por Thais Torres
Difícil saber se Nelson Rodrigues é mais admirado por ser o criador do teatro moderno brasileiro com Vestido de Noiva ou odiado por ser reacionário, machista e defensor da Ditadura Militar. De toda forma, é um nome impressionante da Literatura Brasileira. Primeiro motivo: é personagem e autor ao mesmo tempo. Segundo: é um autor completo, criador notável de tipos e de frases antológicas nas crônicas e autor de algumas das peças mais geniais da dramaturgia brasileira. Terceiro: em um momento em que ninguém podia se abster de ter uma opinião, ele teve a coragem de manter a sua e de alterá-la quando o próprio filho foi torturado pelo regime político que ele defendia. Há outros diversos motivos, mas acredito que é preciso reforçar este último: trata-se de um autor genial em diversos sentidos e suas opiniões políticas não alteram esse fato.
Tantas justificativas parecem ser necessárias em um post sobre Nelson Rodrigues neste blog. No entanto, ser feminista não me faz menos admiradora de sua obra. Isso gera conflitos, pois por mais que eu observe as nuances da máxima "Toda mulher gosta de apanhar" em seu real contexto (e há várias), não posso negar que em parte foi isso mesmo que ele disse.
A crônica que escolhi para comentar hoje ("A morte pela beleza", está em O remador de Ben-Hur) trata de uma das obsessões do autor: a tragicidade da beleza, do talento e da santidade extremas. Assim ele começa o texto:
Marilyn Monroe morrera, na véspera, dessa enfermidade terrível que é a beleza. Enfermidade, disse eu. E, de fato, a beleza causa na mulher um desgaste interior, macio, insidioso, fatal. E, no fim de certo tempo, a mulher bonita se volta contra si mesma, com tédio e ira de todos os seus dons plásticos.
Mais adiante, o autor compara a tragicidade da beleza feminina com o drama que, segundo ele, acometeria um rol curioso de pessoas que vai dos santos aos grandes líderes, passando pelas belas mulheres e pelos jogadores de futebol:
Mas o que eu queria dizer é que a autoflagelação, ou a autodestruição, é própria dos seres melhores. Há um momento em que o santo, ou o gênio, ou o herói, ou o craque tem uma brusca saudade da mediania.
O que é a tentação, para o santo, senão o ressentimento? Por um instante, baixa nele um tédio cruel da graça que o ilumina. Ele, então, desejaria ser um burocrata. Trocaria a bem-aventurança pela repartição. Do mesmo modo, um Napoleão, ou um Goethe, ou um Michelangelo há de perguntar, por vezes, a si mesmo: - "Por que é que eu não sou uma besta?"
Pode-se argumentar que o único papel da mulher nessa atormentada lista de "seres melhores" entediados com a própria supremacia é o de "mulher bonita". De fato. No entanto, cabe lembrar a profunda admiração que ele tinha por Clarice Lispector, classificada por ele mais de uma vez como "a maior escritora do Brasil e da América Latina" e acima dele próprio, portanto. O mesmo para sua irmã Stella, uma das raras médicas no Brasil dos anos 1940. Em outras palavras, a admiração de Nelson Rodrigues pelos seres geniais e superiores não reside na mera constatação do gênero ou da profissão do indivíduo, mas na tragicidade que acomete quem é, de alguma forma, superior. Mas que também faz parte de todos os seus outros suburbanos personagens. Para o autor de Vestido de noiva, a tragédia está por toda parte.
Além disso, como negar que há mesmo um trágico destino associado às mulheres extremamente belas? Há aquelas que envelhecem e que jamais são perdoadas por isso. Há outras que morrem tragicamente jovens, como foi o caso da atriz citada por Nelson Rodrigues em sua crônica. Não ser bela tampouco é fácil para a mulher. Basta ver a luta incessante nas academias e clínicas de estética para se alcançar um padrão estético impossível. Padrão esse que traz sofrimento, mesmo quando atingido.
Impossível não recordar aqui o episódio relatado no capítulo 31 de Memórias Póstumas de Brás Cubas. O protagonista se depara com uma borboleta preta e assustadora em sua casa, metáfora viva da "por que bela se coxa" Eugenia. Incomodado, não consegue deixar de matar o inseto e justifica seu próprio ato dizendo "Também por que diabo não era ela azul?". Em seguida, percebe que às borboletas azuis não caberia um melhor destino: "Porque, é justo dizê-lo, se ela fosse azul, ou cor de laranja, não teria mais segura a vida; não era impossível que eu a atravessasse com um alfinete, para recreio dos olhos".
À borboleta preta cabe um destino trágico: ser morta e lançada com um "piparote" para as formigas do jardim. Tampouco terá outro melhor desfecho a vida da bela e suntuosa borboleta azul ou laranja, pois ela será morta e cruelmente exibida como um item de decoração.
Termino com uma foto de Norma Jean Baker, tão bela quanto o personagem Marilyn Monroe que ela interpretou ao longo da vida, para deleite de todos.
Muito bom, Thaís! Eu também escrevi um texto sobre a Marilyn (essa figura trágica) aqui, queria que lesse! :) Abraço! http://subvertidas.blogspot.com.br/2012/06/marilyn-monroe-obscenamente-humana.html
ResponderExcluirThaís, obrigada pelo texto! Sou feminista que gosta muito do texto do Nelson e do seu olhar amargo sobre a vida, e é bom encontrar mais gente assim (: btw, descobri o blog hoje e já estou curtindo (inclusive no sentido facebookístico) loucamente. Parabéns pra todas!
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