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Recesso


Queridxs,

Como ninguém é de ferro - nem estas feministas duras na queda que vos falam - encerramos o ano por aqui.


O ano de nascimento do blog se encerra com muita satisfação e felicidade da nossa parte. Obrigada a todxs xs seguidoras que leram nossas postagens, divulgaram, curtiram e nos apoiaram. Agradecemos por todos os insights, comentários queridos e de crítica que nos fizeram continuar escrevendo e reelaborando alguns pontos.

Voltamos na semana do dia 7 de janeiro com mais textos provocativos, revoltados e controversos!

Desejamos a todxs um felicíssimo Natal e um Ano Novo cheio de renovações... e menos machismo!

Um grande abraço,
Bárbara, Maíra, Roberta e Tággidi


PS: O email continua funcionando, por isso não deixem de mandar mais 'causos' para o Sexismo de cada dia!

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Barbie engenheira e Barbie cientista

por Barbara Falleiros

Barbie professora e sua aluninha
E chegou o momento mágico do Natal! Nas últimas semanas, Mattel e companhia concentraram seus esforços no bombardeamento de pais e crianças com lançamentos como... a "Barbie Professora do Jardim de Infância" (sim, sim). Ora, como a Roberta comentou esta semana, ao oferecermos às crianças brinquedos que não reforcem os velhos estereótipos de gênero (carrinho para menino, boneca para menina, e só), não apenas ajudamos a criar adultos menos sexistas, como incentivamos essas crianças a desenvolverem novas habilidades. Com isso, proporcionamo-lhes outras possibilidades de identificação que podem contribuir, mais tarde, para combater a divisão sexual do trabalho e das profissões. Não basta que cada criança possa ser o que quiser quando crescer, é preciso ensinar às meninas que também é legal querer ser engenheira e cientista.

Assisti esses dias a um vídeo publicitário de um brinquedo chamado GoldieBlox, um jogo de construção desenvolvido por uma engenheira de Stanford que, surpresa com a quantidade ínfima de mulheres na sua turma, decidiu fundar uma companhia de brinquedos para encorajar as meninas a se interessarem por engenharia. Para ela, não era suficiente pintar um jogo de construção de cor-de-rosa (como fazem muitas marcas de brinquedo). Suas pesquisas mostraram que meninas tendiam a gostar mais de ler, por isso ela associou o jogo de construção a uma série de livros.


Incentivar as mulheres a seguirem carreiras científicas... Muitos dos que acompanham as Subvertidas devem se lembrar de um vídeo produzido pela União Europeia com esta finalidade. Caricatura grotesca e sexista da "mulher cientista", o vídeo mostrava mulheres fatais em salto agulha, num fundo rosa, alternando instrumentos de laboratório e maquiagem.


Em resposta, a European Science Foundation lançou um concurso de vídeos: Science, it's your thing. O vídeo vencedor mostra como, em razão da presença massiva de homens nas áreas científicas (nota: há apenas 14% de mulheres na presidência das universidades europeias), as pesquisas acabam seguindo involuntariamente (ou não...) uma perspectiva masculina. É assim que os manequins de crash-test são baseados em corpos masculinos, os cintos de segurança dos carros não são adaptados para grávidas, 4/5 dos medicamentos retirados da venda num determinado período, nos Estados Unidos, traziam mais risco para a saúde das mulheres do que para a dos homens, que a compreensão da dor vem de estudos feitos unicamente em ratos machos... E se as mulheres não conseguem conquistar seu lugar na ciência, não é por falta de capacidade: estatísticas comprovam que sua presença em empresas e laboratórios aumenta a produtividade, a performance e o número de patentes registradas.


Já num registro cômico, jovens pesquisadoras britânicas realizaram uma paródia do vídeo da União Europeia. O contraste entre o ambiente real de trabalho (um verdadeiro laboratório) e a caricatura da cientista sexy mostra o quão ridícula e absurda é a imagem veiculada pelo vídeo oficial. E as cientistas tiveram a ótima ideia de convidar seus colegas homens para aparecerem dançando, como elas, de forma sexy/constrangedora. É quando o ridículo, exposto pelo padrão duplo, atinge seu máximo... Divirtam-se!




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Amor a toda prova: ensinando o que é ser homem

por Tággidi Ribeiro


Assisti esses dias ao filme Amor a toda prova, que pensei fosse uma comediazinha romântica inocente. Nada. É mais uma dessas produções machistas em que as mulheres são todas loucas e os homens se dividem nos estereótipos de 'banana', 'babaca' e 'o cara'. O cara é aquele tipo David Beckham, que se veste muito bem, é rico e elegante, absolutamente educado e bonito. O Beckham do filme, de nome Jacob Palmer e interpretado pelo Ryan Gosling (as mina pira), é ainda espirituoso e tem estratégias infalíveis pra levar uma mulher pra cama. Obviamente, Gosling/Jacob Palmer é o macho alfa do filme: as mulheres nunca tomam a iniciativa - ele escolhe quem vai pegar. E elas todas caem na dele. E quem não?

Bem, eu apostaria que mulheres que não gostem do tipo macho alfa arrogante de tanta confiança na testosterona rejeitem esse cara; que mulheres que não estejam a fim de transar no dia específico JP igualmente o façam; e que mulher, enfim, que não se sente à vontade pra transar com um cara que provavelmente não vai ligar depois rejeita Jacob Palmer. De outro lado, mulheres que gostem do tipo macho alfa, que estejam com vontade de transar e que estejam confortáveis com o fato de que provavelmente Jacob Palmer se materializará apenas uma noite irão efetivamente pra casa dele ouvir Dirty Dancing.


Nada de errado com essas mulheres - dizer sim ou não é uma prerrogativa, afinal, o corpo delas é delas. Suas ações ou reações, em todo caso, visam à satisfação própria ou do eventual parceiro ou ao menos não chegam a causar dano. Mas os homens sintetizados na figura de Jacob Palmer são claramente um problema. Não por quererem sexo - tem problema nenhum querer, inclusive com várias mulheres, ao mesmo tempo ou não. O problema é a essência desse querer e as práticas que derivam daí.

Esse homem crê, pois trata-se de crença e não mais, que nasceu para dominar, que esse é seu estar e ser no mundo. A mulher é inferior a ele, deve necessariamente sê-lo, de modo que qualquer tipo de relação em que ela esteja a seu lado como igual ou a ele seja superior é impensável. Esse homem não usa a mulher para fazer sexo, usa do sexo para reafirmar seu poder sobre a mulher - não importa o quão gentil ele seja, ele menospreza a parceira com quem dorme: por ser mulher, de antemão; por ter dito 'sim' e, portanto, ser 'fácil', 'vadia', 'puta' etc. No limite, homens como Jacob Palmer não fazem sexo, masturbam-se com uma mulher, já que o sexo, aqui, é elemento de afirmação de (uma ideia de) masculinidade, de heterossexualidade. Então, temos que: 1) nada há de mais importante para um (esse) homem que ser homem (senso comum = heterossexual, superior, poderoso); 2) essa forma do masculino não admite outra forma do feminino que não a da inferioridade e da submissão - sem a existência desta, a forma masculina se extingue; 3) o sexo é usado pra manutenção dessas formas, não objetiva o prazer.

Amor a toda prova é exemplar nesse sentido. Jacob Palmer faz um discurso sobre a perda da masculinidade a Cal (Steve Carell) quando o conhece e sabe que este foi traído e abandonado pela mulher; zomba dele por ter transado apenas com a esposa em toda a vida; deprecia eventuais gestos 'femininos' (como usar canudo para tomar drink). A partir daí, todo o esforço de Cal, auxiliado por Jacob, objetiva a recuperação de sua 'masculinidade' através da 'conquista' do sexo oposto.

Claro que tudo feito com uma boa dose de charme e carisma dos atores, além de algum humor, dá impressão de ser ok. Tudo dá certo no final. Cal recupera sua masculinidade, quer dizer, sua mulher. E Jacob Palmer acaba se apaixonando por, obviamente, uma mulher que recusa suas investidas e com quem não transa na primeira noite... Prova de que mesmo os grandes cafajestes se redimem quanto encontram uma mulher de valor, né?

Não.



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Sexismo de cada dia

Enviado por Fernanda

Trabalho numa empresa multinacional de grande porte e constantemente mencionam o fato de eu ser mulher. Meu ex-chefe, por exemplo, já me disse: "Ah, por você ser mulher, até que você cresceu rápido na empresa. Sobre a questão salarial, é assim mesmo."

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Porque a Darlene, sua filha, sua mãe e eu precisamos do feminismo

por Mazu



Na semana passada, recebemos um comentário dizendo que ser feminista era uma coisa ultrapassada e brega. A gente não deu mais do que a atenção merecida ao comentário por outros motivos, mas a questão de o feminismo ser visto como coisa do passado vira e mexe aparece.

Já falei sobre isso, e a Rô já falou sobre a necessidade do feminismo, mas nada melhor que uma história para deixar claro o quanto o movimento ainda tem para fazer e o quanto é necessário.

Vou aproveitar o momento de contação de histórias verídicas, que anda rolando com o Sexismo de cada dia, e vou contar a história da Darlene.

A Darlene trabalha em um salão de beleza que eu costumo frequentar, perto da minha casa. (Este é o momento em que as determinadas pessoas despecam de seus Louboutins porque uma feminista diz que vai ao Salão de Beleza). 

Enfim, Darlene tem 28 anos e uma filha de 12 anos. Até aí, a gente pensa: gravidez na adolescência, quem nunca viu? Do jeito que aconteceu com ela, eu nunca vi.

A Darlene, quando tinha 14 anos, morava no interior do Maranhão, numa cidade que, segundo ela, não tinha nem energia elétrica. Nessa época, ela brigou e brigou para poder continuar o colégio, já que os pais achavam que até o quarto ano, para uma mulher, estava bom demais e era o que colégio da cidade oferecia. Ela insistiu tanto que conseguiu ir morar com uma irmã casada (foi dada muita importância a essa informação), em uma cidade vizinha, para continuar os estudos.

No colégio, ela conheceu um rapaz de 25 anos que a cortejou, cortejou e, um belo dia, pegou na sua mão. (Ah, o escândalo!) Alguém viu, e o falatório começou: "fulano mexeu com a filha do ciclano", "Darlene, filha de x, não é mais moça". Ela me jurou de com força que nada aconteceu. Mal sabe ela como esse detalhe é absolutamente desimportante.

A maledicência foi tamanha que chegou aos ouvidos do pai da Darlene. Com a honra da família em jogo, ele foi a pé até a cidade vizinha (segundo a Darlene, é como se fosse de Taguatinga ao fim de Ceilândia - cara, é chão!) para tirar satisfação com o rapaz.

O que ela me disse foi que o rapaz ficou com tanto medo que se calou. Lá estavam o pai dela e os pais dele, todos indo para cima dele, e ele sabia que, naquele ponto, não adiantava nada dizer a verdade. E, então, finalmente, ele decidiu assumir que fez "mal" a Darlene e dizer que assumiria a responsabilidade. Segundo ela, o pai ficou satisfeito e até começou a fazer amizade com a família do "noivo" ali mesmo. 

Faltou só jogarem pedra na Darlene
Nesse mesmo dia, ele, um homem de 25 anos, foi buscar sua noiva, de 14 anos, na casa dos pais. E, a ela foram dadas as seguintes opções: vai com ele ou vai para rua.

E, assim, no ano de 1998 (perceba, não foi em 1898), no Maranhão (não foi no Oriente Médio), uma menina de 14 anos foi entregue, por seus pais, a um homem onze anos mais velho. Pela honra da família.

Coisa de Novela: a alegria da noiva!
Ela me jurou que foi feliz e que gostava muito dele e da família dele, mas e se não gostasse? E se não quisesse? E quanto das coisas que ela sentiu ou sentia não foram mecanismos de adaptação ou defesa? Ela me jurou também que até hoje, na cidade dela, é assim. Detalhe: a filha da Darlene, depois da sua separação há dois anos, foi para o Maranhão morar com a avó. Sim, essa mesma, a mãe que entregou a filha pela honra da família.

Preciso do feminismo porque meus pais me chamam
de "piranha" desde que fui violentada aos nove anos

Pois é, a gente fica aqui achando que um mundo é um lugar mais ou menos até escutar uma mulher dois anos mais nova que a gente dizer: eu casei obrigada, aos 14 anos de idade.

Vai ver que é mesmo o fim do mundo. E se não for, cara, como esse mundo precisa do movimento feminista!

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Sexismo de cada dia

Enviado por Fernanda


Estou grávida e li uma boa esses dias numa rede social. 
Meu marido colocou na página dele que 
nosso bebê é uma menina e um tal comentou: 
"É, agora você não é mais consumidor e sim fornecedor"

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Doentes somos nós

por Roberta Gregoli


A loucura consumista do natal está aqui e, com ela, o reforço dos estereótipos de gênero através o marketing sexista. Particularmente trágico, para mim, são os estereótipos de gênero reforçados por brinquedos infantis, que por sinal abundam já que, afinal, trata-se de uma das maiores e mais lucrativas fatias de mercado.

(Já adianto que um mundo em que brinquedos desafiam os estereótipos de gênero e propões novas possibilidades existe e é na Suécia. Veja aqui como seria esse mundo distante.)

Como diria a Riley, num tom compreensivelmente inconformado, meninos querem super-heróis e meninas também querem super-heróis, mas os fabricantes de brinquedo iludem as meninas para que comprem brinquedos cor-de-rosa:


E em toda a sua sabedoria, Riley hesita: "meninas querem brinquedos cor-de-rosa e meninos... meninos não querem brinquedos cor-de-rosa." Mesmo tão pequena, Riley já entendeu que tabu maior do que meninas querendo super-heróis, ou carros, ou espadas, são meninos querendo "coisas cor-de-rosa".

É claro que estão aí xs que insistem que as diferenças na escolha de brinquedos são inatas. Claro, porque é muito mais lógico que os seres humanos tenham desenvolvido mecanismos biológicos especificamente selecionados para fazer com que um menino goste mais de caminhões que de castelos cor-de-rosa do que considerar que a diferença entre os sexos, em geral, é dada e reforçada desde o nascimento.

Este excelente artigo discute pesquisas científicas sobre o assunto e conclui que:

Macacos à parte, é possível que a preferência por certos brinquedos seja resultado da pressão do grupo tanto quanto de diferenças inatas. Mais ou menos na metade da pré-escola, meninas começam a flexibilizar suas preferências e brincar com diversos tipos de brinquedo diferentes enquanto os meninos se tornam mais rígidos com seus brinquedos 'de menino' [...]. Uma explicação lógica para isso seria que meninos pagam um preço mais alto pela diversificação. Ninguém estranha quando uma menina brinca de basquete ou com um carrinho de corrida; pelo contrário, isso talvez seja visto com bons olhos. Mas um menino com uma boneca ainda é, para muitos pais, quase tão alarmante como era nos anos 70. Um estudo clássico da universidade SUNY Binghampton, por exemplo, mostrou que meninos estão duas vezes menos propensos a explorar brinquedos tipicamente femininos quando há outra criança no recinto. [minha tradução]

Um episódio recente que aconteceu na minha família ilustra bem como tais comportamentos normativos são constantemente vigiados, reforçados - ou seja, como eles não têm nada de natural - e como qualquer desvio mínimo pode resultar em choque e punição. Meu sobrinho queria uma boneca de natal. Queria. Ontem ele me explicou por que mudou de ideia, depois de uma conversa com o pai: "Tia, eu sou menino, eu tenho pipi. A plincesa Popstar tem peleleca." Apesar de estar há somente 3 anos neste mundo, ele já entendeu o conceito de cisgênero, segundo o qual o sexo biológico e o gênero confluem (ter pipi = gênero masculino, que na nossa sociedade não inclui gostar de bonecas).


Sem entrar no mérito do valor educativo da boneca Barbie, qual o problema em um menino querer uma boneca? Para o senso comum, muitos. Quando contei para uma amiga que queria comprar um bonequinha para ele, a reação foi: "Melhor não, vai que ele vira gay. Daí vão te culpar."

Nem vou discutir a homofobia na premissa de que "virar gay" é algo ruim, algo pelo qual alguém deva ser culpadx. Para além da homofobia, esse tipo de fala revela que o senso comum ainda não se tocou que orientação sexual, assim como o sexo biológico, não tem nada a ver com identidade de gênero. Que o diga o Laerte, que é transgênero e 'heterossexual' (cada vez mais me dou conta da limitação do paradigma hétero-homossexual. Ele se aplica a pessoas transgênero? E axs transsexuais? Como rotular um homem que nasceu mulher e é casado com uma mulher?).


Identidade de gênero, orientação sexual e sexo biológico são três coisas distintas e há uma série de combinações possíveis entre os três.

Ainda assim, querer uma boneca não tem necessariamente a ver com identidade de gênero. Por que bonecas não podem fazer parte do universo masculino? Brinquedos têm a função social de preparar as crianças para a vida adulta. Bonecas têm a ver com a esfera doméstica, com filhxs, e certamente precisamos de mais maridos e pais presentes, que de fato dividam o trabalho doméstico e o cuidado com xs filhxs.

É nessas horas que admiro ainda mais pais e mães que ousam sair da caixinha e apoiar seus filhos em gostos que desafiam o status quo opressor. Acho triste que, no mundo adulto, um menino usar saia seja um ato tão subversivo que vire manchete mundial. E curto as crianças por se importarem com o que gostam, sem dramas. Como quando o pequeno Sam, de cinco anos, explicou que não gostava dos sapatos que causaram tamanho furor na internet por serem cor-de-rosa, mas porque eram de zebra, seu animal favorito.


Percebemos, então, que todo o drama é criado pelxs adultxs, ansiosxs por reforçarem e reproduzirem esse monte de paranoias. E tudo por simples medo daquilo que desafia suas ideias pré-concebidas a respeito de gênero e sexualidade.

Negamos a nossas filhas o prazer de se imaginarem super-heroínas e aos nossos filhos a possibilidade de experimentar dar carinho e cuidado a um outro ser. Por isso não venham me dizer que Riley, Sam ou o meu sobrinho têm algum distúrbio ou 'confusão de gênero'. Doentes somos nós.

Deixo aqui, então, um guia de presentes não-sexistas para este natal, pois acredito que muito mais nocivo do que o medo infundado de criar um filho homossexual - como se isso fosse pior do que criar um filho machista - é impor nossos dramas às crianças.

E, pior, perpetuá-los por mais uma geração, que terá de abrir mão de parte de sua experimentação, criatividade e imaginação pelo medo dxs adultxs de tudo aquilo que difere de seus preconceitos - por medo do que é natural.


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Sexismo de cada dia

Enviado por Carol Gual

Recém voltada de uma temporada na Europa para fazer parte do meu doutorado, me vi na obrigação de comprar um carro uma vez que o transporte público em Campinas é caro, deficiente e perigoso (especialmente para uma mulher à noite - mais uma face do sexismo de cada dia).

Na minha peregrinação para achar o melhor negócio, estive sempre acompanhada do meu companheiro que adora negociar preços. Mas a escolha era minha, o carro era meu, o dinheiro era nosso. 

Numa revenda, chegamos para descobrir mais sobre um dos modelos. O sexismo começou já com o fato do vendedor - daqueles bem típicos vendedores de carros de seus 60 anos - começar a falar apenas com meu companheiro. O João logo foi dizendo que o carro era meu, então quem tinha exigências e opiniões acima de tudo era eu. Veio o primeiro comentário engraçadinho tipicamente machista: "Ah, é a patroa quem manda, o marido não tem escolha nenhuma mesmo".

Saí para fazer um test drive. No caminho o vendedor foi falando sobre as características do carro e tudo mais. Ao estacionarmos de volta ele abriu o capô para mostrar a motorização e veio o comentário machista número 2: "Essa parte agora é com o maridão, não vai interessar você". Confesso que não entendo de mecânica, mas isso não quer dizer que eu não poderia queria saber quantos cavalos tem o motor, quais cuidados eu deveria ter etc. Pergunto sobre o consumo. Ouço o comentário machista número 3: "Com mulher dirigindo, deve fazer uns 14 km por litro, mas se for como eu aí vai bem menos". Aí eu não resisti e respondi: "Bom, então comigo vai fazer pouco porque eu gosto de pisar bem". 

Os comentários do vendedor não foram o único motivo que me fizeram não optar por esse carro (o preço e o modelo também influenciaram), mas confesso que saí da loja tão desanimada. O pior é que todo comentário é feito num tom de brincadeira, como se fosse piadinha sem consequência. 

Comprei meu carro numa outra concessionária onde o vendedor me tratou simplesmente como um@ comprador@ e não como uma mulherzinha cujo marido iria agradar com um carro novo.

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A sobriedade subversiva da jovem Chanel

por Barbara Falleiros

Hoje o blog está um luxo! Seguindo os conselhos das nossas leitoras superdotadas e os passos da Tággidi e da Mazu, que ressaltaram a importância de se reconhecer às mulheres seu papel na História e nas artes, hoje vamos falar de... moda! É isso mesmo. O universo hostil da feminista caminhoneira peluda ficou para trás. Subvertidas, vistam seus Louboutins na nossa marcha contra as discriminações! E de quem mais poderíamos falar senão da embaixadora da elegância parisiense, Coco Chanel?

A besta
Bem, na verdade, há quase 30 anos o nome por trás da marca é o de Karl Lagerfeld que, agora falando sério, é uma besta. Suas declarações são sempre "polêmicas", isto é, preconceituosas, machistas, gordofóbicas. Primeiro disse que a Adele era gorda demais, depois encheu-a de presentes para se desculpar; afirmou ser contra o casamento gay e a adoção, porque lésbicas com crianças até vai, mas não tem muita fé na relação entre homens e filhos; disse que a "anorexia não tem nada a ver com a moda e sim com pessoas com problemas familiares"; que na França o problema mesmo é a obesidade, já que só há "1% de meninas anoréxicas contra 30% de mulheres acima do peso"; por fim, disse que Coco Chanel não era feminista porque nunca fora feia o suficiente para isso. Quanto senso de humor! [Not]. E você tinha a ilusão de que não existiam homossexuais machistas?

Se Coco Chanel se achava feia ou não, eu não sei. Sei que jamais se considerou feminista, e que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Chanel preferia a feminilidade, como se estes também fossem termos excludentes, ideia errônea que persiste ainda hoje. No entanto, Chanel é um belo exemplo de como as mudanças sociais acontecem aos tropeços, entre avanços e retrocessos, muitas vezes sem que seus atores tenham plena consciência de seu papel. Pois aquela que até o fim da vida foi chamada de Mademoiselle Chanel (senhorita), aquela que, como mulher, não obteve a legitimidade social por meio do casamento, sempre aspirou à liberdade e à independência. Suas criações refletiram estes anseios, com a aparição de silhuetas andróginas, magras, de uma estética esportiva, masculino-feminina.

O preto, cor do luto, atingiu com ela o ápice do chique. Chanel buscou a sobriedade dos hábitos das freiras, as linhas harmoniosas da abadia cisterciense onde passou sua infância, no orfanato.

A moda antes de Chanel: as "anquinhas"de 1880
"Mangas bufantes, rendas, bordados, frufrus, chapéus carregados como cestas de frutas: antes de Chanel, a moda arreia, deforma, comprime, ignora o movimento e a meteorologia.  Além de seus chapéus de linhas sóbrias, Chanel impôs à moda uma sobriedade inspirada nas vestimentas masculinas, de um rigor quase militar. O século XIX e seus exageros vestimentários herdados do Segundo Império foram mortos e enterrados por uma certa Chanel. Esta já desenhava a moda que seria necessária ao mundo e à classe dominante, então prestes a renunciar à ostentação, num país em plena guerra [Primeira Guerra Mundial]. Gabrielle Chanel inventou um conforto que anunciava a mulher moderna, em movimento, esportiva, livre. " (fonte)

Chanel encurtou as saias até o joelho, eliminou o espartilho, a cintura marcada. Nos anos vinte, foi uma das primeiras a usar cabelo curto.  Ela buscou no vestuário masculino as calças, que a lei francesa - desde 1799 e até hoje!! - proíbe as mulheres de vestirem. Ao longo de sua carreira, em um período que conheceu duas Grandes Guerras e duas reconstruções, ela introduziu o jersey, o tweed, os botões de uniforme, os cardigãs, as bijuterias.

"Devolvi ao corpo das mulheres sua liberdade; este corpo suava debaixo de 'roupas de parada' (desfile), de rendas, espartilhos, roupas de baixo, forros"

Contudo, no final da sua vida, Chanel reagiu de forma conservadora face à uma sociedade na qual já não se encaixava. Na sua famosa entrevista de 1969, começa contando uma cena que presenciara há alguns dias, na rua, entre um homem e uma mulher. O contexto não é claro, mas ela diz: "Pensei comigo: 'Se ela não se calar vai receber um bom tapa'. E ela o levou!"; "Mas ela mereceu".

Chanel jovem: de calças e blusa marinheiro
Pouco mais adiante, faz duras críticas às calças, que ela mesma introduzira na moda! 

Posso conceber perfeitamente que se use calças no campo, é o que há de mais útil, não passamos frio (...). Para começar, fui eu quem as inventei há quase vinte anos. Eu as inventei por pudor, porque na minha opinião andar por aí de roupa de banho é o equivalente a estar nua. Então, quando nós tomamos banho de mar e queremos continuar na praia, não é difícil vestir uma calça; uma saia não fica bonito, um roupão é horrendo, em conclusão, uma calça é ótimo. Mas entre isso e fazer disso uma moda... O fato de haver 70% das senhoras de calças em um jantar é muito triste. Calças ficam bem em pessoas muito jovens, mas em mulheres de uma certa idade, é como se tentassem rejuvenescer. E eu não conheço nada mais envelhecedor do que tentar rejuvenescer. Acho a coisa mais besta que pode acontecer com uma mulher. Dizer 'Se eu colocar uma calça parecerei mais jovem do que com uma saia' é de uma idiotice tremenda! Enfim, esta é uma época estranha... As mulheres parecem que estão se transformando, não sei, em outro sexo. Mas não sei como isso pode acontecer, porque colocar uma calça não muda seu rosto... (...) Eles [outros estilistas] fazem calças, eu tive que fazer calças, ninguém gosta mais de saias, gostam de calças...
Tive de brigar durante dois anos com todos os estilistas por causa desses vestidos curtos. Eu os acho indecentes! Eu não sou desta época, sabe? Para mostrar seus joelhos é preciso que eles sejam muito bonitos. É uma articulação. É como se ficássemos mostrando assim o cotovelo pra frente. É horrível! (...) E eu acho que quando a gente mostra tudo, depois não se tem mais vontade de nada...
Surpreendentemente moderna nos anos vinte, de um feminismo prático, ativo, a velha Chanel, embora lúcida na sua crítica à "eterna juventude" feminina, perde-se em declarações machistas, conservadoras. A dualidade de sua personalidade parece refletir sua marca: dois Cs entrelaçados, um virado para o futuro, outro olhando para o passado. Preto e branco. Já com mais de 80 anos e um tanto amargurada, Chanel se vê presa a um tempo intermediário e parece preferir aquelas mulheres contidas da década de cinquenta... Mas o caminho que antes ajudara a trilhar conduzira muito além. Para Chanel, era demais. O tempo agora era o do amor livre, das flores nos cabelos, das minissaias e dos jeans boca-de-sino. Da deselegância livre, fluida e colorida.


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Humor masoquista

por Roberta Gregoli

Essa semana ouvi mais de uma vez afirmações muito parecidas: piada de gordo feita por gordo não tem problema, piada de gordo feita por magro, sim. Por extensão, o mesmo se aplicaria a piadas que têm como alvo minorias étnicas e históricas (negrxs, judeus, mulheres).

Resolvi testar essa tese com este vídeo da Fernanda Young, que ironiza a Marcha das Vadias:


O fato da Fernanda Young ser mulher legitima a piada ou a faz mais engraçada? Se fosse um homem, reclamaríamos, mas por ser mulher tudo bem, certo? Errado. A 'piada' ter sido feita por uma mulher, para mim, faz do quadro ainda mais triste. Por que alguém gozaria do próprio grupo, minando a legitimidade de uma forma de protesto? 

Nesse caso específico, acho que existe um forte elemento de classe embutido na 'piada' de Young. É possível que ela brinque que quer ser encoxada no ônibus simplesmente porque ela não tem de pegar ônibus. É nessas horas que eu admiro a lucidez da Presidenta Dilma Rousseff quando diz que é mais difícil ser uma mulher comum do que presidenta da República porque a mulher do povo sofre mais violência e desigualdade salarial. Ou seja, é fácil para a Fernanda Young - que está com a barriga cheia, não sofre violência doméstica ou assédio de rua, reduzir a Marcha das Vadias a uma demanda por sexo caliente. É possível ter fantasias eróticas que envolvam violência física quando não se é vítima de violência de fato, quando se está empoderada o suficiente, no caso, com um emprego de reconhecimento financeiro e social. É fácil rir do assédio no transporte público quando se está dirigindo carro com o vidro fechado e insulfilm.

Enfim, como diria a sabedoria popular, pimenta nos olhos dos outros é refresco. Rir do ardume, então, é sadismo. Mas se, por um lado, em relação à classe social, Young está rindo da tragédia dos outros, por outro está rindo da própria miséria porque, apesar desse tipo de violência não fazer parte de seu cotidiano, ela, como mulher, também está sujeita a ser assediada, agredida, estuprada. Vai que o carro dela quebra.

Sobre humor e subversão, a melhor epítome que já vi está no essencial documentário O Riso dos Outros: "O humor que mais gosto é o que não ri da vítima, mas do carrasco". Veja aqui a partir da marca 43'35'' - mas vale a pena ver o documentário todo:


No humor, sempre se está escolhendo um lado: ou se ri da vítima ou do algoz.

E, quando se ri da vítima, não interessa se quem está rindo é a própria vítima ou o carrasco. Assim como no caso do humor machista de Fernanda Young, as piadas racistas de Danilo Gentili não seriam menos graves ou mais aceitáveis se fossem feitas por um negro.

É claro que existem piadas e piadas. Uma piada sobre minorias feitas por representantes dessa minoria  não é, necessariamente, preconceituosa. Ela pode ser autocrítica, empoderadora, subversora. Um exemplo sobre o mesmo tópico, a sexualidade feminina, é o da Margaret Cho, com uma piada mais ou menos assim (vocês podem ver a versão original aqui):

Um de meus primeiros empregos como comediante stand-up foi num cruzeiro lésbico. No barco, eu transei com uma mulher pela primeira vez. Daí veio todo o drama, será que sou gaaaay, sou héeetero? Então me toquei que só sou safada [I'm just slutty]. Cadê a minha parada? E o orgulho de ser vadia [slut pride]?
Diferente de Young, que, querendo afirmar seu gosto sexual acaba por justificar a violência de gênero, Cho afirma as mulheres como sexualmente ativas de uma maneira totalmente subversora, sobretudo por desafiar não somente a heteronormatividade como também o paradigma que divide a sexualidade feminina (e, por que não, humana) entre hétero e homossexual.

Interessante também o fato do show ser de 2000, ou seja, Cho antecipa a existência de uma marcha das vadias (em inglês, chamada Slut Walk) em mais de uma década, ainda que a Marcha das Vadias tenha reivindicações para além da liberdade sexual feminina, envolvendo questões como violência e ocupação do espaço público. Taí, então, um bom exemplo de humor inteligente, subversivo e pioneiro.

O humor que goza do carrasco, ou seja, desafiador do status quo e do senso comum preconceituoso é claramente mais complexo, exige mais esforço e sutileza. Existem também as piadas auto-depreciativas e sardônicas, que, quando feitas de maneira inteligente podem ser interessantes, mas a linha entre o reforço da opressão e o rir de si mesmo de maneira saudável é bastante tênue, ainda mais quando o assunto são minorias.

O humor que ri da vítima, como O Riso dos Outros defende, é o humor que gera o riso fácil porque reflete preconceitos e estereótipos já consolidados. É o humor que vomita de volta para a sociedade o que ela tem de pior. E, apesar dos comediantes toscos se sentirem lesados na sua liberdade de expressão (como se esse fosse um direito só deles), o nível de tolerância com esse tipo de humor é grande numa sociedade em que a educação ainda é largamente acrítica (ou simplesmente de má qualidade) e a grande mídia emburrece.

Como pode atestar qualquer mulher que tenha um mínimo de consciência e já tenha sido encoxada num ônibus, a piada da Young não é inofensiva. Ao naturalizar esse tipo de comportamento dizendo que isso é normal (pior, que é o que as mulheres querem), Young está participando na legitimação desse tipo de violência. Legitimando de maneira particularmente contundente e nociva porque, como mulher, ela supostamente teria maior autoridade para dizer "o que as mulheres querem".

Em resumo: uma piada nunca é inofensiva e sempre se está escolhendo um lado. A diferença entre o carrasco que ri da vítima e a vítima que faz piada sobre a própria condição é que, no segundo caso, o humor, além de perverso, é masoquista.

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A dificuldade de ser ateia

por Tággidi Ribeiro


Assumi há pouco o meu ateísmo - fora o tempo de criança/pré-adolescência, nunca acreditei em deus, que me parecia uma impossibilidade lógica e antes de tudo uma evidente construção sócio-histórica. Deus são vários deuses, mutantes no espaço-tempo e finitos, muitos mortos porque os povos que neles acreditavam foram aniquilados ou porque simplesmente deixou-se de acreditar neles (caso dos deuses gregos). Ou seja, os homens criam os deuses à sua imagem e semelhança, ao passo que as religiões derivam dessa criação, carregando a vontade (humana) de poder - a sanha totalitária -, e se mantêm ou sucumbem como um governo, pela capacidade de ordenar, reprimir, manipular e seduzir.

Enfim, não acredito em deuses, nem no que pregam as religiões, nem em vida após a morte, nem em manifestação sobrenatural alguma - a vida é uma e se encerra aqui. Obviamente, contudo, respeito que os outros acreditem, que professem suas religiões e cultuem seus deuses, desde que não façam rituais de sacrifício humano ou animal.

Tudo certo então, né? Eu na minha descrença, os crentes com suas crenças, todos convivendo felizes e bonitos, respeitando uns aos outros. Bem, não, não está tudo certo. E por quê? Por conta de preconceitos como os seguintes:

1. "Ateu é mau. Se você não tem deus no coração, então você tem o diabo. E quem não ama deus e ama o diabo é mau." Bem, até onde eu sei, Hitler amava deus e o Betinho era ateu. Quem era mau?

2. "Ateu é uma gente deprimida, pesada, não acredita em deus porque dá tudo de errado na vida dela." Hum, é mesmo... E, por falar nessa gente infeliz, coitado daquele casal ateu, o Brad Pitt e a Angelina Jolie, hein? 


3. "Se você não acredita em deus, você pode até não ser mau, mas não tem motivo algum pra fazer o 'bem' para outras pessoas." Sério? O único motivo de fazer o 'bem' é agradar deus? Você não faz isso porque, tipo, as outras pessoas, assim como você, merecem/precisam?

4. "Você é ateu porque é ignorante. Até os cientistas já têm provas de que deus existe." Uai, e por que eles ainda não contaram isso pra todo mundo????!!!! Pras igreja tudo, pelo menos? E tem outra: bem, tem cientista que prova que mulheres naturalmente gostam mais de rosa... não dá pra levar a sério.

5. "O ateu é um fundamentalista cético, que não quer saber de nada que vá abalar a sua 'crença' de que deus não existe". Risos, em primeiro lugar. Gente, ateísmo não é uma crença, justamente porque não é necessário acreditar para ser ateu... Se algum ateu não liga para o que você fala, ele pode simplesmente estar respeitando você, sabia? Em vez de perguntar se você acredita em unicórnios.


Então é isso! Vocês conhecem gente religiosa do bem e do mal. Existem ateus do bem e do mal. Vocês conhecem gente religiosa legal e gente chata. Rola com os ateus também. Vocês conhecem gente religiosa deprimida e gente feliz. Pois é, ateus também têm seus altos e baixos. Em suma: não somos diferentes, somos tais e quais, humanos com defeitos e qualidades - só não achamos que existam céu e inferno ou qualquer outra coisa maravilhosa. Portanto, deixem os preconceitos de lado e vamos viver sossegadamente, vamos conviver.


ps: "Um post ateísta num blog feminista? Que estranho!" - fazemos posts sobre preconceitos relacionados à homossexualidade e ao racismo, por que não um sobre ateísmo?




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Dicas das tias feministas - Quando devo fazer sexo?

por Mazu



Quando se é menina e se faz sexo, existe o risco de ser julgada como galinha, piranha e outros adjetivos do tipo. Quando você não faz, você corre o risco de ser chamada de mal-comida, forever alone, e assim vai.

Por sua vez quando você é menino e você não faz sexo, você pode ser julgado como forever alone, viadinho, gay (como se os companheiros gays não fizessem sexo, vai vendo...) e assim vai. Quando você faz e não conta para ninguém, tem o mesmo efeito.


Tendo em vista esse dilema, titias, hoje, vão dizer quando se deve e como se deve fazer sexo. (ui, essas titias são tão sabidas!)

Quando se deve fazer sexo? Quando você quiser.

Você deve fazer por pressão do namorado? Não.

Você deve fazer por pressão dos amigos? Não.


Você deve fazer por medo de perder o namorado, emprego ou qualquer coisa? Não.

Mais uma vez, quando fazer? Quando quiser.

Quando não se deve fazer? Quando você não quiser.

Você deve deixar de fazer por medo de ser chamada de nomes ou "pegar fama"? Não.

Você deve deixar de fazer porque sua opção sexual não é "padrão"? Não.

Você deve deixar de fazer por pressão religiosa, familiar ou social? Não.


Quando deixar de fazer? Quando não quiser.

E como fazer? Com respeito, com segurança (vistam a toquinha) e com consentimento.

E lembre-se, se alguém fizer chantagem ou forçar de qualquer maneira uma relação sexual com você ou com alguém que você conheça, é crime. 190!

Então é isso, amiguinhos, até a próxima!


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O medo da mancha: mitos e tabus do sangue feminino


por Barbara Falleiros


Há alguns meses, no reality show A Fazenda 5, da Record, a declaração de uma participante provocou polêmica: "Estou de chico!", disse com naturalidade a bailarina. O que ela não sabia é que dessas coisas não se fala, menina! Ainda mais usando um eufemismo tão vulgar. Escândalo. Seus colegas não tardaram a reagir. Um humorista tentou corrigí-la: "Logo você? Toda bonitinha, toda jeitosinha, [dizendo] 'estou de chico'? [Diga] 'estou menstruada'..." Uma apresentadora ponderou que a expressão "estar de chico" seria aceitável em uma conversa entre mulheres, mas quando houvesse homens envolvidos o melhor seria dizer "estar naqueles dias". A dançarina Gretchen, a Rainha do Bumbum, foi quem mais se indignou: Como é que a outra pode falar aquilo na frente do caseiro? "O pior é que é um assunto nojento!" - concluiu. Assim como a Roberta apontou no post sobre humor escatológico, certos assuntos sujos e nojentos continuam proibidos para mulheres bonitinhas e bem educadas, mesmo quando dizem respeito ao seu próprio corpo.

O medo da mancha. Dentre todas as angústias que enfrentam as meninas no início da adolescência, talvez essa seja a maior. "Você pode ver se a minha calça está manchada?" - murmura-se num canto do pátio. Mais tarde, as mulheres adultas continuam a esconder seus absorventes em compartimentos ultrassecretos, e a ficarem vermelhas quando, por descuido, deixam cair da bolsa um OB. A menstruação exposta é o ápice da humiliação e vergonha.

"Menstruate with pride", da ativista e artista Sarah Maple
Em suas vidas, as mulheres passam por etapas definidas pela presença ou ausência de sangue: a menstruação, a primeira vez, a gravidez, o parto, a menopausa... E na nossa civilização, a regulação desse corpo que sangra passou pela diabolização do fluxo menstrual. O sangue heroico das batalhas masculinas e dos sacrifícios é puro, vermelho-vivo, enquanto que a menstruação é impura, um sangue negro, coagulado, da não-fecundação. A mulher menstruada é ela mesma impura, contaminada - por isso as inúmeras interdições de relações sexuais durante o período - e também muito perigosa.

Muitos dos mitos em torno da menstruação hoje nos fazem rir. Exemplos:

  • Na Idade Média, pensava-se que uma criança nascia ruiva por ter sido engendrada durante o período menstrual;
  • Nessa época, acreditava-se que as mulheres na menopausa, cujas impurezas não eram mais eliminadas pelo sangue, passavam a transmitir seu veneno pelo olhar. Por isso elas eram afastadas dos bebês, indefesos;
  • Pensava-se também que a lepra era contraída durante a relação sexual com uma mulher menstruada;
  • As mulheres menstruadas causavam terríveis estragos na cozinha: apodreciam a carne, azedavam o leite, impediam a fermentação do pão, escureciam o açúcar, destruíam o mel;
  • Elas também embaçavam os espelhos, enferrujavam o ferro, deixavam o cobre com um odor insuportável;
  • Por conta da atração do sangue pelo sangue, provocavam acidentes e atrapalhavam caçadores e pescadores;
  • Elas queimavam a vegetação e impediam-na de crescer. Porém, combatendo o "mal pelo mal", o sangue menstrual podia ser usado para afastar os insetos! Na História Natural, Plínio afirma que quando mulheres menstruadas caminhavam, sem proteção, pelos campos de cereais, elas matavam lagartas, vermes, besouros e outros insetos nocivos. Em algumas regiões da França a prática parece ter sido de fato atestada, assim como na Turquia;
  • Mulheres menstruadas faziam as flores murcharem.
  • Para terminar: o sangue menstrual podia curar furúnculos!
Sangue menstrual: o agrotóxico do passado

Todos esses velhos mitos soam tão bobinhos, não é? Mas, pensando bem, a nossa visão da menstruação como algo impuro, sujo, nocivo e vergonhoso não mudou tanto assim com o passar do tempo. Se as mulheres hoje podem, no geral, exercer um controle maior sobre sua sexualidade e sobre a reprodução, se elas têm à disposição proteções práticas que não lhes forçam a parar suas atividades durante o período menstrual, muito do tabu permanece. 

É verdade que já se foi o tempo das "cintas sanitárias", em que fraldas ou toalhas eram presas com alfinetes (já se foi em termos, tem pra vender no ebay)... Os absorventes internos e externos, com alto poder de absorção, vangloriam-se de conceder à mulher toda a liberdade à qual ela anseia. Sei... Mas a bola da vez agora é o coletor menstrual, que voltou, associando "higiene, conforto, economia e consciência ambiental". Não acho que já existam propagandas na tv desses coletores, mas a publicidade de absorventes femininos segue um padrão notório: tudo é articulado para falar da menstruação sem falar da menstruação, sem mostrá-la, porém mostrando como escondê-la. Quanto mais invisível, melhor o absorvente. E porque o sangue é sujo, feio e não faz vender, e porque as consumidoras-alvo são princesas, litros de líquido azul são derramados... E às vezes o produto nem mesmo é mostrado, sendo substituído por um desenho, como se a visão de um absorvente de verdade fosse ofensiva. Quanto ao branco imaculado da roupa das modelos, ele é a prova de que o produto combate a imundice com pureza e higiene.

Propaganda alemã de 1996

Mas voltando aos mitos bobinhos que citei acima. Eles desapareceram mesmo? Muitos hábitos corriqueiros, aos quais damos pouca atenção, estão ligados ao velho mito da mulher impura:

  • O homem é quem costuma cortar a carne e abrir o vinho;
  • No açougue, é comum que os açougueiros sejam homens e que as caixas sejam mulheres;
  • Os caçadores e pescadores continuam não apreciando mulheres em seu meio;
  • A piscina ainda é às vezes desaconselhada às mulheres menstruadas;
  • A profissão de parteira é majoritariamente feminina;
  • As mulheres na menopausa são vistas socialmente como estéreis, inúteis. Se antes as acusavam, quando estavam menstruadas, de ficarem irritadiças, instáveis e histéricas, agora as acusam dos mesmos distúrbios psicológicos pela falta do sangue...
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Fonte: os exemplos que citei foram tirados do texto Le sang: Mythes, symboles et réalités publicado no site das ativistas francesas Chiennes de garde. Algumas imagens vieram do museu digital Museum of Menstruation and Women's Health.


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Bater em homossexuais é legítima defesa dos machos

por Tággidi Ribeiro

Estamos todos ainda chocados com a agressão ao estudante de direito André Baliera. Na segunda-feira, 03 de dezembro, Baliera voltava pra casa quando ouviu xingamentos de dois rapazes parados num sinal. Revidou, xingou também. Apanhou muito. Os agressores estão presos, vão ser julgados por tentativa de homicídio e pelo crime de homofobia (sim, aqui em São Paulo, pode-se ser julgado por tal). Esperamos que sejam condenados pelos dois, dado que a agressão só parou porque a polícia foi acionada e que, enquanto batiam, os agressores gritavam "Viado tem que tomar porrada". O próprio André Baliera colocou a mais tocante questão subjacente à violência sofrida: "Por que a minha existência provoca uma fúria tão desumana?"

Pois é, por quê? Por que a orientação sexual de alguém provoca fúria? Suponhamos que sua igreja diga que é contra a natureza, suponhamos que seu pai ou amigos digam que é uma 'safadeza' - ainda assim, por que chegar à agressão física? Nem a verbal é justificável, obviamente, mas agressão física pressupõe um gasto enorme de energia. Pressupõe, sobretudo, um sentimento de ódio tão arrebatador que não se contenta com a já terrível humilhação e o amedrontamento, mas visa à eliminação, à destruição do outro. Com qual outro não podemos conviver e precisamos destruir?

André.
A minha moral, que muita gente diz que é cristã, só responde a essa pergunta de uma forma: não posso conviver com o outro que não convive comigo, preciso destruir quem quer me destruir. Basicamente, estou falando de legítima defesa - posso matar alguém para resguardar minha própria vida. Se o outro não me quer destruir, se convive comigo, então eu sigo pacificamente. (Parêntese rápido: segundo a moral cristã, eu deveria oferecer a outra face - é isso, né?)

Enfim, pergunto: Bruno Portieri e Diego Mosca, os agressores de André, agiram em legítima defesa? Sim, agiram sim. E não parem de ler aqui. Explico: a existência de André Baliera, simbolicamente, atenta contra a existência de Diego e Rodrigo. André Balieri simboliza um mundo novo, não mais dominado pelo machos viris; simboliza a conquista gradual da igualdade (ou pelo menos a redução da desigualdade) e a igualdade não se dá sem a distribuição do poder.

Sim, os machos viris estão perdendo poder e isso os assusta. E eu sei que o que eu estou falando vai soar para muitos como: 'está vendo, aí está a prova do que pretendem os gays e as feministas. Querem instaurar uma ditadura gay e feminazi'. Ninguém quer ditadura. Fato é, no entanto, que os machos estão perdendo poder e isso os assusta. Julgam que essa perda de poder é sua aniquiliação e por isso reagem de forma tão virulenta.

Mas é justamente essa virulência que nos diz que essa divisão de poder deve acontecer, é urgente que aconteça. Pois que o poder de um grupo sobre outro não é justificável se causa tantos danos - e o poder dos machos já causou e causa ainda muitos. Quero apelar aqui para a lógica heteronormativa dos homens, que sempre se consideraram mais racionais que as mulheres e os homossexuais: é defensável um poder que concentra direitos, impinge a violência, cerceia os corpos? É defensável um poder que produz tanta infelicidade no mundo? Não é imperativo ir contra ele, já que todo ser humano deseja ser livre?

A despeito da resposta masculina: o poder de Diego Mosca e Bruno Portieri é indefensável. E estamos todxs contra ele. Todxs em busca de liberdade.


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Sexismo de cada dia

por Roberta Gregoli

É uma satisfação anunciar que hoje o Subvertidas faz 7 meses! 

Foram 106 postagens e mais de 34 mil visitas de diversos países do mundo. Parabéns às nossas excelentes colaboradoras e um obrigada enorme a todxs que nos acompanham e compartilham nossas postagens.
As Subvertidas ganhando o mundo:
mapa de origem dos visitantes do blog
Para celebrar nosso aniversário, vamos inaugurar uma nova seção no blog, o Sexismo de cada dia. Inspirado no projeto The Everyday Sexism, uma iniciativa bem-sucedida e interessantíssima que gerou até ameaças de morte à autora. A ideia é compartilhar instâncias de sexismo e machismo vividas no dia-a-dia. Relatos de sexismo associado a outros preconceitos, como homofobia e racismo, são particularmente bem-vindos.

Projetos parecidos existem já em português, como o Cantada de rua - conte o seu caso - que, na minha opinião, deveria se chamar assédio de rua. Essas iniciativas são importantes porque combatem um dos pilares fundamentais para a perpetuação da opressão de gênero: a negação de que a opressão de gênero ainda exista. O famoso "feminismo é coisa do passado", "machismo não existe mais", "feminista quer achar pelo em ovo" e diversas variações dessas frases.

A iniciativa vai em linha com a concepção de blog coletivo, que tem como proposta dar espaço a uma pluralidade de vozes, refletindo a pluralidade do feminismo e da própria experiência das mulheres, que muitas vezes são mal representadas por noções essencializadoras como "a alma feminina", "a sexualidade feminina", etc. Não escondemos que nós, as colaboradoras, temos muito em comum, incluindo classe e etnia, por isso também aproveitamos a oportunidade para convidarmos novas colaboradoras a fazer parte da equipe.

Para participar do "Sexismo de cada dia", envie sua contribuição (de qualquer tamanho) para subvertemos@gmail.com. Indique também no email como quer ser identificadx (pelo primeiro nome, nome completo, apelido ou de maneira anônima). Vamos montar uma fila de contribuições e vamos publicando aos poucos, nos intervalos das postagens das colaboradoras.

Para o pontapé inicial, começo eu:

Abordei dois professores brasileiros, ambos homens trabalhando em universidades de prestígio no Brasil e de renome internacional na área, para ver se se interessavam no meu projeto de pesquisa de doutorado (representações de gênero no cinema brasileiro). Ambos disseram que o corpus de filmes que eu tinha escolhido era interessante, mas que eu devia descartar a parte de gênero. Porque não era assim tão "interessante". Ignorei os dois, claro, e passei em Oxford com o projeto original.

Aguardamos suas contribuições!