Umberto Eco Filosofando no Feminino - Parte 2

por Tággidi Ribeiro


Eis a segunda e última parte do ótimo texto de Umberto Eco, intitulado "Filosofar no feminino":

As feministas elegeram há certo tempo a heroína Hipácia, que, na Alexandria do século V, era mestre de filosofia platônica e de matemática. Hipácia se tornou um símbolo, mas infelizmente de suas obras restou apenas a lenda, pois se perderam, e perdeu-se a ela também, literalmente partida em pedaços por uma horda de cristãos enfurecidos, segundo alguns historiadores, açulados por aquele Cirilo de Alexandria que, embora não por esse motivo, mais tarde foi santificado. Mas Hipácia seria a única?
Saiu na França um livrinho, Histoire des femmes philosophes (ed. Arléa). Se nos perguntarmos quem seria o autor, Gilles Ménage, descobriremos que vivia no século XVII, era um latinista, preceptor de Madame Sévigné e de Madame de Lafayette e que seu livro, publicado em 1690, intitulava-se Mulierum philosopharum historia. Longe de Hipácia ser a única: embora seja dedicado principalmente à idade clássica, o livro de Ménage apresenta-nos uma série de figuras apaixonantes. Diotima, a Socrática; Arete, a Cirenaica; Nicarete, a Megárica; Hipárquia, a Cínica; Teodora, a Peripatética; Leôncia, a Epicúrea; Temistocleia, a Pitagórica.
Folheando os textos antigos e as obras dos pais da Igreja, Ménage havia encontrado citações de nada menos que 65 filósofas, ainda que entendesse filosofia em sentido bem amplo. Se calcularmos que na sociedade grega a mulher era confinada às paredes domésticas; que os filósofos, antes que com moçoilas, preferiam entreter-se com mancebos; e que, para desfrutar de notoriedade pública a mulher tinha de ser cortesã, compreende-se o esforço que hão de ter feito aquelas pensadoras para se afirmarem.
Aspásia ainda é recordada como cortesã, por mais qualidade que tivesse, esquecendo-se de que era versada em retórica e filosofia e que (Plutarco é testemunha) Sócrates a frequentava com interesse. Fui folhear ao menos três enciclopédias filosóficas atuais, e desses nomes (exceção feita a Hipácia) não encontrei sequer o rastro. Não que não tenham existido mulheres que filosofavam. É que os filósofos preferiram esquecê-las, quem sabe depois de terem se apropriado de suas ideias. 
  (Revista Entrelivros, fevereiro de 2006)
Acho que a suposição de Eco bem pode estar certa.




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