"Pare de fingir que você é um ser humano"

por Thais Torres

("Pare de fingir que você é um ser humano")

Tomei conhecimento a respeito do "Project Unbreakable" pelo Facebook. Uma colega de trabalho (e leitora do blog) postou em sua página da rede social fotos do projeto e o link para o site. Fiquei chocada e não nego que me emocionei algumas vezes ao escolher as fotos para postar aqui.

O projeto foi criado em 2011, por Grace Brown. Trata-se de uma ideia simples e chocante na sua simplicidade. Sobreviventes de estupros são fotografados segurando cartazes em que se pode ler as frases que seus agressores disseram no momento do crime. Há ainda imagens em que as vítimas apresentam o que ouviram quando ousaram denunciar. Em geral, a crueldade desses dizeres gira em torno de dois pontos: a vilania que se declara como tal e a que se disfarça, ocultando-se em um discurso pretensamente amoroso e familiar. O fato é que pouco importa o que o estuprador diz ou como sua mente doentia julga esse ato cruel. Todos eles (pais, avôs, tios, maridos, colegas de escola ou desconhecidos) querem dizer o mesmo: Você não é um ser humano. 

A maior parte dos estupros é cometida por pessoas próximas da vítima. Isso é de uma crueldade ímpar, pois o agressor é alguém em quem a mulher geralmente confia ou depende. A ideia de "eu vou cuidar de você" aparece de uma maneira particularmente cruel em uma das imagens abaixo. Assim como o "beijo de boa noite" que o agressor exige de sua vítima.

  


 


(À esquerda, "Seus pais sairam para jantar, mas não se preocupe. Eu vou cuidar de você". À direita, "Me dê um beijo de boa noite")


Não bastasse a violência física, o estuprador quase sempre humilha a vítima, fazendo com que ela acredite que não é um ser humano, que mereceu isso, que até desejou ser estuprada e que ela teria gostado (ou deveria gostar) do que aconteceu. Tudo isso com um único objetivo: fazer com que a vítima se cale.

Na sequência abaixo, selecionei uma das poucas fotos do site que apresenta uma vítima do sexo masculino. É impressionante como o discurso é sempre o mesmo.



(À esquerda, "Seja forte", "Você não vai falar uma palavra sobre isso". Meu tio quando eu tinha 11 anos. À direita, "Se você contar para alguém seus pais não vão te amar mais")



("Não se preocupe. Meninos costumam gostar disso")


(À esquerda, "Isto é um teste. Se você contar para mamãe nós dois sabemos que você não será confiável". À direita,  "Ninguém vai acreditar em você. Eu sou seu marido e é a sua palavra contra a minha")

A culpa, inevitavelmente, é da vítima. Ela provoca, consente e até, para alguns, aprova o ato. Humilhada, silenciada, violentada naquilo que possui de mais íntimo, não há espaço para qualquer protesto. E ela é obrigada até mesmo a limpar a "bagunça" que ela mesma teria provocado.

("Anda logo e limpe essa bagunça". Ele estava se referindo ao sangue e ao sémen no chão)

Mas não são só os agressores que culpam a vítima. Na foto abaixo, a frase dita pela irmã choca pelo descaso com a situação. De fato, o único culpado do estupro é o estuprador. Mas isso não quer dizer que a família e a sociedade não possam se mobilizar, ao menos para compreender a dor de quem passou por esse trauma terrível.

("Não é nossa culpa que ela tenha bebido e se colocado nesta confusão. 
Diga a ela para superar isso". Minha irmã para minha mãe.)


Na sequência de fotos abaixo, o julgamento que vem de toda parte.



(À esquerda, "Por que você está chorando?". À direita, "Não estou questionando o que você está dizendo, mas demorou muito tempo para que você respondesse as perguntas" - Psicólogo.)
















(À esquerda, "Eu não a estuprei. Ela gostou quando doeu. Eu apenas dei a ela o que ela queria". À direita,  "Você namora um homem 20 anos mais velho. Não me surpreende que isso tenha acontecido com você" - Policial)


 
(À esquerda, "Por que você não quis fazer sexo com seu namorado?" - Ginecologista. À direita,  "Para alguém que foi estuprada, você não parece estar em estado de choque" - Psicólogo)

Parece impossível pensar qualquer coisa diante dessas frases e dessas imagens. A única coisa que consigo é admirar a coragem dessas pessoas que seguram esses cartazes, relatam essas histórias e tiram essas fotos, quer mostrando seus rostos ou mantendo-se anônimas. São sobreviventes e esse motivo já é suficiente para admirá-las.

PS: Agradeço à Luciana Balduíno pela sugestão (ainda que indireta) que deu origem a este post.

PS2: Peço desculpas pelas traduções. Não é minha praia, definitivamente.



3 comentários:

  1. Excelente post! Excelente iniciativa de Grace Brown! Aproveitando o assunto, sugiro que escrevam sobre o texto de Danuza Leão, da Folha de São Paulo (link: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/danuzaleao/2013/05/1277445-evitando-os-riscos.shtml).
    Esse texto merece uma nota de repúdio, é por causa de pessoas como ela que a cultura so estupro se perpetua.

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  2. Ótimo texto. Estava lendo acerca da "cultura do estupro" a alguns dias e a legitimação destes discursos pela sociedade é algo que choca. Lembro que na faculdade aprendi que a algum tempo atrás o nosso código penal permitia que no caso de o estuprador se casar com a vítima o crime seria perdoado! Um outro texto que li sobre o tema abordava o caso das tribos africanas e tratava do estupro enquanto forma de dominação social e subjugo de uma nação sobre a outra,e como lá isso é uma realidade cotidiana! ainda o crime não seria apenas a violência de um individuo em particular mas principalmente uma forma de obrigar as mulheres a seguirem o caminho socialmente delimitado de "mulher boazinha" de preferencia usando burca e não saindo de casa, pois em caso contrário o estupro é uma realidade que poderia lhe ocorrer e que ela mereceria (lembram do bicho papão?) o que vimos em alguns dos discursos ilustrativos acima. Eu mesma jáouvi: "espero que agora ela aprenda a não sair mais a noite e usar as roupas que usa", e isto dito por uma mulher jovem! é preciso uma alteração do pensamento social e rápida.

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  3. O HOMEM QUE ABUSOU DE MI AOS 17 ANOS FALOU QUANDO COMEÇOU O ABUSO SE VC NÃO DEIXAR EU TERMINAR VAI LHE DAR UMA DOENÇA E VOU NA SUA CASA CONTAR TUDO PRA TUA MÃE,INVÉS DE MIM SENTIR VITIMA MIM SENTI CULPADA POR TUDO MAIS NA ÉPOCA POR CAUSA DA MINHA CRIAÇÃO EU NEM SABIA DIREITO O QUE TAVA ACONTECENDO.

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