tradução de Jeff Vasques
ECONOMIA DOMÉSTICA
(Rosário Castellanos, México, 1926-1974)
Aqui está a regra de ouro, o segredo da ordem:
ter um lugar para cada coisa
e ter
cada coisa em seu lugar. Assim arrumei minha casa.
Impecável prateleira a dos livros:
um compartimento para as novelas,
outro para o ensaio
e a poesia em tudo mais.
Se abres um armário sentes a alfazema
e não confundirás as toalhas de linho
com as que se usam cotidianamente.
E há também a louça de grande ocasião
e a outra que se usa, se quebra, se repõe
e nunca está completa.
A roupa em sua gaveta correspondente.
E os móveis guardando as distâncias
e a composição que os faz harmoniosos.
Naturalmente que a superfície
(do que seja) está polida e limpa.
E é também natural
que o pó não se esconda nos cantos.
Mas há algumas coisas
que provisoriamente coloquei aqui e ali
ou que deixei no lugar dos utensílios.
Algumas coisas. Por exemplo, um pranto
que não se chorou nunca;
uma nostalgia de que me distraí,
uma dor, uma dor da qual se apagou o nome,
um juramento não cumprido, uma ânsia.
Que se desvaneceu como o perfume
de um frasco mal fechado
e retalhos do tempo perdido em qualquer parte.
Isto me inquieta. Sempre digo: amanhã…
e logo esqueço. E mostro às visitas,
orgulhosa, uma sala na qual resplandesce
a regra de ouro que me deu minha mãe.
Rosario Castellanos (México, 1925-1974) foi escritora de diversos gêneros (poesia, romance, conto, ensaio, teatro, ensaios jornalísticos), diplomata e promotora cultural. Formada em filosofia, dedicou uma extensa parte de sua obra e de suas energias a defesa dos direitos das mulheres, trabalho pelo qual é recordada como um dos símbolos do feminismo latinoamericano. Castellanos foi uma das primeiras mulheres mexicanas a ter acesso à educação superior institucionalizada. Daí sua convicção de que as culturas em geral e a cultura mexicana em particular colocam as mulheres, dentro do âmbito familiar e social, em um plano inferior. Assim argumentou em sua dissertação de mestrado em filosofia, intitulada "Sobre cultura feminina", defendida na Universidade Nacional Autônoma do México. Sua vida pessoal esteve marcada por um casamento desastroso e contínuas depressões que a levaram em mais de uma ocasião a ser internada. Castellanos morreu cedo, aos 49 anos, por causa de um acidente doméstico, eletrocutada ao trocar uma lâmpada (há suspeitas de suicídio). Sua obra trata de temas políticos, já que concebia o mundo como "lugar de luta em que se está comprometido". São exemplos mais famosos de sua literatura de caráter feminista o conto: “Lição de cozinha: cozinhar, calar-se e obedecer ao marido” e sua obra de teatro: “O eterno feminino”.
Edward Hopper, Morning Sun, 1952 |
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22 de maio de 2013
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Sensacionais o poema e as informações sobre Rosario!
ResponderExcluirFaltaram apenas as referências à obra que encerra o post, que é de Edward Hopper e se intitula Morning Sun. É de 1952.
Valeu, Marylin, alterado!
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