1

O preconceito de todos nós

por Thais Torres

 

Recentemente, o blog Homorrealidade publicou um excelente texto sobre mais uma declaração homofóbica. Os autores da agressão, dessa vez, foram os próprios homossexuais. Diversas manifestações na Internet comemoraram o fato de o filho do ex-jogador Ronaldo estar com cabelos tingidos e alisados e ter sido fotografado em um aeroporto, na companhia de um amigo. Ao que parece, o novo cabelo e a amizade fazem de Ronald um homossexual, algo que deveria ser comemorado.

O autor do texto faz um importante questionamento:

Porém, mais que especular a vida sexual de Ronald [que sinceramente ficou muito mais moderno com o novo visu], me surpreendi com tal discurso tortuoso de LGBTs. Afinal, será que dá para considerar alguém qualquer coisa que seja somente pela aparência? Será que somos tão retrógrados ao ponto de achar que um hétero não pode ter um amigo mais próximo? Ou alisar o cabelo? Será que ainda achamos que as travestis enganam as pessoas? E, o pior, será que ainda vemos a homossexualidade como uma ofensa ou uma maneira de desqualificar o outro?
 Antes que alguém pense que o blog acrescenta mais um item à lista de motivos que justificam a condenação dos homossexuais em nossa sociedade machista, o autor admite que "o gay nasceu em uma sociedade heteronormativa e machista". Isso explica o contraditório fato de que o público LGBT esteja ridicularizando um garoto por conta de seu penteado e de suas companhias. Dessa forma, se ele repete com cinismo e satisfação que é "bem feito" que o jogador tenha um filho homossexual, isso não ocorre por que os autores da "piada" acreditam que este é um "castigo" pelo fato de Ronaldo ter se envolvido com travestis no passado, mas por que o preconceito é tão enraizado em nossa sociedade que é repetido até mesmo por quem sofre as consequências da homofobia.

 

Sejamos sinceros. Quem nunca se viu rindo das piadas que caracterizam Marco Feliciano como um homossexual? Qual mulher nunca desejou ser bonita como determinada modelo ou atriz? Que pessoa nunca condenou - ainda que mentalmente - uma atitude, um palavreado ou uma roupa por que agir, falar e vestir-se de determinada maneira "não é adequado ao contexto"?

Logo em seguida, percebemos que há um preconceito no nosso riso, uma aceitação de estereótipos na nossa inveja, um machismo na nossa condenação. Afinal, vivemos em um mundo preconceituoso e é quase impossível estar alheio a toda e qualquer forma de discriminação.

 O problema  não é a momentânea repetição do discurso homofóbico e machista que nos rodeia, mas a perpetuação deste. O final do texto do blog www.homorrealidade.com.br vai direto ao que importa: "Para Ronald, um só desejo: se joga, boas férias!".





De fato, não importa se Marco Feliciano é gay enrustido ou se ele tem ascendência negra. O que importa é que ele é um político, mais do que isso, o presidente da Comissão dos Direitos Humanos e que recusa os direitos básicos de homossexuais e negros (dentre tantos outros indivíduos).




 
Também não importa se a modelo que está na capa da revista, na verdade, é gorda, tem espinhas e celulite. Ao lado vemos uma foto de Natalie Portman fora das capas de revistas e do tapete vermelho. Por um acaso, ela está linda, mas continuaria sendo uma excelente atriz se não estivesse. 
 



Na outra foto, o site de fofocas cria uma manchete pretensamente polêmica (mas totalmente rísivel como manchete jornalística): "Sem maquiagem, Juliana Paes revela olheiras profundas". O curioso é que ela ainda está linda, mesmo com as olheiras. Mas o mais importante é: a quem interessa uma notícia dessas?

 Mais sobre o preconceito de todos nós. Em reportagem na Carta Capital, uma jornalista questiona críticas feitas à Luana Piovani no processo contra o ex-namorado Dado Dolabela, que a agrediu fisicamente. Segundo muitos, Piovani é uma "celebridade cheia de dinheiro", "uma chata oportunista" que "estava bêbada em uma festa no momento da agressão". Sinceramente, também acho Luana Piovani uma mala sem alça, sei que ela é rica e não duvido que ela estivesse bêbada na festa em que foi agredida. Nada disso, porém, faz com que a agressão se justifique.

Não é o que pensam algumas das mulheres que comentaram a reportagem no site. Vale conferir. O preconceito está mesmo em toda parte.


1

Tapa na Cara

por Maria C.

O Ministério Público Federal e Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero propuseram Ação Civil Pública em desfavor de Sony Music Ind. Com. Ltda. e Furacão 2000 Produções Artísticas Ltda, pela propagação e divulgação das músicas “Tapinha” e “Tapa na Cara”, cujas letras seriam ofensivas à dignidade feminina, banalizariam a violência contra as mulheres e causariam dano moral difuso às mesmas, motivo pela qual pediram sua condenação.

O pedido foi julgado parcialmente favorável em Juízo de primeiro grau. No dia 12.07.13 o Tribunal da Justiça da 4ª Região reformou a decisão. No acórdão, um dos desembargadores pediu vista dos autos, e em 24 longas páginas, elaborou voto reformando a sentença de primeiro grau e julgando favoravelmente às gravadoras.

Em resumo, as razões do voto consistem: na afirmação de que as músicas são do gênero artístico funk e pagode, e deste modo, falam de realidades distintas e configuram formas de expressão populares a serem toleradas; não há prova de que ouvir a música e/ou sua divulgação aumente a violência e a agressão contra as mulheres (relação de causa e efeito); o direito de expressão e à livre iniciativa é garantido constitucionalmente, o qual só pode ser limitado quando verificado perigo concreto aos outros e à sociedade.

O voto apenas demonstra o óbvio, a concreta institucionalização do papel da mulher enquanto mero objeto, a supressão de sua tentativa de voz e a triste constatação de que as iniciativas tomadas são relegadas ao nível da abstração, dedicando os operadores do direito a manterem o status quo do patriarcado e nossas eternas algemas.

Não vou fazer uma análise jurídica do voto do desembargador, que não cabe aqui. Em sua qualidade de magistrado, atuou conforme sua jurisdição e aplicou os princípios e normas que reputou legítimos. Mas, na qualidade de cidadã, de mulher destinatária desta norma individual ditada no acórdão – porque a música nos afeta a todas, indistinta e difusamente – tomo a liberdade de comentá-la de forma despretensiosa, sem tecnicismos, e o faço com toda a liberdade de expressão que o dr. desembargador exaltou.

De início, é óbvio por demais que uma música, poema, texto ou qualquer coisa, cujo título seja “Tapinha” ou “Tapa na cara” e afirme e repita “dói, um tapinha não dói [...] um tapinha eu vou te dar”, e outra “tapa na cara, se você quiser eu vou te dar” em que o narrador/locutor é um sujeito masculino o qual se dirige na fala a um sujeito feminino em sua narrativa, contém em si pressuposta a violência, a aceitação da violência contra as mulheres, sua banalização mais típica.

Está no título, na letra, na voz. Nada é implícito. É claro que a letra não diz ‘espancar é legal’, isso não é socialmente aceitável. Aceitável é “dar uns tapas pra sua patroa saber quem manda, afinal, ‘um tapinha não dói’; nem um ‘tapa na cara’ mesmo, em se tratando do ambiente doméstico”.

Note-se que a letra, a música, precisa sempre ser contextualizada para ser salva de qualquer interpretação agressiva contra as mulheres. Disse o acórdão: “são discursos de atos de amor”. Ah, nós não havíamos entendido... Afinal, não há uma linha tênue entre a violência gratuita e cultura do estupro.

Quando se diz que “um tapinha não dói”, ao se diminuir a palavra, “só um tapinha”, torna-se o discurso tolerável, quase amável. O discurso quase incute uma confusão entre a agressão e o carinho (essa é a perspectiva do MPF). De outro lado o ‘tapa na cara’ é dado se é pedido pelo sujeito feminino. Ora, ela apanha porque quer, porque pede. O sujeito masculino não tem culpa por bater, a culpa é toda da vítima, do sujeito feminino na fala da música, que pede, que implora pelo ‘tapa na cara’. Tudo culpa dela. E olhe que em nossa cultura, o ‘tapa na cara’ é a maior das violências, é uma verdadeira humilhação.

Como não afirmar que as músicas expressam a banalização da violência contra a mulher? Ao ouvir alguém cantando “dói, um tapinha não dói” para sua namorada, o que se extrai desse quadro? Evidente, jamais se afirmará que esse sujeito irá agredi-la, por ter entoado/ouvido a canção. Mas é também evidente que seu ambiente lhe afirma que é normal dar um tapinha ou uns tapinhas, que não dói. Nem um tapa na cara - é aceitável, ela está pedindo.

O discurso, em seu ambiente de lazer, de descontração, lhe afirma que o carinho e agressão se confundem, que a violência contra a mulher é irrefletida; e que não há problema: não dói na primeira situação e na segunda, é culpa dela. Como não sentir, ao ouvir as músicas, que elas repercutem, tornando a incutir a ideia eterna de que a mulher deve ser subjugada, dominada, calada?

Tudo isso dado o contexto atual da violência doméstica, tão alarmante que gerou a Lei Maria da Penha. No Brasil a cada 4 minutos uma mulher é vítima de violência doméstica, 70% dos incidentes ocorrem no lar, sendo o marido/companheiro o agressor habitual; em 40% das vezes há lesões graves; e os gastos sociais resultantes representam 10,5% do PIB nacional. O Governo Federal e a sociedade brasileira têm investido em marketing a fim de coibir e prevenir a violência de gênero e doméstica e conscientizar as mulheres de seus direitos.

Se a questão são números o problema é relevante. Ainda assim entendeu-se que não há problema na divulgação de músicas que falam de bater em mulheres (porque é uma pancada leve, um tapinha, um tapa na cara), que esta situação tão cotidiana não fere a dignidade humana feminina, ainda que o ordenamento jurídico tenha criado a Lei Maria da Penha, em reconhecimento histórico da violência sofrida pelas mulheres e da extrema necessidade de seu combate.

Infelizmente é um discurso que se repete em todas as mídias: está instituído há muito tempo e estamos tentando derrubá-lo com pouquíssimas e pequeníssimas vitórias há poucas dezenas de anos.

A negativa no julgamento joga na nossa cara essas obviedades insuportáveis. Juridicamente, até a década de 1950, as mulheres nem eram consideradas plenamente capazes, sempre sob a tutela do pai ou do marido. E estamos falando da questão formal, imagine na realidade, que é sempre mais crua e cruel.

Banalização? Imagina.
A verdade é que a liberdade ainda não chegou para nós. Estamos sendo utópicas em sonhar com igualdade. Nossa sociedade verdadeiramente não nos reconhece como sujeitos de direitos, pessoas dotadas de ideais (e ideias), sujeitos investidos de princípios.

Somos consideradas em maior grau objetos de direitos, e é por isso que se permite que ideias e imagens de domínio sobre nossas vidas e nossos corpos se propaguem como sendo normais, cotidianas, ordinárias, comuns, parte da realidade brasileira, de nossa expressão cultural. Não são. Não para os objetos de dominação.

A liberdade de expressão e de livre iniciativa das gravadoras foi preservada, sob os ideais da Constituição. Mas a dignidade humana feminina, concretamente, foi ignorada.

Queremos não apenas ser declaradas livres e iguais numa lei escrita, mas queremos ser reconhecidas efetivamente como sujeitos de direitos. Diferente de uma cadeira, não somos objetos.




5

Papa, afásicos, agnósicos e essa juventude

por Tággidi Ribeiro

"Não tenho ouro nem prata, mas trago o que de mais precioso me foi dado: Jesus Cristo."
As palavras que me servem de epígrafe são do Papa Francisco, em seu primeiro discurso ao povo brasileiro. Não sei que aconteceu a vocês quando as leram ou viram/ouviram, mas eu ri. Depois, fiquei com raiva, indignada: como tinha coragem de usar 'essas' palavras?! 

Meu riso me lembrou de Oliver Sacks em um de seus contos não-ficcionais, de cuja história é possível depreender que o riso que irrompe em meio à fala do outro pode ser uma mostra de que alguma parte de nós não acredita nessa fala; também, portanto, de que alguma parte do outro pode estar mesmo mentindo. Ademais, no mesmo conto, vemos até que ponto a escolha das palavras pode ser importante para estabelecer o sentimento de verdade em relação a um discurso.

Assim, em 'O discurso do Presidente', presente na coletânea O homem que confundiu sua mulher com um chapéu, Sacks refere a reação de um grupo de afásicos ao discurso de seu Presidente: uma gargalhada estrondosa. Oliver Sacks logo explica que muitos afásicos, incapazes de compreenderem as palavras em si, têm intensificadas as capacidades de reconhecer o tom e a intenção da fala, além do 'ar afetado' e de 'qualquer falsidade ou improbidade na aparência ou postura do corpo' do outro, do que resulta ser praticamente impossível enganar um afásico. Daí a gargalhada daquele grupo: o Presidente mentia. 

Um distúrbio cerebral oposto à afasia, contudo, tampouco pôde encobrir a tentativa de manipulação do discurso do Presidente. Na mesma ala dos afásicos, uma paciente com agnosia tonal, na qual preserva-se a compreensão das palavras mas perde-se o senso de 'tom, timbre, sentimento e caráter' da fala, foi taxativa ao afirmar sobre o discursante: "Seu uso das palavras é inadequado. Ou ele tem deficiência cerebral, ou alguma coisa a esconder." 

Assim, entre o riso e o incômodo, eu e outros tantos 'normais', como se somando alguma afasia e agnosia, declaramos mentiroso o discurso do Papa Francisco, na escolha das palavras e no tom de voz baixo, no ritmo pausado, calmo, na dicção clara, na postura comedida. O paradoxo entre sua fala e o que ostenta não deixa, para nós, margem alguma a dúvidas. Estas reações pincei do Facebook: 
Discurso do Pontífice: "não tenho ouro nem prata".
Não sei de vocês, mas adoro gente que tem bom humor...
Um buffet simples na recepção (água, café e biscoitos) para o Papa, custeado com os recursos do Estado, pelo módico valor de R$ 1300,00 por pessoa, totalizando R$ 850.000,00. ‪#‎dormeBrasil  
Até um tumblr foi criado para zombar da imagem de figura humilde que o Papa tenta vender ao mundo: http://papahumildao.tumblr.com/page/2 

Ocorre que milhões de outros normais, ajudados, diria Sacks (e aqui eu o parafraseio), pelo desejo de serem enganados, de fato se deixaram enredar. "E tão astutamente foram combinados o uso enganoso da palavra com o tom enganoso, que só os que tinham dano cerebral ficaram ilesos, não foram logrados."

A Juventude

Há dentre esses milhões de normais enredados pelo Papa, milhões de jovens. Brasileiros que ontem estavam empunhando cartazes nas manifestações, protestando contra a corrupção, contra a impunidade e a violência; contra a desigualdade social, por saúde e educação. Esses jovens, desconfiados dos políticos e da política, mas crentes em deus e na Igreja Católica, parecem viver em outro mundo: eles nunca leram sobre os escândalos de pedofilia dentro da ICAR, jamais punidos? Nunca leram sobre as denúncias de lavagem de dinheiro, nem sobre como a Igreja enriqueceu vendendo o reino dos céus? Não percebem que há algo de muito errado entre o valor de R$ 118 milhões gastos em uma única visita e a fala 'não tenho ouro, nem prata'? Nunca ouviram falar da deseducação promovida pela ICAR com o fito de tornar o mundo ainda mais preconceituoso e desordenado? 

A humanidade está ameaçada pelos homossexuais; aborto é assassinato; é pecado usar camisinha e tomar anticoncepcionais, mesmo em países onde o número de casos de AIDS é espantoso: a Igreja Católica é esse crime, essa mentira - com um pouco mais de perspicácia, podemos lê-lo na própria cartilha distribuída aos jovens da JMJ. Com que desonestidade, contudo, o "kit peregrino" promove a desinformação, e com que docilidade o rebanho jovem se deixa estar, sem ao menos querer pensar e de fato buscar compreender em que contexto se inserem todas essas questões e com que seriedade devem ser discutidas e transformadas em politicas públicas.

Penso nas jovens mulheres, nas adolescentes e crianças que rezam alegres por uma igreja que as desrespeita fundamentalmente. Já pensaram, essas meninas, nos médicos e na mãe da menina de 9 anos, excomungados pela ICAR por terem permitido que ela abortasse o fruto de um estupro, em uma gravidez de alto risco? (Mas o estuprador pedófilo, padrasto da menina, não foi excomungado.) 

Penso nas corajosas mulheres de peitos nus que foram protestar por um Estado laico. Penso nas Católicas pelo Direito de Decidir. Penso no Estatuto do Nascituro, no PLC 122, no PL 60/99. Algum dos jovens da JMJ conhecerá de fato, sem preconceito, sem ideias rasas, algum desses tópicos? Terá respondido ao menos um 'sim' a alguma dentre tantas perguntas?

Uma juventude ignorante, que se recusa a saber, que escolhe não saber, é o verdadeiro mal. E, como em outros momentos da história, pode novamente agora contribuir com sua força, energia e estupidez para piorar o mundo.

ps: Jesus renegaria essa Igreja, esses mercadores do Templo.
ps2: links nas palavras em vermelho. 



1

Versos e Subversas: Jacinta Passos

Menina, minha menina, 
carocinho de araçá, 
cante 
estude 
reze 
case 
faça esporte 
e até discurso, 
faça tudo o que quiser 
Menina! 
não esqueça que é mulher. 
Jacinta Passos  

Certamente, há pouquíssimas vidas tão inspiradoras como a de Jacinta Passos (1914-1973) no Brasil (e na América!), no período em que viveu. Nascida numa cidadezinha do interior da Bahia, Cruz das Almas, numa família abastada e profundamente católica, Jacinta vai aos poucos renegar todos os valores tradicionais, assumindo uma busca incessante por sua liberdade e a de todos. Dedicada à poesia e à escritura, torna-se uma importante jornalista e ativista social na década de 40 em Salvador, abandona o catolicismo e se aproxima de intelectuais comunistas como Jorge Amado. Jonalista, intelectual e poeta, Jacinta sabia que precisava se esforçar em dobro para enfrentar os valores conservadores, machistas e patriarcais tão vivos na década de 40. Casa-se em 1944 com James Amado (irmão mais novo de Jorge Amado) e filia-se ao PCB, carregando, desde então, mais um estigma, a de militante comunista. Chegou mesmo a ser candidata em 1945 a deputada, única mulher candidata no período, mas não foi eleita. 

Produziu uma pequena, mas fantástica obra literária que foi elogiada por Mário de Andrade e Antônio Candido. Com a ilegalidade do PCB, Jacinta passa para a militância clandestina, sempre usando de suas poesias para os trabalhos de propaganda políticas. Em 1951, encontrava-se no Rio de Janeiro quando sofre sua primeira crise nervosa com delírios, eram os sinais da esquizofrenia. Desse período em diante, já separada do marido, até o fim da sua vida viverá o preconceito múltiplo, por ser mulher, artista, comunista e, agora, "louca". Em diversos momentos, sua família justificou seus posicionamentos políticos radicais como "loucura" e foi mesmo presa em um sanatório por um prefeito que, incomodado com sua militância, alegava sua demência pela extremada virulência de suas palavras e posturas.

Seu tipo de esquizofrenia permitiria uma vida dita "comum", em sociedade, caso fosse tratada adequadamente. Mas foi internada e submetida à choques elétricos, injeções de insulina e tranquilizantes. Jacinta Passos sempre afirmava que era uma presa política e por isso não aceitava nenhum tipo de regalia nos manicômios. Durante os 7 anos que ficou internada, continuou escreveu regularmente, compondo à mão poemas, peças para teatro, radioteatro, aforismos, textos sobre teoria da arte, poesias e reflexões políticas (preencheu cerca de 3.348 páginas de caderno manuscritas no período, quase 560 páginas por ano, quase 16 páginas por dia). A lucidez de sua escrita, como atesta o poema abaixo, evidencia como não portava nenhum distúrbio grave que impedisse sua vida cotidiana. A sua "loucura" era ser "mulher, artista e comunista":  
Estudos de lógica: 
O sanatório é Bahia ou Bahia é um sanatório? 
A mulher está presa porque é comunista ou é comunista porque está 
presa?
O homem tem família porque tem propriedade privada ou 
tem propriedade privada porque tem família? 
Este homem faz 
continência porque trabalha ou 
trabalha para fazer continência? 
Os trabalhadores da arte trabalham para fazer figuração ou 
fazem figuração porque trabalham? 
Eu faço arte porque sou artista ou sou artista porque faço arte? 
(caderno 14, escrito em setembro ou outubro de 1967) 


O esquecimento (apagamento) da vida e obra de Jacinta corroboram o tratamento que como mulher e militante recebeu por toda sua vida. Mas, felizmente, sua luta e poesia aos poucos vão sendo resgatadas: em 2010, sua filha Janaína Amado, organizou uma bela antologia "Jacinta Passos, coração militante: obra completa: poesia e prosa, biografia, fortuna crítica" e também um site: http://jacintapassos.com.br/. Alguns estudos também começam a aparecer. Para quem se interessar há um artigo de Rosângela Santos "Jacinta Passos, loucura ou marginalização?" e o livro "A história esquecida de Jacinta Passos" de Dalila Machado. Abaixo selecionei quatro poemas e um vídeo em que sua filha, Janaína, fala da vida de sua mãe. 

Que a memóriva viva da vida e luta de Jacinta Passos, enfrentando preconceitos familiares, sociais, políticos, possam inspirar tantas outras mulheres, e homens!  (por Jeff Vasques)


                Canção do amor livre

                Se me quiseres amar
                não despe somente a roupa.

                Eu digo: também a crosta
                feita de escamas de pedra
                e limo dentro de ti,
                pelo sangue recebida
                tecida
                de medo e ganância má.
                Ar de pântano diário
                nos pulmões.
                Raiz de gestos legais
                e limbo do homem só
                numa ilha.

                Eu digo: também a crosta
                essa que a classe gerou
                vil, tirânica, escamenta.

                Se me quiseres amar.

                Agora teu corpo é fruto.
                Peixe e pássaro, cabelos
                de fogo e cobre. Madeira
                e água deslizante, fuga
                ai rija
                cintura de potro bravo.
                Teu corpo.

                Relâmpago depois repouso
                sem memória, noturno.

Canção da liberdade

Eu só tenho a vida minha.
Eu sou pobre pobrezinha,
tão pobre como nasci,
não tenho nada no mundo,
tudo que tive, perdi.
Que vontade de cantar:
a vida vale por si.

        Nada eu tenho neste mundo,
        Sozinha!      
        Eu só tenho a vida minha.

Eu sou planta sem raiz
que o vento arrancou do chão,
já não quero o que já quis,
livre, livre o coração,
vou partir para outras terras,
nada mais eu quero ter,
só o gosto de viver:

        Nada eu tenho neste mundo,
        sozinha!
        Eu só tenho a vida minha.

Sem amor e sem saúde,
sem casa, nenhum limite,
sem tradição, sem dinheiro,
sou livre como a andorinha,
tem por pátria o mundo inteiro,
pelos céus cantando voa,
cantando que a vida é boa.

          Nada eu tenho neste mundo,
          Sozinha!
          Eu só tenho a vida minha.


Canção da partida
Bernadete é preta
é preta que nem tição.
Bernadete é pobre,
é pobre sem um tostão.

(...)

- Pelo sinal da pobreza!
- Pelo sinal de mulher!
- Pelo sinal!
da nossa cor!
Nós somos gente marcada
- ferro em brasa em boi zebu –
ninguém precisa dizer:
Bernadete, quem és tu?


Canção atual
Plantei meus pés foi aqui
amor, neste chão.

Não quero a rosa do tempo aberta
nem o cavalo de nuvem
não quero
as tranças de Julieta.

Este chão já comeu coisa
tanta que eu mesma nem sei,
bicho
pedra
lixo
lume
muita cabeça de rei.

Muita cidade madura
e muito livro da lei.
Quanto deus caiu do céu
tanto riso neste chão,
fala de servo calado
pisado
soluço de multidão.

Coisas de nome trocado
– fome e guerra, amor e medo –

Tanta dor de solidão.

Muito segredo guardado
aqui dentro deste chão.
Coisa até que ninguém viu
ai! tanta ruminação
quanto sangue derramado
vai crescendo deste chão.

Não quero a sina de Deus
nem a que trago na mão.
Plantei meus pés foi aqui
amor, neste chão.

Entrevista com Janaina Amado sobre sua mãe, Jacinta Passos:

1

Sexualidade e felicidade clandestinas

por Thais Torres


Reinaldo Arenas é um escritor cubano que Caio Fernando Abreu, autor que estudo no doutorado, profundamente admirava. Uma descoberta fascinante e uma das melhores que fiz ao longo do tempo em que estudo os contos do escritor brasileiro. O curioso é que Arenas e Abreu são escritores diferentes, mas há muitos pontos de contato entre a vida e a obra de ambos: os dois foram - em menor ou maior medida -  perseguidos por conta de suas posições políticas e de sua vida sexual. Viveram um período no exílio, algo que influenciou profundamente suas obras. Além disso, assumiram sua homossexualidade e defenderam abertamente a liberdade erótica dos sujeitos. E fizeram isso em contextos autoritários em que a mera possibilidade de liberdade de pensamento é um crime dos mais terríveis.



Em sua auto-biografia, Antes que anoiteça, Arenas relata sua infância pobre no interior de Cuba, o breve período em que lutou no exércíto de Fidel Castro, sua juventude sexualmente livre passada à beira do mar do Caribe e a longa perseguição que sofreu por parte da ditadura castrista. Foi duramente perseguido por conta de suas posições políticas assumidas com muita coragem em um regime que punia qualquer liberdade erótica ou intelectual com a maior severidade. 

O livro é maravilhoso, extremamente bem escrito e de uma honestidade muito incomum. Trata-se daquele tipo de leitura que entretém e incomoda. Se, de um lado, a habilidade de escrita do autor torna a leitura um prazer, os assuntos abordados no livro são tão tristes e revoltantes que o prazer se transforma em dor e indignação. Já não sabemos mais o que sentimos com a leitura.

Um pequeno trecho em que Arenas descreve o período em que ele passou na prisão de El Morro:

 (...) aquela galeria número sete onde me confinaram; não era exatamente o lugar dos homossexuais, e sim dos presos que cometeram os mais diversos crimes. Os homossexuais ocupavam as piores galeiras de El Morro: as galerias subterrâneas que ficavam inundadas quando a maré subia; um lugar asfixiante e sem banheiro. Os homossexuais não eram tratados como seres humanos e sim como animais. Eram sempre os últimos a comer e por causa de uma besteira qualquer apanhavam cruelmente.

De minha parte, posso dizer que faço como a Clarice Lispector-menina em Felicidade Clandestina. Aquela personagem que, após um longo e humilhante processo, consegue ter em mãos o livro que tanto deseja, mas que adia o fim da leitura, criando "as mais falsas dificuldades para essa coisa clandestina que era a felicidade". 

Para além das minhas leituras, fico pensando na profundidade dessa sentença da Clarice. A felicidade é mesmo algo muito clandestino e proibido, sobretudo em contextos autorítários. E fica a pergunta: por que as ditaduras têm tanto medo da plenitude sexual?



Seguem alguns trechos do livro. Escolhi alguns que falam exatamente de maneira muito sensata sobre o risco que a felicidade e a liberdade erótica trazem. 



(...) o fato é que o prazer sexual se paga quase sempre muito caro; mais cedo ou mais tarde, por cada minuto de prazer que vivemos, passamos depois anos de sofrimento; não se tratava da vingança de Deus, é a vingança do Diabo, inimigo de tudo o que é belo. O belo, porém, sempre foi perigoso. Martí dizia que aquele que traz a luz permanece sozinho; eu diria que aquele que pratica certa beleza é, mais cedo ou mais tarde, completamente destruído. A humanidade não tolera a beleza, talvez porque não possa viver sem ela; o horror da feíúra avança cada dia a passos acelerados.




Uma das características mais lamentáveis da tirania é que levam tudo a sério e fazem desaparecer o senso de humor. Historicamente, os cubanos sempre fugiram da realidade através da sátira e da zombaria, mas com o advento de Fidel Castro o senso de humor foi desaparecendo até ser totalmente proibido; assim, o povo cubano perdeu uma de suas poucas possibilidades de sobrevivência; ao lhe tirarem o riso, tiraram-lhe também o mais profundo sentido das coisas. Sim, as ditaduras são pudicas, metidas a importantes e absolutamente enfadonhas.


Há um filme absolutamente imperdível que conta a história de Reinaldo Arenas. Quem faz o papel do escritor é ninguém menos do que o maravilhoso e brilhante Javier Barden. O filme tem a participação especial de Johnny Deep, no papel de um homossexual preso na cadeia de El Morro e que ajuda Arenas a levar seus manuscritos para fora do país. É uma livre adaptação da auto-biografia que recomendo aqui, mas um filme tão bacana e sensível quanto o livro.

O filme está no youtube, de graça!


0

Versos e Subversas: Gioconda Belli





Gioconda Belli (Nicarágua, 1948) é uma das poetas nicaraguenses mais conhecidas dentro e fora de seu país. Ainda jovem se integrou às fileiras da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) na luta pela derrubada do governo ditatorial de Somoza. Foi correio clandestino, transportou armas, viajou pela Europa e América recolhendo recursos e divulgando a luta sandinista. E, claro, no meio de tudo isso, escrevia suas poesias. Com o triunfo da Revolução Nicaraguense, em 1979, ocupou vários cargos dentro do governo revolucionário. Com a posterior burocratização do partido no poder, Gioconda se afasta da FSLN e passa a criticar duramente seu “endireitamento”.

De início, a poesia de Belli, produzida no contexto da revolução nicaraguense, coloca grande ênfase na união dos nicaragüenses contra a tirania de Somoza, tratando o amor de um casal como metáfora da unidade sociopolítica e de gênero em oposição a tirania. Esse amor era "arma contra a opressão… o desejo dionisíaco que vence a morte, o desespero". Belli apresentava, então, a mulher como a entidade destinada principalmente a dar amor, associada com o sentimental e com o passivo. Ela era a natureza e a paisagem nicaragüenses, a terra que esperava ser possuída pelo amante-guerrilheiro (ativo, forte e que domina o espaço público), dicotomia de gênero própria do universo patriarcal.

Porém, Belli também já incluía em seus versos elementos inovadores da representação feminina, fissuras no discurso patriarcal que evidenciavam a negociação que a escritora fazia entre o tradicional e o novo.  Com a vitória da revolução nicaraguense, essas fissuras vão aos poucos crescendo e uma nova identidade feminina vai se assumindo como voz dominante em sua poética, ainda que com recaídas próprias das tensões com o velho discurso. Belli realiza uma corajosa autocrítica do eu-feminino, reconhece o excessivo idealismo com que encarava as relações amorosas, passa a questionar abertamente a submissão da mulher e a defender que esta possa estabelecer seus próprios limites, suas próprias regras, o que realmente quer ou não quer no amor.

Vista em sua totalidade, a poesia de Belli é um fantástico registro da trajetória do eu-feminino, com seus conflitos e contradições de identidade até uma consciência feminista. Um retrato bastante genuíno das latinoamericanas-lutadoras do século XX e começo do XXI, com seus acertos e também com sua incansável negociação com a opressão tradicional de nossa cultura machista e patriarcal.

Jeff Vasques

 
NOVA TESE FEMINISTA
(Gioconda Belli, tradução  de Jeff Vasques)

Como te dizer
homem
que não te necessito?
Não posso cantar a liberação feminina
se não te canto
e te convido a descobrir liberações comigo.

Não me agrada a gente que se engana
dizendo que o amor não é necessário
-"tenha medo, eu tremo"

Há tanto novo que aprender,
formosos homens da caverna a resgatar,
novas maneiras de amar que ainda não inventamos.

Em nome próprio declaro
que gosto de me saber mulher
frente a um homem que se sabe homem,
que sei de ciência certa
que o amor
é melhor que as multi-vitaminas,
que o casal humano
é o princípio inevitável da vida,

que por isso não quero jamais liberar-me do homem;
o amo
com todas suas debilidades
e gosto de compartilhar sua teimosia
todo este amplo mundo
onde ambos somos imprescindíveis.

Não quero que me acusem de mulher tradicional
mas podem me acusar
tantas como quantas vezes queiram
de mulher.

REGRAS DO JOGO PARA OS HOMENS QUE QUEIRAM MULHERES MULHERES
(Gioconda Belli, tradução de Silvio Diogo)

I
O homem que me amar
deverá saber abrir as cortinas da pele,
encontrar a profundidade de meus olhos
e conhecer o que se aninha em mim,
a andorinha transparente da ternura.

II
O homem que me amar
não desejará possuir-me como uma mercadoria,
nem me exibir como troféu de caça,
saberá estar a meu lado
com o mesmo amor
com o qual estarei ao lado seu.

III
O amor do homem que me amar
será forte como as árvores de ceibo,
protetor e seguro como elas,
puro como uma manhã de dezembro.

IV
O homem que me amar
não duvidará de meu sorriso
nem temerá a abundância de meu cabelo,
respeitará a tristeza, o silêncio
e com carícias tocará meu ventre como violão
para que brotem música e alegria
do fundo de meu corpo.

V
O homem que me amar
poderá encontrar em mim
a rede onde descansar
do pesado fardo de suas preocupações,
a amiga com quem compartilhar seus íntimos segredos,
o lago onde flutuar
sem medo de que a âncora do compromisso
o impeça de voar quando queira ser pássaro.
de vir a ser pássaro.

VI
O homem que me amar
fará poesia com sua vida,
construindo cada dia
com o olhar posto no futuro.

VII
Acima de todas as coisas,
o homem que me amar
deverá amar o povo
não como uma palavra abstrata
tirada da manga,
mas como algo real, concreto,
a quem render homenagem com ações
e dar a vida, se necessário.

VIII
O homem que me amar
reconhecerá meu rosto na trincheira
joelhos no chão me amará
enquanto os dois disparam juntos
contra o inimigo.

IX
O amor de meu homem
não conhecerá o temor da entrega,
nem terá medo de se descobrir ante a magia da paixão
em uma praça cheia de multidões.
Poderá gritar - te amo -
ou colocar placas no alto dos edifícios
proclamando seu direito de sentir
o mais lindo e humano dos sentimentos.

X
O amor de meu homem
não fugirá das cozinhas,
nem das fraldas do filho,
será como um vento fresco
levando consigo, entre nuvens de sonho e de passado,
as fraquezas que, durante séculos, nos mantiveram separados
como seres de distintas estaturas.

XI
O amor de meu homem
não desejará rotular ou etiquetar,
me dará ar, espaço,
alimento para crescer e ser melhor,
como uma Revolução
que faz de cada dia
o começo de uma nova vitória.

NÃO ME ARREPENDO DE NADA
(Gioconda Belli, tradução base de Silvio Diogo, versão de Jeff Vasques)

Daqui, da mulher que sou,
às vezes me entrego a contemplar
aquelas que eu podia ter sido;
as mulheres primorosas,
modelo de virtudes,
trabalhadoras boas esposas
que minha mãe desejou para mim.

Não sei por quê
passei minha vida inteira me rebelando
contra elas
odeio suas ameaças em meu corpo
a culpa que suas vidas impecáveis
por um estranho feitiço,
me inspiram;

revolto-me contra seus bons ofícios,
os prantos noturnos sob o travesseiro,
às escondidas do marido
o pudor da nudez, por baixo da passada e engomada
roupa íntima.

Estas mulheres, no entanto,
olham-me do interior de seus espelhos,
levantam um dedo acusador
e, às vezes, cedo a seus olhares de reprimenda
e gostaria de ter a aceitação universal,
ser a “boa menina”, a “mulher decente”
a impecável Gioconda,
tirar dez em conduta
com o partido, o estado, as amizades,
minha família, meus filhos e todos os demais seres
que, abundantes, povoam este nosso mundo.

Nesta contradição invisível
entre o que deveria ter sido e o que é
travei numerosas batalhas mortais,
batalhas inúteis delas contra mim
- elas contra mim que sou eu mesma -

Com a “psique dolorida” despenteio-me
transgredindo ancestrais programações
desgarrando-me das mulheres internas
que, desde a infância, torcem o rosto para mim
pois não me encaixo no molde perfeito de seus sonhos,
pois me atrevo a ser esta louca falível, terna e vulnerável
que se apaixona feito puta triste
por causas justas, homens bonitos e palavras brincalhonas
pois, já adulta, atrevi-me a viver a infância proibida,
e fiz amor sobre escrivaninhas em horários comerciais
e rompi laços invioláveis e me atrevi a desfrutar
o corpo são e sinuoso com que os genes
de todos os meus ancestrais me dotaram.

Não culpo ninguém. Melhor, agradeço a eles pelos dons.
Não me arrependo de nada, como disse Edith Piaf.
Porém, nos poços escuros em que me afundo;
nas manhãs em que, ao entreabrir os olhos,
sinto as lágrimas fazerem força
apesar da felicidade
que finalmente conquistei
rompendo estratos e camadas de rocha terciária
e quaternária,
vejo minhas outras mulheres sentadas no vestíbulo
fitando-me com olhos doídos
e me culpe pela felicidade.

Irracionais boas meninas
rodeiam-me e desfilam suas canções infantis contra mim;
contra esta mulher
feita
plena
esta mulher de peitos em peito
e largos quadris
que, por minha mãe e contra ela,
eu gosto de ser.