por Thaís Bueno
Você se lembra de uma
polêmica ocorrida na mídia no final de 2012, envolvendo uma marca de
lingerie e uma propaganda de gosto extremamente duvidoso? Na ocasião, a
propaganda exibia uma favela do Rio de Janeiro, em processo de pacificação, um
oficial caído no chão e uma mulher, negra, vestindo lingerie. O slogan: “Pacificar
foi fácil, quero ver dominar”. A polêmica, claro, deveu-se ao fato de o Conar,
órgão resposável pela regulação do que vai ou não ao ar nos meios de
comunicação, determinar que se tratava de uma propaganda sexista, que vulgarizava
a mulher e banalizava o processo de pacificação das favelas do Rio de Janeiro.
Campanha da Duloren, de 2012, retirada do ar pelo Conar |
Lembro que, na época, minha
opinião sobre o anúncio era muito clara: ora, a propaganda era, em último caso,
de péssimo gosto, e para mim não era novidade algo do tipo surgir na mídia
brasileira. O que me surpreendeu, no entanto, foi a reação de muitas pessoas do ramo publicitário, nas redes sociais, taxando a decisão do Conar
como ato de censura e postura politicamente correta. E eu pensei comigo:
ora, qual o problema com o politicamente correto?
Pois bem, foi nessa época que
comecei a notar que cresce há algum tempo, principalmente entre homens e
mulheres que acreditam fazer parte de uma certa “intelectualidade” brasileira
(que no entanto é bastante rasa e imediatista), um certo desprezo ao que se
acredita ser o politicamente correto. Para essas pessoas, a atitude
politicamente correta seria uma postura “quadrada”, que restringe liberdades
individuais. Comentários como “ora, que deixem a fulana tirar a roupa no
anúncio! Estamos em um país tropical, onde as mulheres usam menos que isso nas
ruas... Não sejamos hipócritas!” e “a censura voltou e o Brasil está regredindo...
daqui a alguns anos, a publicidade não poderá dizer mais nada!” estavam entre
as pérolas que li e ouvi.
O mesmo tipo de reação às vezes
surge quando certas pessoas leem um texto que apresenta marcas de gênero. Muita gente lê
uma frase como “Damos boas-vindas a todos(as) os(as) presentes” e não gosta,
argumentando que as marcas do feminino nada mais são do que uma intrusão
desnecessária, intrusão essa que “polui” o texto. Por que será que também não fico surpresa?
Se pensarmos bem, tanto no caso
da modelo de lingerie na TV quanto no caso da linguagem com marcas do
feminino, o que está em jogo não é exatamente uma simples questão de “proibição
de um determinado modo de falar”, e sim uma questão de modo de agir.
Obviamente, para quem acha que uma piada preconceituosa ou um linguajar
ofensivo à mulher não afeta a forma como sentimos a realidade e vivemos neste
mundo, o politicamente correto não faz sentido. Para essas pessoas, o
“político” está relacionado a moralidade, e não a respeito e convivência. Para
elas, portanto, o politicamente correto é apenas algo que restringe sua liberdade
de dizer o que quiser (algo que, inclusive, já foi discutido aqui no Subvertidas).
No entanto, se pensarmos que o
que lemos e escrevemos pode afetar efetivamente nossa percepção da realidade, a
política toma outra dimensão e o politicamente correto passa a ser uma das
armas de que podemos dispor para subverter ideologias e discursos dominantes.
Por exemplo, quando optamos inserir uma marca de gênero em nosso texto,
estamos provocando, pela linguagem, um estranhamento a algo que, não fosse por
essa “intrusão”, passaria em branco (e vale também pensar nos efeitos dessa
expressão, “passar em branco”, que acabei de usar). É como se, inserindo “(as)”
ao final de uma palavra masculina, estivéssemos nos lembrando de que há ali,
também, a possibilidade da existência de uma mulher. E, mais do que isso, pode
nos levar a perceber como a condição masculina nos parece ser neutra. É uma condição dominadora e que, aparentemente, não precisa ser colocada em
debate. Ela sempre se apresenta a nós como uma condição natural, uma condição
que vem a priori, uma condição à qual o feminino se opõe.
Se tomamos em consideração todas essas questões, podemos entender, também, porque é que o termo “feminista” carrega, para muitas pessoas, uma
conotação negativa, como se a feminista fosse uma mulher radical, inadequada,
difícil. E também porque, mesmo quando se trata de alguém que se opõe à ideia do sexismo, essa pessoa prefere se denominar como alguém “em favor dos direitos das mulheres”
ou “feminina”, atenuando assim os efeitos do termo “feminista” e evitando
para si o rótulo injusto que se costuma aplicar às feministas. Mas, será que se
trata apenas de uma questão de “mudar de nome”? Será que, mudando o nome, mudamos também aquilo a que nos referimos? O que uma mudança de nome implicaria?
Parece que, no tempo de Shakespeare, “mudar o
nome” não significava muita coisa, não afetava muito o mundo tal como era. A
rose by any other name would smell as sweet (“Se uma rosa tivesse outro nome,
ainda assim teria o mesmo perfume”) é um dos trechos da mais famosa peça de
Shakespeare. Mas, hoje, séculos após a publicação de “Romeu e Julieta”, não dá
mais para pensar assim, gente. Acredito que mundo mudou, e muito. Nos dias de hoje, por algum motivo, essa suposta arbitrariedade entre o que se diz e a realidade está fragilizada. O dizer e a forma de dizer podem ser a própria ação (toda a obra de Nietzsche está aí para nos mostrar isso). E, embora o cuidado com a linguagem não resolva milagrosamente problemas que são sociais e políticos (e que, obviamente, pedem também ações políticas e sociais diretas, não apenas linguísticas), ao prestarmos atenção àquilo que falamos, nós despertamos para algumas questões importantes, e aquilo que lemos e escrevemos pode se apresentar de forma diferente. A forma de dizer, às vezes, diz por si própria.
A luta contra os preconceitos terá que ser uma luta persistente e incansável. Será preciso inúmeras tentativas e, ainda assim, não haverá nenhuma garantia de que o mundo estará livre de todos os preconceitos e a linguagem, politicamente "limpa" de uma vez por todas. Entretanto, uma das maneiras mais eficazes de combater os preconceitos sociais que, ao que tudo indica, sempre existirão, é monitorando a linguagem por meio da qual tais preconceitos são produzidos e mantidos e obrigando os usuários, em nome da linguagem politicamente correta, a exercer controle sobre sua própria fala, e, ao controlar sua própria fala, constantemente se conscientizar da existência de tais preconceitos.
Intervir na linguagem significa intervir no mundo. (Kanavillil Rajagopalan, "Sobre o porquê de tanto ódio contra a linguagem 'politicamente correta'")
Ainda que tenha outro nome, o sexismo vai continuar fedendo |
18 de fevereiro de 2013
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Thaís
Boa contribuiçao para as reflexoes sobre sexismo e linguagem na perspectiva da luta feminista!
ResponderExcluir"O que me surpreendeu, no entanto, foi a reação de muitas pessoas do ramo publicitário, nas redes sociais, taxando a decisão do Conar como ato de censura e postura politicamente correta. E eu pensei comigo: ora, qual o problema com o politicamente correto?"
ResponderExcluirA pergunta que vc fez esta equivocada, não há nada de errado com o politicamente correto o que esta errado é a censura. A pergunta que vc deveria fazer é:
Há algo de errado em censurar?
Sinceramente eu acho que há algo de muito errado na censura. VC e eu temos o direito de achar a propaganda de mau gosto e de sexista, podemos dizer isso escrever sobre isso, não comprar os produtos oferecidos na propaganda, solicitar que outros consumidores não comprem, dentre muitas outras ações que um Estado democrático nos permite. O que não podemos é querer impedi-lá de ser veiculada, pois issovai justamente contra o próprio Estado democrático que nos garante toda essa liberdade de ação.
Estado democrático.....é impressionante a quantidade de pessoas que ainda acreditam nele. E que confundem democracia com falta de educação, mal gosto e divulgação do mal exemplo. A propagando tem um papel importante na vida dos indivíduos (infelizmente). Quando se divulga um comercial, este é direcionado para o público em geral e nele há os que entendem que a mídia erra mas também há aqueles que confiam nela de olhos fechados. Por isso, deve-se sim ter cuidado e impôr limites, porque infelizmente, milhares de pessoas tomam essas exibições como exemplo de comportamento social.
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