raça, etnia, homossexualidade. Acompanhamos, também na mídia, debates, análises, considerações – e muitas delas realmente críticas e bem intencionadas – em defesa dos grupos minoritários. As informações estão aí, para qualquer um que queira se instruir, e já ficou mais do que claro que posturas preconceituosas e discursos de ódio têm sido cada vez menos tolerados. Ainda assim, essas posturas continuam aparecendo e os discursos continuam sendo feitos. Por quê?

É óbvio que, se determinado tipo de crime ou abuso está sendo noticiado e discutido, isso é algo bom. É sinal de que estamos numa sociedade democrática (embora eu ache que, às vezes, esse “democrática” precisa de algumas aspas), e que os crimes e abusos estão aparecendo – diferentemente de algumas décadas atrás, quando sexismo, racismo e homofobia aconteciam de forma mais velada e aceita. No entanto, suspeito que há, ainda, um pequeno fator no meio disso tudo ao qual a gente não dá atenção: em muitos casos, essas minorias são tratadas como problema. 




Um exemplo disso é o discurso segundo o qual o feminismo veio para solucionar "problemas" das mulheres. E isso é um sinal de algo ainda mais preocupante: a categoria "homem" raramente é questionada ou debatida. Quantas vezes você já viu alguém perguntar como é ser homem na sociedade brasileira? Obviamente, o status da mulher e a forma como ela é tratada no nosso país é algo frequentemente debatido, assim como ocorre com negros e homossexuais. Questionamentos sobre como “como é ser negro em uma sociedade racista” ou “como é ser homossexual em uma sociedade homofóbica” são bastante comuns. Mas, curiosamente, nunca vi alguém perguntar coisas do tipo “como é para você ser branco?” ou “como você se sente sendo heterossexual?”. E então, como é ser homem?

Pensando nessas questões, acredito que, muitas vezes, a forma como a mídia e nós mesmxs tratamos essas questões de ordem social e política acaba por fossilizar os grupos minoritários como se eles fossem espécies em análise, em algum laboratório, esperando pelas considerações de um pesquisador. E, no caso do feminismo, mesmo com a intenção de defendê-lo, acabamos tratando-o o como aquilo que precisa ser debatido, analisado, discutido. Ora, mulheres, gays e negros não são problemas, gente, e não devem ser pensados assim. Da mesma forma, as categorias “homem”, “branco” e “heterossexual” também não são rótulos neutros e podem (e devem) ser questionados e debatidos.

Se o status de certas categorias de identidade não é questionado ou debatido, isso acontece por uma razão muito simples: essas categorias são hegemônicas e construídas por mecanismos ideológicos há séculos. Cabe a nós, portanto, questionar esses mecanismos. Eles é que merecem nossa atenção e nossa análise. Esses processos é que precisam ser solucionados.

"Ninguém nasce mulher"... E ninguém nasce homem tampouco



Um comentário:

  1. Impressionante o texto. Estamos tão acostumados a falar e pensar em "nome" das "minorias" que esquecemos que numa sociedade plural é preciso somar as frações e dar voz a todos. Vou dizer algo que não é agradável, mas parece tão "mais legítimo" defender os direitos dos negros e dos índios, e das pequenas propriedades rurais, do cultivo familiar; mas existe uma realidade muito comum em minha região (região centro-sul do Paraná), a de crianças loiras de olhos azuis, que moram em colônias, que não frequenta a escola, pois colhem fumo em pequenas propriedades familiares, e têm fortes intoxicações porque além do pesado trabalho infantil têm contato com a planta tóxica. Por isso a democracia é difícil, por isso é árduo o debate, pois é extremamente simplista reduzir o discurso à defesa de uma vítima eterna. O contrabalanceamento é sempre necessário. Obrigada Thaís por inserir o debate, é preciso quebrar paradigmas inseridos no inconsciente coletivo como "verdadeiros/certos" em detrimento da realidade.

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