Por uma voz feminina

por Thais Torres


Neste domingo, Ana Paula Padrão concedeu uma entrevista para a Folha de São Paulo. No texto, ela afirma ter se surpreendido ao assistir ao próprio trabalho feito há algumas décadas, pois quase não reconheceu a própria voz. Segundo a reportagem,

A mudança embutia mais do que amadurecimento do timbre ou maior segurança. Personalizava o que a fonoaudióloga Maruska Rameck descreveu em um estudo sobre o falar das mulheres poderosas: menos ar e menos espaço entre as palavras e o tom mais grave. "Ao pesquisar a voz de mulheres em posição de comando, a conclusão foi a de que mudamos a voz para chegar ao poder."

A famosa jornalista chegou a conversar sobre o assunto com a então Ministra de Minas e Energia, Dilma Roussef. Segundo a mulher mais poderosa do Brasil: "Se a mulher só vive para o tempo da produtividade, que é diferente do tempo de educar uma criança, por exemplo, está pensando errado a vida familiar". Outra frase de Dilma calou fundo (para a repórter, que relata suas lembranças na referida entrevista): "A vida sem um companheiro, sem alguém para amar, sem filhos e família, é uma vida pobre". 

De fato, mas parece triste que seja preciso incorporar um padrão masculino para vencer na vida. Mais complicado ainda que o sonho de ter "alguém para amar, filhos e família" pareça se opor, quase excluir, o interesse por uma vida profissional bem sucedida. Para grande parte das empresas, o desejo de ter filhos dificulta o bom desempenho profissional das mulheres, pois há outro interesse em jogo. Da mesma forma, o desejo de ter uma vida profissional bem sucedida dificulta o bom desempenho familiar para muitos maridos, também por existir outro interesse em jogo além de cuidar da casa e dos filhos.

Mas para além do machismo inerente a essas empresas e a esses maridos, nos resta pensar nas razões que levam as mulheres a incorporar um padrão de comportamento masculino para vencer na vida. Ana Paula Padrão parece ser sincera ao afirmar que isso não foi intencional. Li recentemente, na revista Fapesp, uma entrevista de Beatriz Barbuy, astrofísica, membro da Academia de Ciências da França, presidente da Sociedade Astronômica Brasileira, de vasta produção científica e intelectual. Nessa entrevista, perguntada se as mulheres precisam produzir mais do que os homens para alcançarem o mesmo sucesso, ela parece relutante ao reconhecer a própria dificuldade:

Acho que tem que fazer mais por ser mulher. Há um pouco de machismo. Mas, se você fizer mais, tudo está resolvido. O Brasil não é muito rígido nessa questão. Mas se fizer um pouco menos... Se for séria e trabalhar, ninguém atrapalha, não...

Desculpe, doutora, mas não basta "ser séria e trabalhar". Pelo menos, é o que provam as pesquisas sobre o número de mulheres em cargos importantes e que se destacam na ciência. Não tenho os dados aqui (alguém tem?), mas me lembro de ter lido que a grande maioria dos grandes cientistas no Brasil, é homem. E isso não é por falta de seriedade, mas de oportunidade.

Da ciência para a arte, estou assistindo (entusiasmadíssima) a uma série de documentários de Ken Burn a respeito da história do jazz. São mais de 16 horas de história protagonizada quase que totalmente por homens.


Não é protecionismo, mas o momento mais emocionante da série para mim é quanod a história de Billie Holiday á paresentada. Fiz questão de copiar alguns trechos da narração para postar aqui, pois sua história confirma a necessidade das mulheres de se comportarem - mesmo que não intencionalmente - como homens para se destacarem em suas carreiras. Para Billie, ao que parece, seu comportamento auto-destrutivo (e masculinizado) parece ser uma reação mais do que natural para uma vida repleta de sofrimento.

Ela nasceu Eleanora Fagan, em 1915, em Baltimore. Seus pais nunca se casaram e ela passou toda a infância ansiosa para encontrar o pai ausente, Clarence Holiday, um violonista que chegou a tocar com Fletcher Henderson. O exemplo de seu pai a atraiu para o mundo da música, mas seus modos grosseiros se refletiram em muitos dos homens agressivos com quem ela se apaixonou a vida inteira.
Ela foi molestada e espancada na infância e, com 12 anos de idade, trabalhava como prostituta em um bordel à margem do rio. Conseguia um pouco mais de dinheiro cantando ao lado da vitrola. Aos 13, foi para Nova York. Cantava por gorjetas em festas e clubes do Harlem e cantava por diversão em jam sessions. Acabou mudando seu nome para Billie Holiday por causa do pai ausente.
(...)
Holiday era extremamente independente. Uma mulher que a conhecia desde a infância disse: “ela simplesmente não dava a mínima para nada”. Ela continuaria assim por toda a vida: xingando, bebendo, brigando, procurando pessoas de ambos os sexos e levando uma vida tão próxima do limite que os amigos se surpreendiam que ela conseguisse sobreviver. Mas de tudo isso, ela fez uma arte inesquecível e depois se tornou a mais importante cantora da história do jazz.
Para terminar, Autumn in New York, na voz de Billie Holiday. Segundo ums dos músicos entrevistados da serie, a gravação de jazz música mais linda de todos os tempos.




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