Capital erótico my ass 3 - último e tenso

por Tággidi Ribeiro

Esse é o terceiro e último post sobre a entrevista da Catherine Hakim à Veja e está tenso. Muita coisa discutida e ainda a discutir. Leia os anteriores aqui e aqui.

Os tipos de feminismo - “O feminismo é uma ideologia abrangente, contém muitos elementos adversos.”
1. Se você quer entender o feminismo, veja este post da Roberta Gregoli. 
Igualdade entre os sexos - “O mito feminista da igualdade dos sexos é tão infundado quanto a afirmação de que todas as mulheres almejam a total simetria nos papéis familiares, emprego e salário. As feministas insistem que a independência financeira é necessária para a igualdade em casa. Argumentam ainda que a maior parte das mulheres é carreirista, como os homens, e detesta ficar em casa para criar os filhos. Diversos estudos indicam o contrário. A maioria das mulheres prefere ficar em casa em tempo integral quando as crianças são pequenas, pelo menos até elas começarem a frequentar a escola. Um parceiro bem-sucedido torna essa opção mais viável.”
2. É bem interessante que alguém fale de "mito" da igualdade entre sexos. A questão aqui é simples até demais: apesar de homens e mulheres termos cromossomos diferentes, somos igualmente human@s. Não há motivo para sermos tratadas como inferiores, desrespeitadas, pra não termos os mesmos direitos. No mais, as mudanças culturais têm mostrado que, se não somos biologicamente iguais, somos ao menos bem menos diferentes do que imaginavámos. O que é infundado, mesmo, é o mito de que mulher é frágil e fraca. E o mito de que homem que é homem não chora.


3. Pesquisas que abordam aspirações masculinas ou femininas dizem mais sobre em que tipo de sociedade somos criad@s e menos sobre aspirações 'naturais' (aliás, que aspirações são naturais?!). O feminismo é tão pouco difundido (e tão mal compreendido) que a maioria das mulheres e dos homens sequer têm a possibilidade de deixar de repetir padrões.

O marido ideal - “Tornar-se uma dona de casa ‘à toa’, em tempo integral, é uma utopia moderna para a maioria das mulheres. Em estudos realizados em todo o mundo, quando questionadas sobre as características mais valorizadas em um parceiro, as mulheres afirmam preferir homens com recursos, condição que viabiliza a permanência delas no lar.”
4. Não sei que pesquisas realizadas 'em todo o mundo' são essas, mas sei de uma coisa: no mundo quase inteiro, mulheres são criadas para serem mães e para estar dentro de casa. O espaço de fora da casa não é delas, elas não o conhecem. São milênios de confinamento, é pouco mais de um século de feminismo. Até as mulheres ao redor do mundo saberem que o espaço de dentro de casa é mais violento que o de fora, vai levar tempo. Quando acontecer, essa balela do conforto, do trabalho doméstico leve e da segurança que é ter um homem 'provedor' vai se dirimir. E mulheres como nós, que temos o mundo inteiro para nós, e não só nossas casas, serão maioria.

Déficit sexual masculino - “Desejo sexual é uma questão de gênero. As mulheres têm um nível mais baixo de desejo sexual, de forma que os homens passam a maior parte da vida sexualmente frustrados em vários graus. Existe um sistemático e, ao que parece, universal -- déficit sexual masculino. Os homens geralmente querem muito mais sexo do que conseguem, em todas as idades. Assim, a capacidade de atração sexual feminina perante os hormônios deles pode ser uma ferramenta valiosa de que as mulheres se beneficiem. Os homens sempre exploraram as mulheres, razão pela qual o feminismo foi necessário. Nós, mulheres, deveríamos explorar qualquer vantagem que temos sobre os homens, sempre que possível.”
5. Esse trecho da entrevista de Catherine Hakim me dá nos nervos. Como alguém que se diz pensador sério e feminista pode afirmar que mulheres têm menos desejo sexual do que homens? Nós mulheres fomos milenarmente reprimidas, nosso prazer era associado ao MAL. Quando eu era pequena, nos anos 80, ainda se contavam as histórias do tempo em que mulher que sentia prazer era considerada puta pelo marido. Podia perder o marido e acabar indo trabalhar na zona mesmo. Eram as histórias do anos 50, 60. Esse tempo de mulher que gosta de sexo e sente prazer é historicamente e culturalmente ínfimo. A verdade é que sabemos praticamente nada sobre o desejo sexual feminino. E mais ignorantes ficamos se levamos em consideração a batelada de pesquisas fajutas feitas por homens ou mulheres machistas como Catherine Hakim. Felizmente, as histórias que ouço hoje contam que mulheres livres sentem tanto desejo quanto seus parceiros.

6. É impressão minha ou a Catherine Hakim justifica com essa fala a pornografia, a prostituição, o golpe do baú, o teste do sofá? Ou ela diz que devemos excitar a fantasia masculina, mas deixar os homens na mão? Nossa, que ética! Me sinto realmente empoderada... ao dizer que feministas não querem 'explorar' homens, nem vender seus corpos ou falsas promessas sexuais. Feministas acreditam no direito ao prazer, na liberdade dos corpos de homens e mulheres - sem exploração.

Barriga de aluguel - “Se os homens pudessem produzir bebês, essa seria uma das maiores ocupações pagas do mundo. As leis foram inventadas pelos homens para o interesse deles próprios, e não incluem os interesses femininos. Muitas vezes, a legislação impede que as mulheres recebam integralmente os lucros de seus talentos, com valor comercial adequado. A barriga de aluguel, por exemplo, é um fluxo de receita inexplorado e do qual nós, mulheres, podería-mos [sic] nos beneficiar.”
 7. 'Oportunidade de carreira: alugue a sua barriga. Pagamos bem. Obs: não nos responsabilizamos pela saúde física ou mental da barriga após o parto.' Uau, hein?, Catherine Hakim! Nós feministinhas idiotas pensando em incentivar as meninas a serem o quiserem sem medo: atletas, cientistas, políticas, donas de indústrias. E você com essa visão thundercat de como ganhar dinheiro fácil.

Pelo fim da hipocrisia - “Sou uma feminista convicta. Sempre busquei o melhor para as mulheres. Dediquei mais de duas décadas de minha carreira a responder a uma questão: por que as mulheres raramente são as heroínas? Há quem não me entenda, mas o que ofereço é uma nova perspectiva feminista, sem hipocrisia. Muitos dos escritos feministas modernos conspiram a favor das perspectivas chauvinistas masculinas ao perpetuar o desprezo pela beleza e pelo sex appeal das mulheres. O feminismo radical deprecia o encanto feminino. Por que não estimular a feminilidade em vez de aboli-la?”
 8. Então quer dizer que feminilidade é sinônimo de beleza e sex appeal? Qué dizê, quer dizer que é um conceito dado e imutável e é isso: beleza e sensualidade? Quer dizer que feminilidade não é construção sócio-histórica? Quer dizer, também, que justamente esse conceito de feminilidade que vem atravessando séculos não foi o que nos tirou do papel central da história e nos relegou à categoria de adereço? Você quer dizer isso, Catherine Hakim, mesmo?

9. Com beleza e sex appeal exaustivamente explorados, hoje, no mundo inteiro, a maioria das mulheres somos: bbbs, panicats, strippers, coelhinhas, prostitutas de luxo, atrizes pornô, marias-chuteira, marias-gasolina, belas da torcida, as mais belas presidiárias, acompanhantes de luxo, musas, piriguetes. Somos também muito facilmente destratadas, agredidas, assediadas, estupradas e mortas. Mas, quando isso acontece, dizem que a gente tava 'pedindo'.

A liberdade é o único poder.


 

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