Versos e Subversas: Sexta-feira à noite

por Jeff Vasques



SEXTA-FEIRA À NOITE
(Marina Colasanti, Brasil, 1937)

Sexta-feira à noite os homens
acariciam o clitóris das esposas
com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
contam dinheiro papéis documentos
e folheiam nas revistas a vida dos seus ídolos.
Sexta-feira à noite os homens penetram suas esposas
com tédio e pênis.
O mesmo tédio com que todos os dias
enfiam o carro na garagem
o dedo no nariz
e metem a mão no bolso para coçar o saco.
Sexta-feira à noite os homens ressonam de borco
enquanto as mulheres no escuro encaram "seu destino"
e sonham com o "príncipe encantado".


Marina Colasanti é uma escritora e jornalista ítalo-brasileira. No Brasil estudou Belas-Artes e trabalhou como jornalista, tendo ainda traduzido importantes textos da Literatura italiana. Como escritora, publicou 33 livros, entre contos, poesia, prosa, literatura infantil e infanto-juvenil, muitos relacionados à condição da mulher e ao amor. Seu primeiro livro foi lançado em 1968 e se chama "Eu sozinha". Colabora, atualmente, em revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna. Quem quiser pesquisar mais sobre a construção da voz feminina na literatura de Colasanti pode ler esta interessante pesquisa de Maria Aparecida de Araujo, "Temas e teimas: O discurso feminino e feminista de Maarina Colasanti" (Texto na íntegra aqui)

Abaixo, um pouco do que Colasanti pensa sobre o movimento feminista hoje:

"Primeiro a gente tem que dizer em que países. Se é no Brasil, a expressão 'movimento feminista' prescreveu, não se usa mais. Agora usam-se as expressões 'estudos de gênero', 'questões de gênero', e isso é muito sintomático. Porque, quando se dizia movimento feminista, tratava-se de um movimento que lutava pelos direitos das mulheres, defendia os direitos das mulheres. Era um movimento de mulheres para mulheres. Quando se passa a falar em questões de gênero, já deslizamos para um outro universo semântico, e não à toa. Ou seja, estamos dizendo que vamos nos ocupar de questões de homens e de mulheres, questões de cidadania ligadas ao feminino e ao masculino. Com essa abertura, proposta, aceita e estabelecida sobretudo no encontro de Beijing (China), o que aconteceu foi que as questões do feminino que estavam em aberto, que não estavam resolvidas num país onde a miséria é um problema de primeiríssima linha, e onde, portanto, as mulheres estão num estado terrível — porque sempre que há pobres, os mais pobres são as mulheres, os mais sacrificados são as mulheres — num país nessa situação, o enfraquecimento daquilo que era trabalho em cima do feminino, cravado no feminino, insistindo no feminino, foi muito ruim. Os movimentos praticamente se desfizeram, as militantes montaram as suas ongs, nós temos as coisas governamentais, os centros de estudo, mas os grupos militantes que existiam, já não há mais, ou os que há são muito raros. Não há uma visibilidade, um avanço desse trabalho." (Texto na íntegra aqui)

Lucien Freud, Portrait on a White Cover, 2002-3

Um comentário:

  1. Há muita verdade na fala da Colasanti. A sociedade é plural e os diferentes grupos necessitam de representatividade, mas as questões tipicamente feministas têm uma carência histórica que os qualifica. Imiscui-los a questões outras é prejudicial. Como se jã não fosse difícil centrar um "segmento" tão numeroso num movimento, que é educado para ser disperso e alienado de sua condição cultural.

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