A delicadeza violenta do feminino

por Thais Torres




Começo o post com duas recomendações: visitem a exposição Elles: mulheres artistas na coleção do Centro Pompidou que está no Centro Cultural Banco do Brasil (de 24/05 a 16/07 no Rio de Janeiro. Depois, em São Paulo) e assistam ao filme Elena que está nos cinemas (inclusive nos de Campinas, o que é uma raridade).

Em comum entre a exposição é o filme há o fato de serem ótimas e criativas produções culturais. Não ignoro que cada uma está inserida em sua esfera e dimensão próprias, evidentemente. Há inúmeras diferenças entre as obras expostas no Centro Cultural Banco do Brasil e o filme de uma cineastra jovem como a Petra Costa. De toda forma, não são os pontos divergentes mais óbvios que me interessam, mesmo porque é extremamente complicada essa coisa de atribuir valores e comparar obras de arte de campos tão diferentes.

O que me interessou mais foi a diferença na representação do feminino. Explico.

Logo na entrada da exposição, nos deparamos com este vídeo:



Nele, uma mulher (suponho que seja a própria Marina Abramavic, autora da obra) repete incessantemente as frases "Art must be beautiful" e "Artist must be beautiful" enquanto penteia os cabelos. Ela faz isso por 13 minutos com muita violência, machucando o próprio couro cabeludo e dizendo as frases com uma progressiva angústia. Já é chocante por si só... Acontece que a voz do video ecoa pela sala da exposição o tempo todo, quase que como uma trilha sonora meio macabra para o que observamos. Como uma boa trilha sonora, dá o tom da nossa leitura das obras, o que muda por completo nossa experiência enquanto expectadores.

Abaixo algumas das obras que consegui recolher pela Internet:





Em nenhum momento a exposição passa a ideia de "arte feita por mulheres", como uma espécie de arte de segunda classe, feita por artistas excluídas que precisam desta exposição para sair do anonimato. Eu temia isso quando li a reportagem de capa da revista Bravo deste mês. Felizmente, o tom é a busca por uma linguagem e expressão feminina do que significa o feminino. 

O que me chamou atenção é que essa representação é pautada pela violência. Em uma das salas, já não ouvimos mais a frase angustiada da artista que se machuca porque acredita que a arte deve ser bonita, assim como as artistas. Mas a imagem é ainda pior: uma mulher nua, brinca com um bambolê feito de arame, que corta toda sua pele. Assistem à cena 13 bonecos assombrosos que ali estão "em homenagem à Anistia Internacional". A violência está por toda parte e eu não consegui descrever a sensação que envolve toda a exposição. É preciso visitá-la.

Algo muito diferente ocorre com o filme da jovem Petra Costa. Não que o tema não seja angustiante ou violento. Ao contrário, o filme é um documentário que mistura vídeos caseiros, textos pessoais e interpretações líricas que tentam contar e reinterpretar o suicído da irmã da cineasta. Uma experência bem forte (e pouquíssimo recomendada para um cineminha tradicional no dia dos namorados), triste, dolorosa. 

Chama atenção, no entando, o modo como a história é contada. Segundo a roteirista, atriz e diretora do filme,
Ganhei uma irmã que eu nunca tinha conhecido com tamanha profundidade. Mas logo percebi que não era real, que ela nunca mais iria voltar. Foi um processo de ganhá-la e perdê-la repetidamente, inúmeras vezes. Algo ao mesmo tempo prazeroso e devastador. É como ver a pessoa, querer tocá-la, para no instante seguinte perceber que ela é um fantasma.

A irmã e a mãe de Elena são sobreviventes de um evento trágico e tentam aqui compreender o que aconteceu. E essa compreensão é feita através da arte. O curioso é que quase não há homens no filme, mas isso não é uma espécie de feminismo xiita, mas algo natural, como se não existissem outras pessoas capazes de superar essa morte senão a mãe e a irmã daquela que se foi. Por um acaso essas sobreviventes são mulheres. E acredito que isso torna - talvez inconscientemente, talvez não - essa busca pela superação do luto, uma busca pela representação do feminino e das mulheres que protagonizam a história.

Talvez eu esteja errada nesta interpretação. Mas o que importa é que se trata de um bom filme e que, ao falar de si mesma com sinceridade e profundidade, Petra Costa fala da morte, da culpa e da saudade de maneira universal, atingindo a todos.

(Elena e sua irmã Petra Costa, ainda recém-nascida)

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