As mulheres e a limpeza

por Mazu

Existem muitos estigmas sociais que marcam as mulheres, existem os mais novos e os mais antigos. A questão da limpeza, que provavelmente tem algo que ver com a da pureza, é provavelmente um dos estigmas mais antigos. Do meu ponto de vista, um dos mais irritantes. Ele se manifesta de várias maneiras e em várias situações, hoje, vou listar três que, especialmente, chamaram minha atenção nos últimos dias.

No banheiro do trabalho, agora, existem várias mensagens do que a mulher tem que fazer para "não jogar a compostura pelo ralo", todas essas mensagens que aparentemente nos ensinam a ter compostura trazem princípios básicos de higiene e até um princípio errado de higiene (diz que devemos deixar a tampa levantada, quando a gente sabe que dar descarga com a tampa levantada espalha partículas pelo banheiro inteiro). Sinceramente, não me oponho às questões de higiene e ficaria mais feliz se as pessoas as seguissem, agora, por que cargas d'água isso tem algo com a minha compostura? Lógico, porque somos mulheres e isso significa que temos que ser limpinhas. Perceba, não estou dizendo que as mulheres nem os homens devem ser sujinhos, só estou tentando mostrar que higiene para mulher é quase uma questão moral. Vai vendo. No banheiro dos homens, não tem nada para ler. Coitadinhos.

Enfim, algo me diz que esse estigma da pureza e da limpeza é o que transformou a gente nas faxineiras oficiais do mundo. Aparentemente, nenhum homem pode fazer uma faxina melhor do que uma mulher. A gente sabe que isso é mentira, cuidar da casa é uma tarefa super difícil, mas todos e todas podemos aprender. Bom, nessa de limpeza ser tarefa de mulher, tudo que diz respeito à faxina, cuidar da casa e cuidar dos homens está voltado para o público feminino. Bons exemplos são estes dois materiais promocionais das marcas Veja e Vanish.

Captura de tela do site da Vanish: a gente limpa primeiro,
depois vamos trabalhar e conquistar nosso espaço

A questão aqui é a forma como somos educados, a Júlia já falou disso aqui, e já indiquei leitura sobre isso aqui. Enfiam na cabeça das meninas desde cedo que a limpeza é uma de suas características: ser porquinho, para um menino, é feio, para uma menina, uh, é a desgraça da família. Isso pode ser um problema, por exemplo, para as meninas que gostam de coisas mais atléticas. Pode ser um problema para mulheres que não curtem trabalho de casa, já que se a casa está suja a culpa é da mulher que habita a casa. Até quando eu morei em república mista, eu sentia isso. Outra coisa que sinto é que estas meninas (que não curtem trabalho de casa) são a maioria e sempre foram. A diferença é que, hoje, a gente tem um pouco mais de voz.

As mulheres trabalhando fora de casa também é um fenômeno mais ou menos recente. Inclusive, hoje, quase 40% dos lares brasileiros são mantidos por mulheres. E, sério, que pessoa, depois de um dia de trabalho, chega em casa a fim de fazer faxina? Ou quer passar o final de semana assim? Quem gostaria disso?

Uma das minhas colegas do trabalho tem dois filhos e um marido, todos eles trabalham menos e trazem menos renda para casa, e é ela que faz faxina, lava a roupa e cozinha. Já perguntei, por que eles não fazem nada? E ela me disse que quando fazem, fazem errado. Há! Esse é o truque mais antigo do mundo, tenho quase certeza que fui eu quem inventou. Toda vez que meus pais me pediam para fazer alguma coisa que eu não queria, eu fazia errado para não ter que fazer mais. Para não ser injusta, podemos dizer que ninguém os ensinou, logo, eles não sabem. Mas se as meninas aprendem, tenho certeza, que os meninos aprendem.

Falando agora dos materiais promocionais, acho que a bola fora da marca Veja foi mais explícita, eles receberam muitas críticas e mudaram a apresentação da sua página no Facebook. O grande problema foi o termo escolhido, usar o termo "mulher" é excluir os homens do seu nicho. A gente já discutiu isso, se usarmos "homem" a gente pode estar falando da humanidade inteira, assim como o masculino engloba toda uma coletividade, ainda que os homens, num determinado grupo, sejam minoria. Agora dizer "mulher" é só para mulher, nada mais.

Arte de Laís Bicudo para o Subvertidas

Por sua vez, a bola fora da marca Vanish é um pouco mais sutil. Para começar, algumas pessoas podem achar a propaganda agradável aos olhos. Mesmo que seja, para quem gosta de branquelões sarados, de certa forma, a propaganda também define seu nicho: as mulheres. Não só pelas imagens dos branquelões sarados, porque talvez os homens gays curtam, mas porque também diz “o que uma mulher merece?”. Parece até homenagem, mas está dizendo que a gente merece várias coisas, depois que lavarmos a roupa. O que também pode soar agradável é que eles perguntam se o companheiro tem "ajudado" em casa. Bom, qual é o problema desse verbo "ajudar"? Você ajuda quando não é sua obrigação, certo? E isso é phoda, a maioria dos homens foi criada para não entender tarefas domésticas como suas obrigações, logo, se quiserem, eles “ajudam”.


O outro lado disso é quando eles ajudam, nossa, é uma festa, ganham até medalha. Nossa, um homem que ajuda em casa é um partidão! Cara, isso é ruim porque é injusto, quando algo se torna sua obrigação, ninguém agradece, quando você ajuda, quase sempre agradecem. Então, quando a mulher faz e faz bem, ninguém menciona, se faz mal, sim, a desgraça da família. Agora, um homem, quando faz o mínimo de tarefa de casa é um herói. É injusto e é padrão duplo. O que eu gostaria de ver mesmo é a divisão justa e igual das obrigações. A casa e os filhos não são mais da esposa do que são do marido. E eu digo isso até para questões legais, no caso de um divórcio, o que tem de errado um homem ficar com a casa e a guarda das crianças se isso for melhor para todo mundo? Por que isso deveria causar algum escândalo?

Existem homens bem habilidosos nas tarefas domésticas e mulheres nem tanto. Acho que essas pessoas não se mostram porque existem ainda esses estigmas bobos que fariam com que elas fossem julgadas dessa ou daquela maneira.

Por essas e por outras que as feministas "chatas" vão sempre pegar no pé dos publicitários e publicitárias, eles estão com a faca e o queijo na mão para demonstrar que não estamos mais no século XVIII, eles têm acesso aos maiores canais de divulgação. Não são eles que criam os padrões, mas eles têm a capacidade de legitimá-los e reforçá-los. De minha parte continuo achando que seria tipo mágico viver em uma sociedade em que o limite do que a gente pode e deve fazer fosse o respeito pelo outro e não esses preconceitos bestas do que se espera de um homem, do que se espera de uma mulher.

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