Sobre quando as mulheres queriam sexo muito mais que os homens

por Tággidi Ribeiro

Gentes, abaixo vai minha tradução do artigo When Women Wanted Sex Much More Than Men - and how the stereotype flipped, cujo original vocês podem ler clicando aqui. O texto é longo e será dividido.

No século XVII, um homem chamado James Mattock foi expulso da Primeira Igreja de Boston. Seu crime? Não foi usar um linguajar chulo ou sorrir no Sabbath ou qualquer dessas coisas que poderíamos pensar que os puritanos desaprovariam. Em lugar disso, James Mattock recusou-se a fazer sexo com sua mulher durante dois anos. Embora a comunidade de Mattock claramente visse como imprópria sua abstinência, é bem provável que o sofrimento de sua esposa estivesse em jogo quando a igreja decidiu afastá-lo. Os puritanos acreditavam que o desejo sexual era parte normal e natural da vida humana de homens e mulheres (desde que fosse heterossexual e restrito ao casamento), mas que a mulher queria e precisava de sexo muito mais que o homem. Um homem poderia escolher abrir mão de sexo com relativa facilidade, mas seria muito mais difícil para uma mulher ser privada do ato sexual.
Hoje, contudo, a ideia de que homens são mais interessados em sexo que mulheres é tão forte que parece quase não valer a pena falar sobre ela. Seja por causa do nível de hormônios ou pela "natureza humana", homens precisam fazer sexo, masturbar-se e ver pornografia de um jeito que simplesmente não é necessário para as mulheres, de acordo com o senso comum (e se existem mulheres que acham essas atividades todas muito necessárias, provavelmente elas têm algum problema). Mulheres precisam ser convencidas, persuadidas, mesmo forçadas a se 'entregar', porque a perspectiva de sexo não é atrativa por si só - tal é o estereótipo popular. Sexo, para as mulheres, comumente é alguma coisa não muito gostosa mas necessária que se faz para obter aprovação, suporte financeiro ou manter um relacionamento estável. E desde que as mulheres não são escravas de seus desejos como os homens, elas são responsáveis por assegurar que eles não 'se aproveitem' delas.

A ideia de que os homens são naturalmente mais interessados em sexo que as mulheres é ubíqua, razão pela qual é difícil imaginar que as pessoas alguma vez já pensaram diferente e, mais ainda, que o fizeram durante a maior parte da história do Ocidente: da Grécia Antiga ao começo do século XIX, julgou-se que as mulheres eram os demônios pornográficos e loucos por sexo. Em um mito grego antigo, Zeus e Hera discutem sobre quem tem mais prazer no sexo, se homens ou mulheres. Os deuses pedem ao profeta Tirésias, a quem Hera havia transformado certa vez em mulher, que ponha fim ao debate. O profeta responde: "Se o prazer sexual fosse dividido em dez partes, apenas uma pertenceria ao homem, e nove pertenceriam à mulher". Mais tarde, as mulheres seriam consideradas tentações cuja perfídia herdaram de Eva. Sua intensidade sexual era vista como um sinal de moralidade, razão e intelecto inferiores, e justificava estreito controle por parte de maridos e pais. Os homens, que não eram tão consumidos pela luxúria e que tinham capacidade superior de autocontrole, perfaziam o gênero mais naturalmente adequado a manter posições de poder e influência.
No começo do século XX, o médico e psicólogo Havelock Ellis talvez tenha sido o primeiro a documentar a mudança ideológica que tinha se instaurado recentemente. Em um trabalho de 1903, Estudos em Psicologia do Sexo, ele cita uma extensa lista de fontes históricas antigas e modernas que iam da Europa à Grécia (sic), do Oriente Médio à China, todas muito próximas quanto à ideia do desejo sexual feminino dominante. No século XVII, por exemplo, Francisco Plazzonus chegou à conclusão de que o parto muito dificilmente seria valorizado pelas mulheres se o prazer delas no sexo não fosse muito maior que o dos homens. Montaigne, Ellis aponta, considerou as mulheres "incomparavelmente mais aptas e mais ardentes no amor do que os homens, e que essa arte elas sempre conhecem mais a fundo que eles e podem ensiná-los, pois é uma disciplina que nasce em suas veias". Mas nem a época de Ellis havia sido tomada inteiramente pela ideia de que mulheres são desprovidas de desejo sexual. Contemporâneo de Ellis, o ginecologista austríaco Enoch Heinrich Kisch foi longe a ponto de afirmar que "O impulso sexual é tão poderoso nas mulheres que em certos períodos de sua vida essa primitiva força domina toda a sua natureza." 
Os tempos estavam claramente mudando, contudo. Em 1891, H. Fehling tentou desbancar a sabedoria popular: "É de todo falsa a ideia de que as moças tenham tão forte o desejo pelo sexo oposto quanto os rapazes... O surgimento de um viés sexual no amor de uma jovem é patológico." Em 1896, Bernhard Windscheid postulou: "Na mulher normal, especialmente a de alta classe social, o instinto sexual é adquirido, não inato; quando é inato ou despertado autonomamente, é uma anormalidade. Como as mulheres não conhecem esse instinto antes do casamento, elas não podem perdê-lo, uma vez que não há ocasião na vida para aprendê-lo."
E então, o que aconteceu?

Obviamente, ideias sobre gênero e sexualidade não são as mesmas em todo lugar, e em cada lugar e tempo há sempre contestação e visões diferentes. A história de como esse estereótipo - de que mulheres têm mais desejo sexual que os homens - foi invertido não é simples de traçar, não se deu de forma regular ou aconteceu de uma vez só. A historiadora Nancy Cott aponta o crescimento do protestantismo evangélico como catalisador dessa mudança, pelo menos na Nova Inglaterra. Ministros protestantes cujas congregações estavam crescendo, compostas agora sobretudo por mulheres brancas de classe média, provavelmente acharam razoável retratar suas fiéis como seres morais que estavam especialmente preparadas para responder ao chamado da religião, em vez de pintá-las como sedutoras indignas, de destino selado no Éden.
As mulheres tanto gostaram desse novo retrato como ajudaram a construí-lo. Era um caminho para um certo nível de igualdade com o homem, e mesmo superioridade. Por meio do evangelho, as mulheres cristãs eram "exaltadas acima da natureza humana, elevadas aos anjos", como diz o livro "A fêmea amiga, ou os deveres das virgens cristãs", de 1809. A ênfase na pureza sexual presente no título do livro revela que, se as mulheres fossem agora os novos símbolos da devoção religiosa protestante, deveriam sacrificar a recognição de seus desejos sexuais. Embora até mesmo os puritanos acreditassem ser perfeitamente aceitável tanto para homens quanto para mulheres desejar o prazer sexual (restrito ao casamento), as mulheres poderiam agora admitir querer sexo com o propósito de estabelecer vínculos com o marido ou para satisfazer seu instinto maternal. De acordo com Cott: "A falta de desejo sexual foi o outro lado da moeda paga, por assim dizer, pelas mulheres, no reconhecimento de sua igualdade moral". (Alyssa Goldstein)

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