Há um ano, mudei para o Distrito Federal. Aqui, tudo é muito diferente, muita coisa choca, muita coisa assusta, para o bem e para o mal. Uma das coisas que mais me assusta, para o mal, no DF, são os casos de violência contra a mulher: são quase 15 ocorrências por dia. Em março de 2012, o DF era o líder de denúncias no ranking, seguido pelo Espírito Santo e Pará.
O DF é muito menos lilás que isso |
Na maioria dos casos, a agressão faz parte daquela velha história de "amor": a gata amava o cara, não ama mais ou não tolera mais, então, toma tiro, toma pancada e vai tomando. Outra prática comum é o assalto seguido de estupro, geralmente envolvendo casais e famílias como vítimas. Isso me fez pensar na Marcela Temmer, em outras pessoas e situações nessa vida. Muita coisa mudou, melhorou até, mas as mulheres ainda são vistas como posses do homem. É a conclusão possível, né? Triste.
Li, por indicação de uma amiga, uma notícia antiga sobre a Marie Nzoli e o cotidiano das congolesas, cotidiano este que envolve estupros diversos e variados em sua vida, por tantos motivos. Na verdade, não consigo pensar em coisa mais sem motivo que o estupro. Mentira. A guerra, o genocídio e a briga político-social pelos diamantes, no Congo, são ridiculamente e igualmente coisas sem motivo, mas enfim.
Não rola comparar o Brasil com o Congo, a situação lá é de fazer chorar, vomitar e tudo mais. Aqui, a gente conta com esse e aquele instrumento legal e instituições de defesa, mas ainda assim, determinadas coisas acontecem. Eu disse ali em cima que esses acontecimentos absurdos narrados pela Marie são sem motivo, mas é pela brutalidade né, pelo grotesco do cenário. Na real, o motivo de o estupro servir de arma de guerra; de um cara entrar na casa de outro cara e roubar a casa, o carro e estuprar sua mulher; de o ex matar ou tentar matar a ex; enfim, o motivo é o machismo. É, o machismo é motivo para coisas que vão desde as mais bobas às mais graves. Século XXI, e ainda tem MUITA gente achando que a mulher é posse do homem.
Marie Nzouli e a organização que fundou no Congo |
Pessoalmente, acredito que nossas posses têm o poder de nos transformar, para o bem, quando nos trazem responsabilidades. Acredito que relacionamentos nos transformam, para o bem, quando fazem de nós pessoas melhores. É óbvio que isso não acontece sempre. Um exemplo, ou melhor, um desenho. O Lula Molusco tem uma casa de pedra e um clarinete. Vamos supor que ele comece a namorar a Pequena Sereia. Nada, nada disso vai adiantar, se o Lula Molusco continuar sendo o mesmo babaca de sempre, implicando com o Bob Esponja só porque ele é uma esponjinha feliz. Agora, se ele for namorar a Ariel e deixar o Calça Quadrada ser feliz, aí sim faria alguma diferença.
Além dessa questão de posses e relacionamento não mudarem ninguém. O mais importante de tudo é isto: as mulheres não são coisas. Não são comida, não são enfeites, não são objetos. Elas não podem sofrer violência de qualquer natureza por não querer um homem, por estar sozinha, por não estar de burca ou por estar.
A gente, aqui no blog, é acusada o tempo todo de exagerar e tudo o mais. Já disseram que somos mal resolvidas porque vemos machismo em tudo. Bom, é nosso papel, como feministas, mostrar que o machismo está no ar. E que vai desde escutar assobio na rua até a amiga da prima da vizinha que levou um tiro porque tentou largar um cara. E, se apontar, chamar atenção aos fatos é ser mal resolvida, sim, somos mal resolvidas. E preferimos assim. Sério, se existe alguém em paz com uma sociedade em que estupro pode fazer parte do cotidiano de tantas formas, humildemente, tenho que dizer que ser bem resolvido é uma bosta, a pessoa precisa ter um problema muito sério para ser bem resolvida com a sociedade como está.
21 de janeiro de 2013
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Muito engraçado o post e brilhante a conclusão. Me fez lembrar de um citação que li esses dias no Facebook: "Não é demonstração de saúde ser bem ajustado a uma sociedade profundamente doente".
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