Se a vida fosse um video game...

por Roberta Gregoli


Do site Um dia ainda viro cartunista

...ser homem branco heterossexual de classe AB seria o nível fácil.

A metáfora é de Rachel Saklr. Em contrapartida, ser mulher, negra/indígena de classe D seria a dificuldade máxima.

É claro que é possível ganhar o jogo nos níveis de dificuldade mais elevados: tem gente que é mesmo boa de jogo, há quem tem sorte, há xs que têm inteligência e esforço acima da média. Agora, não dá para medir o todo por essas exceções e sair por aí dizendo que não existe sexismo no Brasil porque temos uma Presidenta ou que não existe racismo porque tenho um amigo negro que faz faculdade pública.

É preciso ter clareza que o jogo é diferente e, enquanto essas pessoas devem, sim, ser celebradas por suas conquistas excepcionais, não deixa de ser muito injusto culpabilizar quem não chega lá. 

O contrário também é verdadeiro: nem todo o homem branco cissexual de classe alta vai ganhar no jogo da vida, mas não dá para ficar chorando as cotas derramadas porque o jogo agora ficou um cadinho mais difícil.


Cotas raciais e de gênero são polêmicas porque alguns simplesmente não conseguem - ou não querem - enxergar a bruta vantagem que têm sobre xs outrxs - vantagem que vem das oportunidades de berço, e até muito antes do nascimento:

Breve história do privilégio

Em outras palavras imagens, se a vida fosse uma corrida, ela seria assim:

E a reação que enfrentamos quotidianamente
por apontar essa bruta injustiça é mesmo essa

As metáforas são várias, mas a do video game é particularmente pertinente porque o mundo dos games é sabidamente sexista. A começar pela representação das mulheres nos jogos, de Lara Croft a qualquer coadjuvante boazuda.



Na vida real, Anita Sarkeesian, do excelente Feminist Frequency, lançou um projeto para analisar a representação das mulheres nos video games e acabou sendo vítima de uma campanha de ódio massiva, que incluia até um jogo interativo em que jogadores eram encorajados a beat the bitch out (espancar a vadia).

Ainda mais perturbador - se é que isso é possível - que essa demonstração abertamente misógina em grande escala foi que os perpetradores constantamente se referiam a essa campanha de assédio e abuso como um jogo. - Anita Sarkeesian
Se a vida é um video game, misóginos são heróis. Era o que faltava. Mas antes fosse só no mundo dos games. O caso recente de dois jogadores de futebol americano que estupraram uma garota de 16 anos em Steubenville (que, apesar do nome, é uma cidade real nos Estados Unidos) resultou em condenação, coisa rara - vide o revoltante caso da banda New Hit em solo nacional. Apesar de terem sido julgados e condenados, o tom da mídia foi de comoção por 'essas jovens estrelas do esporte' que tiveram seu futuro 'arruinado':

Uma paródia de 2011 precede o caso e é assustadoramente parecida 
na sua abordagem distorcida do retrato dos criminosos.
Obrigada à Marylin Lima pela indicação dos links

Não é à toa que vítimas de abuso sexual são geralmente reticentes a vir a público: na cultura do estupro - que são todas as culturas -, é preciso muita consciência para se empoderar. Seja na realidade virtual ou na visceral, infelizmente, não é raro que criminosos sejam tidos como heróis e as vítimas compadeçam. O final feliz fica por conta de Anita Sarkeesian, que, apesar de todo o bullying, assédio e ódio, manteve sua campanha e conseguiu angariar um valor 25 vezes maior do que havia pleiteado inicialmente para o seu projeto. Mesmo no nível difícil, Sarkeesian chegou lá.


2 comentários:

  1. A CNN não tem vergonha, não??? Seis minutos - é um tempo enorme na televisão! - deplorando a prisão de dois criminosos! Os jornalistas não leram o que eles fizeram? Como doparam a adolescente, como carregaram a menina inconsciente para várias festas, expondo-a à humilhação pública, como mijaram nela RINDO, como ainda publicizaram seu crime! E tudo porque ela terminou o namoro com um 'amigo' desses caras, que quis se vingar...

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  2. Minha nossa, eu tão desinformada nem tava sabendo desse caso horrível dessa banda (que nunca tinha ouvido falar "New Hit"). Estava lendo e esperando alguém comentar "ah, mas deixou beijar e deixou passar a mão na bunda". Pois é, sempre assim, respirou, consentiu, tudo é consentir. Que monstros são esses que acham que se uma mulher te dá um beijo ela tem que dar.
    De fato, a violência contra as mulheres é muito grande, e nosso nível de dificuldade na vida é desanimador. Sofro isso diariamente, e vai desde paqueradas nojentas que eu não pedi (aquele assédio básico no trabalho, q TODA MULHER SOFRE) e sou obrigada a suportar com sorrisos amarelos, já pensou, se além de odiar acharem que estou dando sinal verde? Af! Os pagamentos ridiculamente a menor (o roubo é escrachado), o trabalho extensivamente majorado e dificultado, além de me passarem só os casos + complexos e menos lucrativos, afinal mulher né, presume-se que não sabe ganhar dinheiro, fazer contas, e ainda precisa de alguém pra abrir a porta do carro, adoro!

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