Quem fui, quem me tornei - Como envelhecer mulher


por Barbara Falleiros

Nossas mães sabiam envelhecer... elas aceitavam bravamente e ingenuamente os cabelos brancos e as rugas; elas substituíam a beleza pelo espírito, a juventude pela graça, a galanteria pelo bom humor, o amor pela amizade.” (Alexandre Dumas filho, Un père prodigue, 1859)

O último post da Tággidi (este mesmo) levantou a questão do envelhecimento e da nossa construção de um lugar no mundo. Que perspectiva angustiante é esta diante da qual se veem tantas mulheres que, privadas então da capacidade de dar a luz e de provocar o desejo no outro, têm sua identidade esvaziada à medida em que as rugas aumentam. Quem ser quando não se é mais “mãe” e “mulher” (quero dizer, quando esta identificação não mais se produz)?

François Villon, grande poeta francês do final da Idade Média, desenvolve o tema da decrepitude na Balada da Bela Armeira, ecoando os lamentos de todas “estas pobres mulheres que estão velhas”. A bela armeira relembra seus amores passados e chora a perda da sua beleza à qual homem nenhum anteriormente resistira. O sentimento de decadência é a tal ponto intenso que conduz à tentação do suicídio. Não há possibilidade de existência na suposta ausência de um poder de sedução.

Ah, velhice, vil, traiçoeira,
Por que tão cedo já me abate?
O que me impede, a mão certeira,
Que de um só golpe eu me mate?

Segue, com extrema força, a imagem desta velha que se observa, nua, e lamenta profundamente o seu estado: “Quelle fus, quelle devenue!” – “Quem fui, quem me tornei!

Quando à nudez sou recolhida
E me vejo tão transformada,
Pobre, seca, magra, encolhida,
 A Bela Armeira, ilustração de Joseph Hémard, Paris, 1921
De fúria fico transtornada.

(...)
Fronte em ruga, cabelos gris,
Sobrancelhas baixas, destintos
Olhos de outro mirar feliz
Que venceram os mais distintos;
Nariz curvo, de belo extinto,
E as orelhas murchas, pendentes;
Rosto frouxo, morto, retinto,
Queixo em pregas, lábios cadentes.

Eis que a beleza humana afunda!
Braços curtos, mãos contraídas,
E espáduas viram corcundas.
Mamas, como? Estão retraídas;
O recanto? Fiu! Quanto às coxas...
Coxas não, coxinhas cozidas
Mosqueadas como salsichas.

Apesar da descrição (tragi)cômica das velhas pernas, manchadas e pintadinhas como linguiças, a constatação é dura: “les vieilles n’ont ne cours në estre / ne que monnoye qu’on descrye” – isto é, as velhas perdem todo seu valor, como moedas retiradas de circulação.

Mas a memória da juventude de cada uma das pobres mulheres que escutam os lamentos da bela armeira parece acalmar sua fúria inicial e conduzir à resignação: “ainsi en prent à maint et maintes” – o tempo, inexorável, não poupa ninguém, destruindo tanto homens quanto mulheres.

A dependência do olhar do outro (do homem) na construção da identidade feminina contrapõe-se então, no final do poema, à imagem de uma pequena comunidade de mulheres, agachadas em torno do fogo.

O bom tempo, assim, lamentemos,
Entre nós, tão pobres velhotas,
E em roda, agachadas fiquemos,
Empilhadas como pelotas,
Junto a esse fogo de gravetos,
Aqui aceso e logo extinto.
Onde os encantos tão facetos?
É o fado a todos indistinto. [1]

Desta imagem de precariedade ressai uma profunda melancolia, característica da época – a Idade Média que se termina – e da poética de Villon. Mas ao pensarmos nessas mulheres juntas, não seria este um caminho possível na busca de um sentido na vida daquelas que, ao envelhecerem, são confrontadas à solidão? Substituir o amor pela amizade?

Projeto arquitetônico da Casa das Baba yagas
Penso, na verdade, no projeto de uma comunidade de senhoras em Montreuil, na periferia de Paris, a Maison des Babayagas, do nome da velha bruxa do folclore eslavo. O projeto – utopista e militante – dessas senhoras feministas é manter uma casa autogerida, com atividades esportivas e terapêuticas, uma casa solidária, preservando a identidade de cada moradora, uma prática cidadã, com abertura à vida política, social e cultural, e uma prática ecológica, com uma gestão rigorosa da água, da energia e do lixo. Depois de 17 anos lutando por este projeto, a militante Thérèse Clerc espera que a casa, que acolherá 21 idosas, além de contar com 4 alojamentos para mais jovens e uma Universidade dos saberes dos velhos no andar térreo, seja inaugurada ainda este ano.

Como envelhecer? Ajudar-se na luta contra a dependência, cultivar a autonomia, estabelecer laços e trabalhar por um ideal. Eis uma primeira resposta.

Thérèse Clerc, idealizadora do projeto da Casa das Baba yagas
Para que a velhice não seja uma irrisória paródia de nossa existência anterior, só há uma solução: continuar a perseguir fins que deem sentido à nossa vida.
(Simone de Beauvoir, A Velhice, 1970)


[1] François Villon, Poesia, trad. Sebastião Uchoa Leite, EDUSP, 2000.

2 comentários:

  1. Sandra Seabra Moreira12/08/2012, 13:56

    Tendo queimado muito a pestana a respeito desse assunto, concordo que "ajudar-se na luta contra a dependência, cultivar a autonomia, estabelecer laços e trabalhar por um ideal" é, sem dúvida, uma primeira resposta.
    Eu acrescentaria: e auscultar o corpo. Ainda com rugas, ele deseja.Aliás, esse tema é importantíssimo para a mulher. Por muito tempo acreditou-se que com a menopausa o desejo diminuía. Mentira das boas. Acho até que, em alguns casos, aumenta. E muito ainda tem de ser pesquisado a respeito.

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  2. Sandra e Bárbara, o desejo da mulher na velhice é uma realidade que deve ser exposta a todos (sobretudo aos homens que não procuram mulheres de sua idade porque julgam que elas 'secaram' e mulheres que se culpam por ainda ter desejo). Conheço casos em que somente na velhice mulheres conseguiram satisfação sexual ou que na velhice passaram a ser mais felizes sexualmente que durante toda a idade adulta.

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