por Roberta Gregoli
Há algumas semanas, Julian Assange, fundador da Wikileaks, voltou ao holofote da mídia por procurar asilo político na Embaixada do Equador em Londres, numa tentativa desesperada de evitar a extradição para a Suécia, onde é acusado de estupro. A figura de Assange é muito sedutora por encarnar ideais nobres como a liberdade de expressão e dar asas à imaginação dos mais dados a sentimentos anti-americanos e a teorias da conspiração. Mas, para falar sobre as acusações da Suécia, temos que deixar tudo isso de lado. Essas acusações nada tem a ver com a persona pública de Assange, o que ele significa ou seus méritos e desméritos políticos.
Muito se fala do que estaria por trás dessas acusações, incluindo a suposta participação da CIA em planos secretos de extraditá-lo para os Estados Unidos. Um assunto sobre o qual menos se fala é o crime em questão: estupro. E isso tem a ver com a cultura do estupro (algo começamos a discutir um pouco na semana passada) e o caso de Assange é realmente emblemático.
A primeira reação que ouço com relação a esse caso é o desmerecimento do crime. Como se estupro fosse um delitozinho qualquer que alguém tira da manga quando quer derrubar uma pessoa importante. Ou uma tentativa desesperada de alguma vadia (porque, como já vimos, culpar a mulher é lugar comum) de chamar atenção. Vale lembrar, então, que Assange foi acusado por duas mulheres diferentes, cujos nomes não foram divulgados e hoje vivem escondidas.
Daí vem o Presidente do Equador fazer um grande desfavor ao continente e dizer que, na América Latina, o que Assange fez não seria considerado crime. Essa fala me incomodou profundamente porque reforça - e oficializa - a banalização do estupro entre os latino-americanos, mas, na verdade, é um posicionamento comum com relação ao caso. O deputado britânico George Galloway disse que se trata meramente de um caso de "falta de etiqueta sexual" (veja aqui em português) e um dos mitos correntes relacionados ao caso é que as acusações não constituiriam crime na lei britânica. Ou seja, mude o país, mude o oficial, o denominador comum é o desmerecimento da violência sexual.
Este artigo fornece os detalhes das acusações contra Assange e aí fica claro o que esses oficiais custam a entender: a violência sexual, como diz a Lola, não se trata apenas de sexo à força num beco escuro, com muita violência. Acordar com um homem fazendo sexo com você, como declara uma das vítimas - mesmo que você tenha dado para ele na noite anterior -, é, sim, estupro. Ter um cara sem roupa se esfregando contra você contra a sua vontade, como declara a outra vítima, também é violência sexual.
Não é à toa que o processo está sendo movido na Suécia, um dos países de maior igualdade de gênero no mundo. Não que isso queira dizer que eles "procurem pelo em ovo" ou "façam tempestade em copo d'água", mas sim que essas mulheres foram levadas a sério, enquanto em muitos outros lugares (pelo como podemos supôr com base nas falas dos oficiais do Equador e do Reino Unido) elas teriam sido desmerecidas, ridicularizadas e, provavelmente, as queixas nunca teria sido levadas adiante.
O ponto em questão não é os feitos políticos de Assange nem perseguição política, e sim estupro. Ninguém está pedindo que Assange seja punido, extraditado para os Estados Unidos ou que responda por outros crimes, apenas que seja julgado por estas acusações específicas. Assange tem os melhores advogados e teve mais oportunidades de recorrer ao mandato judicial de sua prisão (incluindo um processo que chegou até a Suprema Corte) do que qualquer outro réu na história britânica. E como diz esta ótima crítica, não podemos nos esquecer que as vítimas de violência sexual também têm direitos. Não é chegada a hora de Assange responder pelas acusações contra ele?
Roberta querida:
ResponderExcluirConcordo em parte com suas argumentações.
A Suécia não é só um pais altamente civilizado, é um lugar onde o neoliberalismo não avassalou como uma onda, apenas espraiou-se. As pessoas – aparentemente - aceitam a interferência do Estado, inclusive, quanto ao uso ou não de camisinha. Claro que esse aspecto, especificamente, é um recurso legal em favor das mulheres. Mas duvido, DUVIDO, que seja levado a sério por todos os suecos e suecas.
O sistema jurídico funciona lidamente na Suécia? Ótimo, que façam, então, o que tem de ser feito, sem que Assange corra o risco de ser acusado por espionagem, se é que pelas leis de fronteira e diplomacia isso é possível. Que seja concedido a ele o direito de se defender da acusação de estupro, com alguma garantia. Isso seria eficiência jurídica.
Claro que estupro não é só aquele ato cometido num beco escuro e com muita violência e imagino que Assange seja um cara meio metido, por conta de notoriedade tão meteórica e isso deve subir à cabecinha dele e das mulheres à sua volta. Mas não dá para saber se essas mulheres são completamente inocentes ou se agiram com a intenção de culpá-lo. Por enquanto, nada prova uma coisa ou outra. Claro, minorar o crime não é legal, tampouco acredito que o presidente do Equador seja alguém com chancela interessante para falar de liberdade e mulheres. Porém, há aqui um intrincado jogo de intenções. Além disso, se a imprensa é machista, também pode ser - e é muitas vezes - uma criadora de fatos. E Assange tem pelo menos 3/4 da imprensa mundial contra ele.
E, que graça, de repente, no Brasil, articulistas que pouco se lixam para as reivindicações feministas se voltam a favor das mulheres e contra Assange. Muito estranho isso. Minha cabeça de mulher latino-americana me diz que podemos ser usadas, sim, a todo instante, no sexo e na política. Inclusive por aqueles que são pagos para ajudar a manter o sistema do jeitinho que está. Certos episódios, acredito, não podem ser analisados por uma única lupa. Fiquemos espertas, portanto.
Olha o que o Vladimir Safatle (que eu considerAVA um dos mais esclarecidos intelectuais da atualidade) não considera estupro, num texto sobre Assange: "É verdade que a definição de estupro pela legislação sueca é mais flexível do que a habitual. Ela engloba imagens como: um homem e uma mulher que estão na cama de comum acordo, sem nenhum tipo de coerção, mas que, em um dado momento, veem a situação modificada pelo fato de a garota dizer 'não' e mesmo assim ser, de alguma forma, forçada."
ResponderExcluirhttp://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-democracia-e-seus-perseguidos/?autor=961
Detalhe: os comentários que criticam a visão do autor são censurados... E que são mesmo os perseguidos pela democracia?
Beijos,
Tággidi
Gostaria que citasse a fonte de onde tirou que o presidente do Equador banaliza o estupro.
ResponderExcluirBom, em relação ao texto, acho que é inocência de sua parte achar que chegando na Suécia o mesmo seria julgado, antes de ter qualquer julgamento, com certeza ele já seria extraditado, e mesmo que for julgado, este não é um caso comum de estupro, o que comprometeria o sigilo, e sigilo é algo que comprometeria o julgamento. Outro fator que faz este caso de estupro ser banalizado, não é o fato de que o estupro é banalizado em si, pelo menos, não neste caso, o fato é que a notícia do estupro surgiu em um momento bem oportuno.
Uma citação sua "Ninguém está pedindo que Assange seja punido, extraditado para os Estados Unidos ou que responda por outros crimes"
Ninguém ? tem certeza ? então acho que os governos Equatorianos e Australianos estão preocupados por bobagem ..
Clica no vermelhinho que é o link.
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