por Barbara Falleiros
Há alguns meses, no reality show A Fazenda 5, da Record, a declaração de uma participante provocou polêmica: "Estou de chico!", disse com naturalidade a bailarina. O que ela não sabia é que dessas coisas não se fala, menina! Ainda mais usando um eufemismo tão vulgar. Escândalo. Seus colegas não tardaram a reagir. Um humorista tentou corrigí-la: "Logo você? Toda bonitinha, toda jeitosinha, [dizendo] 'estou de chico'? [Diga] 'estou menstruada'..." Uma apresentadora ponderou que a expressão "estar de chico" seria aceitável em uma conversa entre mulheres, mas quando houvesse homens envolvidos o melhor seria dizer "estar naqueles dias". A dançarina Gretchen, a Rainha do Bumbum, foi quem mais se indignou: Como é que a outra pode falar aquilo na frente do caseiro? "O pior é que é um assunto nojento!" - concluiu. Assim como a Roberta apontou no post sobre humor escatológico, certos assuntos sujos e nojentos continuam proibidos para mulheres bonitinhas e bem educadas, mesmo quando dizem respeito ao seu próprio corpo.
O medo da mancha. Dentre todas as angústias que enfrentam as meninas no início da adolescência, talvez essa seja a maior. "Você pode ver se a minha calça está manchada?" - murmura-se num canto do pátio. Mais tarde, as mulheres adultas continuam a esconder seus absorventes em compartimentos ultrassecretos, e a ficarem vermelhas quando, por descuido, deixam cair da bolsa um OB. A menstruação exposta é o ápice da humiliação e vergonha.
"Menstruate with pride", da ativista e artista Sarah Maple |
Muitos dos mitos em torno da menstruação hoje nos fazem rir. Exemplos:
- Na Idade Média, pensava-se que uma criança nascia ruiva por ter sido engendrada durante o período menstrual;
- Nessa época, acreditava-se que as mulheres na menopausa, cujas impurezas não eram mais eliminadas pelo sangue, passavam a transmitir seu veneno pelo olhar. Por isso elas eram afastadas dos bebês, indefesos;
- Pensava-se também que a lepra era contraída durante a relação sexual com uma mulher menstruada;
- As mulheres menstruadas causavam terríveis estragos na cozinha: apodreciam a carne, azedavam o leite, impediam a fermentação do pão, escureciam o açúcar, destruíam o mel;
- Elas também embaçavam os espelhos, enferrujavam o ferro, deixavam o cobre com um odor insuportável;
- Por conta da atração do sangue pelo sangue, provocavam acidentes e atrapalhavam caçadores e pescadores;
- Elas queimavam a vegetação e impediam-na de crescer. Porém, combatendo o "mal pelo mal", o sangue menstrual podia ser usado para afastar os insetos! Na História Natural, Plínio afirma que quando mulheres menstruadas caminhavam, sem proteção, pelos campos de cereais, elas matavam lagartas, vermes, besouros e outros insetos nocivos. Em algumas regiões da França a prática parece ter sido de fato atestada, assim como na Turquia;
- Mulheres menstruadas faziam as flores murcharem.
- Para terminar: o sangue menstrual podia curar furúnculos!
Sangue menstrual: o agrotóxico do passado |
Todos esses velhos mitos soam tão bobinhos, não é? Mas, pensando bem, a nossa visão da menstruação como algo impuro, sujo, nocivo e vergonhoso não mudou tanto assim com o passar do tempo. Se as mulheres hoje podem, no geral, exercer um controle maior sobre sua sexualidade e sobre a reprodução, se elas têm à disposição proteções práticas que não lhes forçam a parar suas atividades durante o período menstrual, muito do tabu permanece.
É verdade que já se foi o tempo das "cintas sanitárias", em que fraldas ou toalhas eram presas com alfinetes (já se foi em termos, tem pra vender no ebay)... Os absorventes internos e externos, com alto poder de absorção, vangloriam-se de conceder à mulher toda a liberdade à qual ela anseia. Sei... Mas a bola da vez agora é o coletor menstrual, que voltou, associando "higiene, conforto, economia e consciência ambiental". Não acho que já existam propagandas na tv desses coletores, mas a publicidade de absorventes femininos segue um padrão notório: tudo é articulado para falar da menstruação sem falar da menstruação, sem mostrá-la, porém mostrando como escondê-la. Quanto mais invisível, melhor o absorvente. E porque o sangue é sujo, feio e não faz vender, e porque as consumidoras-alvo são princesas, litros de líquido azul são derramados... E às vezes o produto nem mesmo é mostrado, sendo substituído por um desenho, como se a visão de um absorvente de verdade fosse ofensiva. Quanto ao branco imaculado da roupa das modelos, ele é a prova de que o produto combate a imundice com pureza e higiene.
Propaganda alemã de 1996 |
Mas voltando aos mitos bobinhos que citei acima. Eles desapareceram mesmo? Muitos hábitos corriqueiros, aos quais damos pouca atenção, estão ligados ao velho mito da mulher impura:
- O homem é quem costuma cortar a carne e abrir o vinho;
- No açougue, é comum que os açougueiros sejam homens e que as caixas sejam mulheres;
- Os caçadores e pescadores continuam não apreciando mulheres em seu meio;
- A piscina ainda é às vezes desaconselhada às mulheres menstruadas;
- A profissão de parteira é majoritariamente feminina;
- As mulheres na menopausa são vistas socialmente como estéreis, inúteis. Se antes as acusavam, quando estavam menstruadas, de ficarem irritadiças, instáveis e histéricas, agora as acusam dos mesmos distúrbios psicológicos pela falta do sangue...
Fonte: os exemplos que citei foram tirados do texto Le sang: Mythes, symboles et réalités publicado no site das ativistas francesas Chiennes de garde. Algumas imagens vieram do museu digital Museum of Menstruation and Women's Health.
é engraçado.. Eu menstruei muito nova.. acho que tinha 11 ou 12 anos.. Enfim lembro que uma vez estava com cólica, e me perguntaram o que eu tinha, com toda naturalidade falei que estava menstruada.. e que sentia dores.. uma coleguinha ao meu lado ficou chocada, me puxou em um canto, e me repreendeu : Você não deve falar assim.. se precisar muito comentar sobre o assunto, use algo como naqueles dias.. Eu fiquei chocada e perguntei, mas se toda mulher passa por isso, porque não posso falar? E até hj não entendo porque tamanha ressalva sobre quanto a algo tão natural. Belo post Barbara!
ResponderExcluirPois é, lembro-me de duas situações, uma que falei sobre estar menstruada e ter olhares feios sobre mim e outro que uma colega me pediu um absorvente e eu simplesmente retirei da bolsa e dei a ela, diante de desconhecidos e ela me repreendeu e ficou brava comigo justificando que deveria ter dado a ela de maneira mais 'discreta'. Muito bom o post!
ResponderExcluirNossa Fabrício, que bom que você comentou. Me fez reler esse belíssimo texto da Bárbara Falleiros. É uma pena que você não tenha conseguido perceber a riqueza - estilística e de conteúdo - que há nele. Faço votos de que suas capacidades de leitura e interpretação evoluam. Um abraço!
ResponderExcluirGostei do texto, faz refletir sobre um dos grandes tabus da feminilidade. Como tantas outras coisas, a menstruação se tornou mais um veículo para "diminuir" a mulher, mesmo fazendo parte da natureza...
ResponderExcluirNosso amigo Fabrício infelizmente parece que se indignou à toa, na minha opinião. O texto não critica ninguém, não enaltece o feminismo; apenas expõe fatos para levar à reflexão. Ou vai negar que tudo o que foi exposto não é verdade?!
Gostei do texto, faz refletir sobre um dos grandes tabus da feminilidade. Como tantas outras coisas, a menstruação se tornou mais um veículo para "diminuir" a mulher, mesmo fazendo parte da natureza...
ResponderExcluirNosso amigo Fabrício infelizmente parece que se indignou à toa, na minha opinião. O texto não critica ninguém, não enaltece o feminismo; apenas expõe fatos para levar à reflexão. Ou vai negar que tudo o que foi exposto não é verdade?!
ninguém quer sua pena, as pessoas querem respeito
ResponderExcluirmerda? merda é esse seu comentario, até hoje somos tratadas como "sujas" por estarmos "naqueles dias", o sangue esta no corpo, independente do lugar de onde sai, vai ser o mesmo sangue
se coloque no lugar das mulheres, imagine se fosse voce que menstruasse
imaginou? pois é, acha fácil?
e como voce disse, se vemos o preconceito no que acontece, é por que ele esta lá, e nao somos tao trouxas pra nao perceber,
os homens podem falar de qualquer assunto, e ta de boas, se for uma mulher "é errado" "é feio" e por que?
somos doentes por sermos mulheres e discutirmos tabus que só existem pra nós, se o "sexo fragil" fossem voces e voces ficassem indignados com o preconceito, iam reclamar
ResponderExcluirse nós reclamamos é doença, se voces reclamam é ordem
homens que não compreendem não devem ter mães, namoradas...e se tem provavelmente ele nunca falou com elas sobre o que elas sentem, talvez ele ache feio falar disso. A sociedade é hipócrita, diz q não importa para fugir do tema e não entrar no verdadeiro debate...COMO TUDO ISSO É VISTO HOJE
ResponderExcluir? DA MESMA FORMA Q SÉCULOS ATRÁS.
Meus sais. Quanto vitimismo e quanta opressão. Depois de ler isso vou me sentir muito mais feliz e aliviada ao menstruar. Aliás nunca me senti tão leve por quebrar um tabu.
ResponderExcluirTem que fazer agora um texto sobre homens que tem pênis pequeno. Somente assim o fabricio vai entendrr que homens tem complexo com isso e também tabus ate hoje.
ResponderExcluirOi oi! Escrevi um post sobre coletor menstrual, menstruação, feminismo e empoderamento e nele recomendei esse seu post, que é incrível!
ResponderExcluirBeijos,
A Menina da Janela
👍✌👏
ResponderExcluirGente! Parem de bobagens, menstruação é a coisa mais normal do mundo, é um ato saudavel e fisiológico do corpo feminino, Tão fisiológico, quanto fazer xixi cocô ou parir.
ResponderExcluirComop sou poeta fiz até uns versinhos rsrs
"Menstruação é igual a
visita indesejada
Não diz quando vai chegar
Só chega na hora errada
E só faz incomodar".
Ubaldo santos de Jesus