por Barbara Falleiros
Na semana passada, falei sobre o debate na França a respeito do casamento civil entre adultos do mesmo sexo e da falta de clareza, quando não da explícita má-fé dos setores mais conservadores da sociedade. Comentei especialmente o preconceito demonstrado por certos políticos do partido direitista do ex-presidente Sarkozy. Pois agora foi a vez da ex-primeira-dama-herdeira-modelo-cantora Carla Bruni, de volta à mídia para promover seu novo disco, dar a sua opinião sobre o assunto. Em entrevista à Vogue, ela se disse favorável ao casamento para todos: "Não vejo nada instável ou pervertido em famílias homoparentais". Ponto pra ela! Mas na sequência da entrevista, a princesa boêmia deixou escapar uma prova de que sua existência na Villa Montmorency (espécie de condomínio fechado, reduto dos ricaços em Paris) é muito distante daquela das mulheres do mundo real.
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"Humm... Acho que me expressei mal." |
Na minha geração - disse ela - a gente não precisa ser feminista. As pioneiras abriram o caminho. Eu não sou nem um pouco militante feminista. Por outro lado, eu sou burguesa. Eu gosto da vida em família, de fazer a mesma coisa todos os dias.
Foi o bastante para suscitar uma enxurrada de mensagens no
Twitter (
#ChereCarlaBruni) explicando porque nossa geração precisa sim ser feminista
. Dias depois, Carla Bruni se explicou, disse que não era bem aquilo, que ela só tinha escolhido de se engajar em outras causas (a educação, a luta contra a Aids)... Mas, no fundo, o que mais me impressiona na sua fala é como se coloca a oposição entre a vida regrada de família (burguesa, como ela diz) e o militantismo feminista hoje, tudo isso após a defesa das famílias homoparentais. Quer dizer, a imagem de "abertura" com relação à configuração dos lares é traída por esta visão da família tradicional que é a sua, em que o pai é o grande homem de poder (presidente! Quer mais o quê?) e a mulher não pode ser feminista porque é, acima de tudo, discreta, com uma carreira menos importante que a do marido, assumindo a função maternal e cuja existência se coloca no campo da sensibilidade (arte, música).
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Corpo contido, sorriso forçado, olhar baixo. |
Para mim, o casal Sarkozy é um dos mais emblemáticos do velho "cada qual em seu lugar" nas relações. Este homem irrascível, baixinho e poderoso, e esta mulher longilínea e bela, que se apaga atrás dele como que para ressaltar ainda mais seu poder. É sempre impressionante retraçar a trajetória de Carla Bruni. A
imagem que ela exibia antes era a da sensibilidade poética associada à
liberdade sexual: uma longa lista de relacionamentos incluindo, entre outros, Mick Jagger, Eric Clapton, um editor francês e em seguida um filósofo, filho deste editor... E é curioso vê-la exaltar a rotina quando, anos atrás, declarava que a
monogamia era
entediante e a poliandria preferível! Que contraste com essa Carla Bruni-Sarkozy, primeira-dama e mãe modelo, que amamentou sua bebezinha (a amamentação não é assim tão comum na França), tirando do ombro do pai a responsabilidade do cuidado do bebê: "[Por não ter que preparar a mamadeira] Você não tem que levantar à noite. Mesmo assim, por solidariedade, eu abro um olho!" - declarou na época Sarkozy.
Por mais que ela tente se justificar, as declarações de Carla são um reflexo dessa sua vida em conformidade com os valores de sua classe e de seu meio. O que não reflete em nada os problemas cotidianos das mulheres de sua geração, tampouco da nossa. Por isso, vale a ocasião de lembrar mais uma vez porque precisamos,
ainda hoje, do feminismo. Seguem alguns dos
twitts em resposta:
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Enquanto me perguntarem se eu sou a assistente do senador [ela é senadora], a geração seguinte precisará do feminismo. |
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Minha geração precisa do feminismo para que a chupeta não seja mais o cimento do casal, como dizem as revistas de merda. [em resposta à uma matéria da revista Elle que falava da felação como "um agrado que resolve os desacordos"] |
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80% das tarefas domésticas executadas pelas mulheres. |
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Precisarei do feminismo enquanto me disserem: "Coloca um decote" quando me vestir para uma entrevista de emprego. |
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Precisaremos do feminismo enquanto os homens que paparicam seus filhos forem vistos como perversos ou homossexuais. |
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Enquanto se disser que um cara "come" e que uma mulher "é comida", precisaremos do feminismo. |
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Minha geração precisará do feminismo enquanto o Carrefour fizer sua propaganda de compras online só com mulheres. |
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75000 mulheres adultas estupradas por ano na França são suficientes para me convencer de que minha geração precisa do feminismo. |
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Pergunte às mulheres que pegam ônibus no Cairo se a nossa geração precisa do feminismo! |
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Certamente precisamos de mais feministas do que de Carlas Bruni! |
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