Filosofia e mulheres - Franco Volpi e Schopenhauer

por Tággidi Ribeiro


Este é mais um post que não começa nem ter termina aqui - e qual o faz? Há alguns meses escrevi um, para as subvertidas, pelo menos, memorável texto sobre as mulheres na visão de alguns filósofos iluministas. Hoje transcrevo e comento trechos da Introdução irritantemente machista do filósofo italiano Franco Volpi (1952-2009) para o abertamente misógino livro de Schopenhauer, A Arte de Lidar com as Mulheres.

1. "Se o mundo nasceu de um capricho de Deus, então a mulher é o ser em que o Supremo Artífice quis manifestar da melhor maneira o lado imprevisível de sua insondável natureza. Esse bon mot, não tão distante das convicções mais radicadas no espírito masculino, deveria persuadir qualquer pessoa, homens e mulheres, da utilidade deste pequeno tratado."

Acho muito interessante a escolha de palavras aqui, porque na possibilidade de ser Deus algo diferente do perfeito, sua imperfeição é imediatamente associada ao feminino, dentro de um discurso que já conhecemos e que moldou não somente nossa ideia de como sejam as mulheres, mas também moldou de fato o comportamento de muitas mulheres. A fala da neurocientista Suzana Herculano-Houzel, em vídeo publicado no post da semana passada, sublinha a palavra expectativa: se há expectativa de que meninas tenham desempenho medíocre em matemática, provavelmente o terão; assim como, se há expectativa de que meninas sejam caprichosas, imprevisíveis e insondáveis, é o que provavelmente serão, porque estarão autorizadas a sê-lo - quem porventura não se encaixe nesse perfil será percebida e descrita como menos mulher, menos feminina e por isso defeituosa, um pequeno monstro (para reusar uma expressão pop). 

2. "O que podem nos ensinar os filósofos – depositários de sabedoria por definição, mas falidos no amor – sobre como tratar as mulheres? O que aconselham para deter os vagos comportamentos e frear esse nosso obscuro objeto do desejo? Que estratégia sugerem para desfazer os caprichos do sexo frágil?"

Deter, frear e desfazer. Como um homem, depois do feminismo, sobretudo, tem a capacidade de querer se relacionar com  mulheres como se elas fossem seres irracionais, que precisam ser domesticadas para caber dentro de alguma ordem racional superior masculina? E como não deplorar a arrogância desse 'depositário de sabedoria'?

Ou coloco a culpa na mulher.
3. Desde os tempos antigos, as relações entre os filósofos e as mulheres foram marcadas por uma irreparável mésalliance. Revisitando a história do pensamento filosófico nessa perspectiva, tem-se num primeiro momento, a impressão de que a filosofia sempre foi e sempre será uma questão tipicamente masculina.

Tem-se a impressão de que filosofia é algo tipicamente masculino, matemática é algo tipicamente masculino, pensar é algo tipicamente masculino. Só as feministas têm a impressão de que mulheres, desde os tempos antigos, tiveram seu destino selado cedo demais? Claro que não. No volume 1 da História da Vida Privada, por exemplo, Paul Veyne nos conta que as meninas romanas deixavam de estudar por volta dos 12 anos. O motivo? Casar e ter filhos. Hoje em dia, essa tradição perversa se encerra nas classes baixas e, em geral, culpamos as meninas por sua escolha. Quanto mais estudam, mais provam, as mulheres, que não há campos de conhecimento definidos por gênero. 


Por hoje é só. Semana que vem tem mais. Gostaria de que fosse claro para todxs que a leitura de textos tais é fundamental tanto para compreender a construção dos gêneros quanto para a desconstrução de seus papéis. 

4 comentários:

  1. É. Peguei birra de filosofia quando ainda adolescente fui ler "A República" de Platão e dei de cara com "A cidade das mulheres e crianças". Fala sério, fiquei revoltada e não quis mais saber, dele e seus comparsas Sócrates e Aristóteles... E eu, na época, única menina no meio de três irmãos achei melhor esconder estes livros, pra não justificar machismo com filosofia, tem dó!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Esse texto do Franco Volpi é particularmente interessante pra pensarmos sobre a relação entre as mulheres e a filosofia. Ele vai referir, por exemplo, toda uma tradição de filosofia feita por mulheres que eu (e acho que quase todo mundo) desconhecia, mas não consegue se livrar do machismo. Vai estar no próximo post, aguarde! Quanto à birra: sabe que é muito fácil MESMO ser machista ou justificar o machismo lendo filósofos que são pilares do pensamento ocidental, em todas as épocas. Só que é sempre a mesma coisa: a gente vai pesquisando e aí acaba achando outros tantos filósofos e filósofas que disseram o que dizemos hoje, que não há diferença de capacidade intelectiva entre homens e mulheres. Esses discursos foram propositadamente obliterados sim ou com certeza? ;)Obrigada pelo comentário!

      Excluir
  2. Ah sim, me lembro de algumas descobertas sobre manifestações de igualdade intelectiva entre os gêneros, na filosofia e na literatura, mas elas não são apresentadas tradicionalmente. Vou ficar no aguardo do próximo post! =D

    ResponderExcluir
  3. Se dizendo "imprevisível" você se irritou, imagine se ele tivesse usado o termo "previsível"...

    ResponderExcluir