Entre a verborragia e o silêncio



por Mazu 

Semana passada, escrevi sobre a escritora e acadêmica, Yadira Calvo, e suas posições sobre linguagem e discriminação de gênero. Na oportunidade, comecei o texto com o currículo dela, seus feitos, sua formação, seus prêmios. Essa pode parecer uma fórmula comum, você vai falar sobre alguém, você apresenta esse alguém primeiro, certo? Mas existem mais razões para esse tipo de introdução. Se a gente for analisar bem, o jeito que apresentamos o tema de que falamos já é uma forma de defendermos nossa posição. Então, comecei o texto com o “currículo dela” para dar a ela e, consequentemente, a mim, a autorização necessária para se pronunciar sobre os temas abordados e, consequentemente, legitimar os argumentos.

Não aguento quando
Esse exercício metalinguístico pode parecer meio deslocado, mas serve bem ao tema de hoje: o poder de falar, se pronunciar, de abrir a boca em qualquer instância de uma sociedade.

Bom, para começar, a gente sabe que vive em uma sociedade predominantemente sexista e preconceituosa, logo, não pode ser surpresa para ninguém que o direito de abrir a boca seja bem mais de uns que de outros. Determinados assuntos são especialidades dos homens, outros, das mulheres. Na minha vida profissional, na militância, percebo que os homens têm mais autorização para falar e são mais ouvidos quando fazem. Obviamente, isso já foi pior, afinal, participamos, as mulheres, da vida política e profissional da nossa sociedade há pouco tempo. Contudo, em determinadas instâncias, muito ainda falta para que esse direito de abrir a boca, essa autorização para falar a que me referi acima, seja assim fácil para nós como é para os homens.

Alguém poderia dizer que exagero ou que as mulheres, na realidade, falam bem mais que os homens, mas o direito de se pronunciar, de que falo aqui, é o direito de ser ouvida e não só sobre temas ditos femininos, mas sobre tudo, inclusive ciência, política ou sexo. Vou ilustrar com duas matérias da mesma revista sobre o mundo feminino. Antes de mais nada, vou dizer, gosto da Superinteressante, mas quando era mais nova fui instruída pelo meu professor de física do colégio a tomar cuidado com as publicações porque eles, às vezes, pegavam um dado pequeno, um indício, e embasavam uma afirmação categórica sobre alguma coisa. Esta matéria é um bom exemplo disso. Outras matérias têm como objetivo derrubar mitos científicos, tipo esta aqui. 

Detalhe da segunda matéria
De verdade, não vou entrar no mérito científico das matérias, especialmente, porque elas me fizeram pensar sobre questões culturais. Questões culturais que explicariam bem mais o falar e o não falar de homens e mulheres. Entre o falar demais e o sofrer calada pode haver menos espaço do que a gente imagina. Foi por isso que disse que, em determinadas instâncias, falta-nos voz, em outras situações, a voz é obrigatoriamente nossa, por exemplo, quando se trata da criação dos filhos parece que as mães sabem mais que os pais. Existem também limites do que falar impostos aos homens, por exemplo, sentimentos, moda, por aí vai. Quando um homem se aventura por essas áreas, ele sempre é enquadrado em alguma espécie de estereótipo.

Em algumas áreas, como política e ciência, o caminho para se ter voz é, ainda, mais complicado para as mulheres, não dá para negar. É só olhar ao redor, ver os números. O trajeto que é necessário para se ocupar um lugar que permita o posicionamento pode variar muito quando se é homem e quando se é mulher. 

Comentário na primeira matéria, ilustrando o senso comum sobre os dizeres femininos e a falta que as vírgulas fazem

Como já existe uma preferência perceptível, mas não expressa, por profissionais masculinos, quando uma mulher chega a uma determinada posição, a formação e a experiência dela precisa ser bem maior.  E ela sempre vai ser mais questionada e se questionar mais que os homens porque nós somos educados assim.

Hoje e, não se enganem, só hoje, porque são eventos contemporâneos mesmo, a gente chega lá, ocupa esse ou aquele espaço, emite opinião especializada. Ainda assim, se a gente reparar bem, o nosso trabalho, nessas áreas em especial, sempre passa pelo filtro do sexismo. A Sheryl Sanberg, por exemplo, é um ícone do mundo dos negócios, mas tem quem se refira a ela como babá do Zuckerberg. Nossa presidenta, nos seus acertos ou nos seus erros, nunca escapa desse ou daquele comentário sobre sua aparência física ou sexualidade. E o mais engraçado disso é que a gente nunca teve um presidente com aspecto físico padrão, tipo bonitão, em contrapartida, só a Dilma é agraciada com esse ou aquele comentário.

Na vida profissional, é possível perceber a relação de competência com exigência. Isso funciona com homens e mulheres, mas os rótulos são sempre diversos. O chefe é bravo, exigente, a chefe é mal comida, encalhada, histérica.

Acontece bastante, quando se é mulher, de ouvir comentários sobre seu aspecto físico durante uma discussão ou no desempenho de uma função que não seja minimamente relacionada à aparência ou à sexualidade. “Feia”, “gorda”, “mal-comida” ou até mesmo “linda” são formas de lembrar que por mais competente ou inteligente que uma mulher seja, ela é uma mulher. E, na nossa sociedade, há uma crença de que mulher que fala demais, reclama demais, não é feliz sexualmente. Mulher satisfeita e que satisfaz vive calada. A triste ironia disso é que, nessa mesma sociedade, as autoridades precisam fazer campanhas e campanhas para que vítimas de violência contra a mulher se pronunciem.

Por isso, disse que entre o falar demais aqui e o falar de menos ali quase não há distância, já que ambos se originam de um mesmo problema, a imposição social do que uma mulher deve dizer ou não, e toda a discriminação decorrente de sua decisão de dizer ou não dizer em certas situações.

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