por Tággidi Ribeiro
Pode ser constrangedor admitir isso, mas tendemos a julgar que o estupro é natural, ou seja, nasceu com a nossa espécie, e hoje só é reprimido porque, até que enfim, o homem evoluiu. A imagem símbolo desse pensamento é a do homem coberto por peles segurando o tacape que usou para abater a mulher que agora ele arrasta pelos cabelos. Desde sempre, portanto, nos diz essa imagem, teria o homem usado da força para conseguir uma mulher, para conseguir copular. Qualquer dancinha de acasalamento devia ser o suprassumo do romantismo nessa época.
Pode ser constrangedor admitir isso, mas tendemos a julgar que o estupro é natural, ou seja, nasceu com a nossa espécie, e hoje só é reprimido porque, até que enfim, o homem evoluiu. A imagem símbolo desse pensamento é a do homem coberto por peles segurando o tacape que usou para abater a mulher que agora ele arrasta pelos cabelos. Desde sempre, portanto, nos diz essa imagem, teria o homem usado da força para conseguir uma mulher, para conseguir copular. Qualquer dancinha de acasalamento devia ser o suprassumo do romantismo nessa época.
Pois bem, há várias pesquisas que apontam para essa ideia - os homens seriam mais violentos e mais libidinosos que as mulheres, sobretudo por produzir de 20 a 30 vezes mais testosterona que elas. Diz-se também que a natureza dos homens não seria "boa", como a dos macacos (seus parentes mais próximos), mas cruel, sanguinária, egoísta e superssexualizada. Também, desde que temos registros escritos, a mulher foi considerada pelo homem sua propriedade, o que faz alguns cientistas afirmarem que sempre foi assim.
Bem, eu suponho que o estupro seja ancestral (natural, portanto), tendo acontecido em algum 'ponto' da evolução - assim como a violência e o prazer sexual; assim como o carinho e o afeto. Para mim, porém, é praticamente impossível admitir a hipótese de que o estupro tenha sido prática corrente, indispensável para a cópula, dentro de um bando de hominídeos que, assim como o restante dos animais, precisava sobreviver. Não há registro de cópula, pelo menos entre mamíferos, que se dê através de violência. Se machos e fêmeas estão no cio, eles copulam - simples assim. Por que razão na espécie humana seria diferente?
Eu tendo a pensar que nessa resposta entraria a falácia de que mulheres tem bem menos desejo sexual que homens. Para conseguir sexo, portanto, seria necessária a violência. Mas se estamos falando de cópula e não de sexo, o grande argumento masculino para a naturalização da violência sexual perde o sentido, já que, como todos os outros mamíferos, quereriam as fêmeas acasalar para poder preservar a espécie. Por outro lado, sabemos que, fora o fato de que desejo sexual varia de pessoa para pessoa, o desejo nas mulheres na verdade foi reprimido durante milênios. Não podemos usar o comportamento de nossas mulheres atavicamente culpadas para explicar o comportamento da fêmea ancestral, sobre a qual não recaiu a mão pesada da religião. Pode muito bem ser que esta fêmea, assim como as fêmeas bonobo, evolutivamente próximas de nós, estivesse disposta ao ato sexual sem fim de reprodução.
Por que, então, teriam os homens começado a estuprar mulheres, num cenário em que provavelmente tanto a cópula quanto o sexo eram consentidos? Creio que, novamente, o mundo animal pode nos dar alguma chave elucidativa. Estupros, sobretudo cometidos por mamíferos não humanos, são raridade, mas existem. Na natureza, parecem nunca estar associados a prazer sexual; em apenas uma espécie de inseto, está associado à cópula e, no geral, os estupros estão associados a domínio de território (caso haja guerra ou disputa) e à manutenção do poder. Portanto, a tese de Susan Brownmiller, de que estupro tem relação com poder e não com sexo, parece se verificar inclusive na natureza.
Eu tendo a pensar que nessa resposta entraria a falácia de que mulheres tem bem menos desejo sexual que homens. Para conseguir sexo, portanto, seria necessária a violência. Mas se estamos falando de cópula e não de sexo, o grande argumento masculino para a naturalização da violência sexual perde o sentido, já que, como todos os outros mamíferos, quereriam as fêmeas acasalar para poder preservar a espécie. Por outro lado, sabemos que, fora o fato de que desejo sexual varia de pessoa para pessoa, o desejo nas mulheres na verdade foi reprimido durante milênios. Não podemos usar o comportamento de nossas mulheres atavicamente culpadas para explicar o comportamento da fêmea ancestral, sobre a qual não recaiu a mão pesada da religião. Pode muito bem ser que esta fêmea, assim como as fêmeas bonobo, evolutivamente próximas de nós, estivesse disposta ao ato sexual sem fim de reprodução.
Por que, então, teriam os homens começado a estuprar mulheres, num cenário em que provavelmente tanto a cópula quanto o sexo eram consentidos? Creio que, novamente, o mundo animal pode nos dar alguma chave elucidativa. Estupros, sobretudo cometidos por mamíferos não humanos, são raridade, mas existem. Na natureza, parecem nunca estar associados a prazer sexual; em apenas uma espécie de inseto, está associado à cópula e, no geral, os estupros estão associados a domínio de território (caso haja guerra ou disputa) e à manutenção do poder. Portanto, a tese de Susan Brownmiller, de que estupro tem relação com poder e não com sexo, parece se verificar inclusive na natureza.
Por fim, minha hipótese é a de que o estupro passa a ser sistematizado somente quando os nossos ancestrais formam o sentido da propriedade, associado à ideia de inferioridade da mulher. Mas ainda aqui, creio, os estupros eram praticados nas guerras, nunca dentro da tribo. O estupro generalizado contemporâneo é fruto da demonização do sexo e da cisão da mulher em santa e puta - portanto, é fruto das principais religiões do nosso mundo. Ao demonizar o sexo, a santificação da mulher se dá por sua 'pureza', a virgindade passa a ser seu grande valor. Se um homem estupra a virgem, ela perde aquilo que lhe é mais valioso. Por outro lado, o homem sente desejo sexual pela mulher - é ela que o leva à tentação, à perdição. Por isso, é culpada de seu próprio estupro. E se a mulher não é mais virgem, não tem valor (é uma puta), sendo portanto lícito estuprá-la.
O estupro, tal qual o conhecemos hoje, é o crime mais antinatural que cometemos. A imagem do homem com o tacape arrastando 'sua' mulher é invenção contemporânea que tenta naturalizar a violência sexual para homens sem deus. Mas os deuses criados pelos homens são ainda quem manda nos estupros pelo mundo afora, por terem deixado tão entranhada a ideia de que a mulher é propriedade do marido e de que vale pela sua pureza sexual. Se nos podemos comparar com outros animais (sobretudo primatas) para inferir nosso comportamento sexual pré-histórico, devemos tomar a violência sexual como rara e relacionada à disputa de poder. Se não nos podemos comparar com os demais bichos, então só podemos teorizar sobre o que conhecemos de nossa história, e aí o lugar da mulher, dado milenarmente pela religião no arquétipo da Eva traiçoeira e responsável pela danação do homem, vai nortear nossa visão sobre a violência perpetrada por homens contra mulheres.
Mas o próprio sexo mesmo sem estupro sempre serviu para a manutenção do poder. Principalmente nos grupos que as fêmeas só fazem sexo com o macho dominante. É dai a herança evolutiva da dominação pelo sexo, tornando aquele qual se tem relações uma propriedade.
ResponderExcluirBem, na verdade não. Porque nós definitivamente não fazemos parte (provavelmente jamais tenhamos feito, se levarmos em consideração que as espécies mais próximas a nós também não o fazem) de grupos em que somente machos dominantes fazem sexo, sendo os demais 'obrigados' a procurar outro grupo para dominar ou a estuprar as fêmeas - estupro não é falta de sexo -, ou ainda, a destituir o macho dominante. Ainda me parece mais 'sensato' relacionar a ideia de propriedade do corpo feminino à busca da manutenção da propriedade, com a garantia da paternidade.
ResponderExcluirJá li sobre outra teoria sobre o ato do estupro. Estaria ela ligada a necessidade do macho disseminar seus genes pelo mundo. Vc nota que nos mamíferos o macho dominante sempre quer arrebanhar o máximo de fêmeas possível, com o intuito de garantir a perpetuação de seus genes nas proles. O leão quando ganha uma briga territorial e passa a dominar as fêmeas, o primeiro ato que ele faz na comunidade é matar os filhotes nascido do macho anterior para que a fêmea entre novamente no cio. Na questão humana há mais detalhes envolvido, pois nada explica um homem casado com filhos, agindo como estuprador. A psique humana é muito complexa, acredito não haveria uma regra específica plausível, mas várias exceções levando o homem a praticar esse ato.
ResponderExcluirQuando você fala 'nos mamíferos' fala em milhares de espécies e os comportamentos variam bastante. O leão realmente pode fazer isso que você fala, mas isso não é regra nem para os leões e nem para os demais mamíferos.
ExcluirTb já li várias outras teorias, todas tendenciosas, o mais interessante é q os donos de tais ñ se enquadram na categoria, isto é, afirmam q o estupro é natural, mas ñ se julgam capazes do ato. Coerência pra quê? A questão da reprodução é uma das premissas, o que ñ tem lógica já q seria de interesse das fêmeas passar seus genes adiante, ou ainda, pq existe pedofilia? Haja complexidade!
ResponderExcluirExatamente. Alguns biólogos já vêm questionando essa premissa. O primatólogo Frans de Waal, um dos mais importantes da contemporaneidade, diz que os animais se sentem atraídos uns pelos outros e os filhotes (quando há) são uma consequência dessa atração. Quanto ao estupro, entre os primatas, tem a ver com questões de poder. Sendo os homens também primatas, não parece haver outra explicação.
Excluir