Assédio e transporte coletivo: quais soluções?

por Barbara Falleiros

Quando, no início do mês, assistimos a mais uma grande tragédia envolvendo um ciclista em São Paulo, voltei a pensar nas dificuldades de circulação nos centros urbanos. Em São Paulo, a situação é tão caótica que até o ex-papável "não foi desta vez", dom Odilo, chegou a fazer piada: "Eu espero que o caminho do céu seja ainda mais congestionado que o de São Paulo". Nessa ditadura do automóvel e do desrespeito ao transporte coletivo e/ou sustentável, o caminho do céu acabará enfrentando um congestionamento de bicicletas...

Estação da Sé, em São Paulo, no horário de pico
No Brasil, onde não há transporte público digno deste nome - como mostra bem a imagem acima -, tem-se a impressão de que a posse de um carro garante a liberdade. Mas o irônico é que esta é uma liberdade de confinamento, liberdade de ficar parado, engarrafado, com as janelas fechadas, com medo dos que estão do lado de fora...

Para as mulheres, como sabemos, a questão é ainda mais problemática pois o espaço público, reino masculino, é hostil à sua presença. Eu já falei do assédio de rua e dos perigos que rondam a mulher que "anda sozinha", a Roberta também discutiu o assunto colocando em evidência os padrões duplos. No site das Pedalinas, o Coletivo Feminino de Ciclistas de São Paulo, há discussões sobre tipo de assédio sofrido pelas mulheres ciclistas. Lá encontramos, por exemplo, este depoimento:

Já imaginou estar subindo uma avenida (a Sumaré, no caso), em pleno domingo, feliz e contente por ter poucos carros na rua, e perceber que um carro reduz a velocidade e sentir uma palmada bem dada na bunda, seguida de um “vaaaaai coisa gostooooosa” e várias risadas de um bando de playboys? Nunca imaginou? Nem eu. Mas isso aconteceu comigo, e o carro preto de placa 2416 e a cara do mauricinho orgulhoso de seu ato machão-ogro olhando e rindo de mim no retrovisor, eu nunca vou esquecer.

A vítima do assédio e autora do post sugere um exercício interessante: fazer uma busca no Google Imagens por "mulheres bicicleta". O resultado não é muito difícil de imaginar: nos deparamos com imagens de mulheres sexualmente objetificadas, claro, com bundas, peitos, biquínis, e até mesmo uma boneca inflável... Vale uma comparação com a busca por "homens bicicleta"...



Parece bobo dizer, mas todos os entraves à circulação feminina são impedimentos à sua liberdade, no sentido mais concreto do termo. As mulheres que andam de ônibus e de metrô, como as pedestres e ciclistas, estão sujeitas a serem abordadas, constrangidas, tocadas, maculadas (literal e figuradamente). Como lembrou recentemente a Lola Aronovich, no ano passado foram denunciados sites que continham vídeos de cretinos, autointitulados "tarados do busão", que se masturbavam nos transportes lotados e ejaculavam sobre as mulheres.

Campanha lançada em 2008 em Rosario, Argentina
Seria justo termos, então, meios de locomoção dedicados exclusivamente ao sexo feminino? Muitos responderão que não. Responderão que esse tipo de medida apenas reforça a discriminação sexual. Entre esses estarão provavelmente aqueles que criticam as cotas raciais e leis como a da Maria da Penha. É que, às vezes, a divergência de opiniões parte de duas concepções distintas de igualdade: de um lado, a que entende que igualdade é oferecer o mesmo a todos independentemente do ponto de partida; de outro lado, aquela que visa a que todos alcancem um mesmo ponto de chegada.

Para o bem ou para o mal - ver a crítica no final deste post - inúmeras iniciativas de transporte feminino têm surgido em todo o mundo, dentre elas, os "táxis rosa" (sim, a associação imediata da cor rosa ao sexo feminino é questionável): o sistema surgiu em Londres em 2006 com o Pink Ladies Cab, sistema pré-pago para clientes registradas, funcionando nas noites de sexta e sábado e com veículos conduzidos por mulheres ; o serviço de táxi por mulheres e para mulheres foi exportado para Moscou, Beirute, Hebrom na Cisjordânia, Bombaim e Nova Deli, Paris, Joanesburgo, Puebla e Cidade do México, Medéllin na Colômbia, Tóquio etc.

Táxi rosa de Puebla
Em algumas das cidades citadas, e em outras cidades brasileiras como Rio de Janeiro e Brasília (lei votada há pouco, em 2012 se não me engano, não sei se implementada), foram colocados em circulação vagões de metrô e de trem suburbano exclusivos para mulheres, normalmente em horário de pico. No Rio, pelo que li, a exclusividade não costuma ser respeitada pelos passageiros. Em São Paulo, a medida fora colocada em prática em 1995, houve uma tentativa de ressuscitá-la em 2005, mas recentemente o Metrô paulistano descartou a possibilidade de criação de vagões femininos por estes "infringirem o direito de igualdade entre gêneros à mobilidade livre". O problema é que a mulher não tem "mobilidade livre": vale lembrar que uma mulher a cada três dias registra queixa por abusos ocorridos dentro do metrô paulistano. Em 2012 na cidade de Campinas, no interior de São Paulo, uma comerciante lançou um abaixo-assinado pela criação de uma linha de ônibus exclusiva para mulheres, na tentativa de diminuir o assédio.

Vagões para mulheres na Índia

Isso só para citar alguns projetos contra um problema mundial, generalizado e recorrente.

Iniciativas como as citadas são respaldadas pela ONU em seus planos de combate à violência contra mulheres e meninas, hoje fortemente ligados a uma grande campanha, ONU-Habitat, pela melhoria dos estabelecimentos humanos e pela urbanização sustentável. Essas ações, que procuram ser ao mesmo tempo afirmativas e preventivas, tem como objetivo possibilitar às mulheres que se locomovam com segurança e sem medo.

Um sistema de transporte público seguro para mulheres é importante porque lhes permite circular livremente pela cidade, sem medo. Por falta de medidas de segurança eficazes, as mulheres são obrigadas a adotar diferentes comportamentos defensivos como, por exemplo, usar roupas "apropriadas" nos transportes públicos, viajar em grupos, subir apenas em vagões de metrô e ônibus que não estão lotados, ignorar o assédio verbal e sexual, gritar para pedir ajuda, carregar na roupa agulhas e alfinetes como armas de defesa, manter-se contra uma janela ou no fundo do veículo, evitar pegar táxis sozinha e abster-se de viajar em veículos ocupados apenas por homens (Kunieda e Gauthier, 2003, 14). Estas medidas defensivas são um pesado fardo adicional para as mulheres e as privam de seu direito de livre acesso à cidade. (ONU Mulheres)
Além dos vagões exclusivos, a ONU propõe outras estratégias de melhoria do transporte público, levando em conta as especificidades de gênero, como: possibilidade de a mulher pedir para descer do ônibus mais perto do seu destino, de manhã cedo ou à noite; instalação de serviços de prevenção da violência e de atendimento de vítimas nas estações de metrô; calçadas suficientemente iluminadas; instalação de ciclovias; tarifas abordáveis.

Porém, em relação aos vagões para mulheres, há quem critique a medida com argumentos de peso, como a professora e socióloga Bila Sorj. Para ela:
A questão é: por que os homens se sentem tão livres para assediar as mulheres? A medida admite implicitamente que o assédio é um impulso irresistível dos homens (...). E pressupõe que o que se pode fazer, então, é proteger as mulheres com vagões exclusivos.  (...) Esta lei reforça a ideia da fragilidade das mulheres, como se elas fossem seres que não pudessem se defender. Segregar reforça uma série de estereótipos masculinos e femininos que têm colocado a mulher numa condição de subordinação. A solução seria alterar os valores de uma masculinidade que supõe que os homens são livres para assediar as mulheres. Isso passa por políticas públicas, que constituam a conduta como crime moralmente condenável e facilitem às mulheres a denúncia desses casos.

A solução não é simples. Como fazer para que as mulheres circulem de fato com segurança no espaço público? Optar por medidas paliativas, enquanto nos esforçamos para promover uma mudança de mentalidade que faça da mulher o que ela é, uma pessoa, e não mais uma presa a ser caçada? É preciso continuar ocupando o espaço, de alguma forma... Mas que estratégias e soluções contra o assédio é a violência? Deixo este post em aberto. Outras ideias?





7 comentários:

  1. Eu sei que não adianta nada. Mas eu xingo o cara toda vez que sou obrigada a estar nessa situação. A maioria assusta!

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    1. Adianta, sim! E se você tiver mais raiva e deixar ele mais constrangido, adianta mais ainda! Quando eles já não souberem mais quem pode/vai reagir ou não, os abusos/assédios vão diminuir muito!!!

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  2. Laís L. Bicudo03/04/2013, 14:35

    E se não assusta eles saem e fingi que não foi com ele. Chega até ser ridículo.

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  3. Embora paliativa, sou a favor de tais medidas. Pois, para as poucas que conseguirem entrar no vagão, conseguirão viajar em paz. Pois, por mais q os valores estejam mudando, ñ será com discursos ou violência contra os agressores, que conseguirá proteger as milhares de cidadãs que enfrentam isso todo dia.

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    1. As mulheres que não conseguirem estarão expostas a mais violência, porque expostas a um maior número de homens. Imaginem os discursos de culpa: 'também, estava no vagão com os homens!'. A separação de homens e mulheres nunca protegeu as mulheres, sempre as encarcerou, as tornou prisioneiras - porque não voltamos a apenas ser donas de casa e paramos de sair na rua, então? Outras duas questões: quanto aos homens gays - não serão ainda mais hostilizados em vagões unicamente masculinos? Quantos às mulheres trans: poderão embarcar nos vagões femininos? O Laerte poderá embarcar num vagão feminino? E se não puder? Estará mais vulnerável? É bom pensar bastante sobre as medidas paliativas que parecem 'boazinhas'.

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  4. Sou contra o vagão exclusivo para mulheres, mas apoio as cotas raciais e a Lei Maria da Penha. E acho que a socióloga Bila Sorj também. E achei a frase bem preconceituosa.

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  5. Em minha opinião não seria necessário vagões femininos, ônibus, táxis..... se existissem uma lei mais rigida contra esses tarados, e uma maneira com que as denuncias fossem ouvidas e obtivessem resultados..Muitas mulheres se sentem coagidas e desanimadas em denunciar pois é um fato comum e muitas vezes tratado com desdem pelas autoridades!

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