por Barbara Falleiros
Era uma vez, na Bahia, uma mulher pobre e gorda. Ela vai ao médico para tentar emagrecer e ele escreve na receita: "cadialina". Em seguida, explica que é um cadeado para a boca, um para a geladeira, outro para o armário... E que se a paciente não quiser os cadeados, que faça jejum quatro dias na semana e, nos outros três, beba apenas água. A dona de casa, humilhada, presta queixa ao Conselho Regional de Medicina. O médico se defende, fora mal interpretado!
O que acontece, na verdade, é que a dona de casa é burra e louca.
Sim, sim, palavra do doutor. Incapaz de entender uma linguagem figurada
porque vem de "uma comunidade que não tem sensibilidade para abstrair
as coisas", sentiu-se humilhada e ficou deprimida porque apresenta "um estado
psicopatológico", "uma sensibilidade psíquica", "um quadro psicológico
delicado que não cabe, por uma questão de ética, ser levado a público"
(mas agora já foi). O doutor ama seus pacientes, garante. Ama até a jornalista.
Ao comentar esse caso aqui, num blog feminista, esclareço que não estou dizendo que o médico tratou a paciente mal "porque ela é mulher". Neste caso, não necessariamente [A gente tenta não ser daquelas cabeças simplistas que só martelam a sua causa: Choveu no feriado! Tudo culpa do PT! A Dilma não quer que a gente desça para a praia!]. Embora esta carta na manga do "problema psicológico" seja frequentemente lançada quando se trata de uma mulher - veja abaixo - e que a gordofobia atinja as mulheres em cheio, muitas pessoas vulneráveis - homens, mulheres, adultos, idosos - são menosprezadas por maus médicos que se aproveitam do poder que lhes garante o conhecimento. Em outras palavras, quem nunca foi tratado como imbecil por um médico arrogante? Nem precisa ser mulher para isso. [ಠ_ಠ]
Mas mesmo que este caso não implique necessariamente preconceito de gênero (e mais um preconceito de classe), ele me fez pensar em uma outra história que ouvi de uma resposta médica grosseira e ofensiva. Nos tempos idos da pré-pílula, já com uma boa dezena de filhos, uma senhora respeitável ousa perguntar ao seu médico, à meia-voz: "Doutor, como eu faço para não ficar mais grávida?" E ela ouve como resposta: "É fácil, basta a senhora colocar uma boa tábua de madeira no meio da cama, para separar a senhora do seu marido."
Esta história, por sua vez, lembrou-me de uma cena que marcou o primeiro episódio da série Mad men, ambientada nos anos 60. Uma jovem solteira, Peggy, visita um ginecologista em busca de contraceptivos. O médico, com seu olhar condescendente, diz algo assim: "Mas escute bem, se você abusar, eu corto o medicamento. É para o seu bem! Mulheres fáceis não arrumam maridos." Quanto a uma outra personagem, casada e com uma vida suburbana "perfeita" que esconde mal o seu vazio, esta acaba indo ver um psiquiatra que, em seguida, relata o que ela disse nas sessões ao seu marido...
Humilhação, controle do corpo e da psique femininos. Esta dinâmica parece funcionar há muito tempo quando a questão é a saúde da mulher. Da histeria freudiana (distúrbios sensoriais causados por uma forte instabilidade emocional feminina) à prática rotineira da episiotomia durante o parto hospitalar, passando pelo tratamento de doenças majoritariamente femininas como a fibromialgia, à qual muitos médicos insistem em atribuir uma causa puramente psicológica: "A dor que a senhora diz que sente não existe, ela está na sua cabeça".
"Ele ainda falou que,
se eu não quisesse os cadeados, o jeito seria fazer jejum em quatro dias
da semana. E, nos outros três, só beberia água."
Leia mais em: http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2012/11/09/medico-receita-cadeados-para-mulher-conseguir-emagrecer-na-ba.jhtm
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"Ele ainda falou que,
se eu não quisesse os cadeados, o jeito seria fazer jejum em quatro dias
da semana. E, nos outros três, só beberia água."
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Sobre uma mulher doente parece sempre pairar a desconfiança em relação à sua sanidade mental. Como disse a médica e professora da Universidade de Barcelona, Carme Valls-Lloret, autora do livro Mujeres invisibles, em uma entrevista a respeito da fibromialgia:
As demandas e queixas das mulheres, em torno de 25% dos casos, são consideradas psicossomáticas, enquanto que as queixas masculinas, qualquer que seja a demanda, são consideradas mais sérias. Por outro lado, nós sabemos que na saúde mental existem muitas encruzilhadas. Que a deficiência de ferro aumenta a ansiedade e que carências de tiroxina aumentam a depressão. Sabemos também que o papel [da mulher] de cuidadora, a discriminação social e no trabalho, assim como a história pessoal, também provocam problemas de saúde mental. [Mas] a saúde pública "soluciona" o problema receitando às mulheres medicamentos psicotrópicos para "silenciá-las".
E então, à base de fluoxetina e Rivotril, obtém-se mulheres calmas, felizes, dóceis e caladas, assim como deve ser.
"Ele ainda falou que,
se eu não quisesse os cadeados, o jeito seria fazer jejum em quatro dias
da semana. E, nos outros três, só beberia água."
Leia mais em: http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2012/11/09/medico-receita-cadeados-para-mulher-conseguir-emagrecer-na-ba.jhtm
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"Ele ainda falou que,
se eu não quisesse os cadeados, o jeito seria fazer jejum em quatro dias
da semana. E, nos outros três, só beberia água."
Leia mais em: http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2012/11/09/medico-receita-cadeados-para-mulher-conseguir-emagrecer-na-ba.jhtm
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[Por hoje, fica esta introdução. Mas aproveitarei o gancho desse caso da paciente baiana para discutir algumas dessas questões de saúde feminina nos próximos posts. Se eu continuar sã até lá.]
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